Eu havia prometido para a esposa fazer tapioca, e acabou a farinha. Pensei em dar uma passada no supermercado a duas quadras do apartamento.
Tirei meu pijama na própria área de serviço e já apanhei correndo camiseta e calção do varal.
Ainda dormia de pé, de raciocínio lento, mais bocejando do que podendo falar.
No mercado, mantinha o propósito de ser ninja, pegar o produto e voltar antes que ela acordasse.
Mas lembrei que faltavam banana, tomate, ovo, chá. Virei malabarista. Não me servi de carrinho ou cesta na entrada, então equilibrava os itens nos meus braços, absolutamente ocupados. Eu andava curvado para que nenhum deles deslizasse.
Supermercado de manhã em Minas é como a primeira missa de domingo, exclusivamente com a terceira idade. Na fila, eu me destacava como um menino em comparação com a faixa etária das freguesas. Ou me sentia num cruzeiro com show de Roberto Carlos.
Fiquei quietinho, mascarado, esperando a minha vez de ser atendido, respeitando o distanciamento mínimo das setas no chão, estacionado na minha vaga de pedestre inventada na pandemia.
Só que alguém cutucou as minhas costas. Como se o ombro fosse a aldrava de uma porta. Tocar no outro hoje, com todo o medo da contaminação, acontece apenas em urgências.
Eu me assustei com a mão perto de mim. Uma senhora apontava para a minha frente, educadamente, avisando que caiu algo. Reparei nas minhas compras, e continuavam comigo.
Olhei, e havia uma calcinha. Demorei a entender o que ela fazia ali. Na confusão de me vestir, devo ter levado junto por dentro das roupas a calcinha de minha esposa. Veio, embolada, no interior de meu figurino.
Para acentuar o escândalo, a calcinha estendida no chão correspondia a um triângulo de rendas preto matador, absolutamente sensual.
Agradeci o gesto e fiz, sonâmbulo, o que nunca pode ser feito em público: cheirar a calcinha. Foi um gesto involuntário e ingênuo, para me certificar da autenticidade do achado. Logo me arrependi e enfiei a peça no bolso.
Não encontrei coragem para me explicar.
As clientes e balconistas perceberam o incidente. A quebra da normalidade chamava a atenção. Abriu-se uma clareira na fila para assistir ao meu constrangimento.
Eu não tinha como dizer que era minha, porque iria parecer um fetichista.
Eu não tinha como dizer que era de minha mulher, porque iria parecer um Wando, colecionador de calcinhas.
Eu não tinha como dizer nada que somente pioraria a minha situação. Neste momento, falar incrimina.
Afinal, por que um marmanjo sai de casa segurando uma calcinha?
Talvez venha a ser identificado como um sedutor fajuto que abandonava a ficante na calada da manhã e roubava uma relíquia da noite tórrida de amor.
Resisti, corado, mirando o piso, sem força moral nenhuma para erguer o queixo e encarar as testemunhas.
Certamente, em qualquer hipótese, elas concluíram que era um tarado, um pervertido, que o mundo estava perdido mesmo.
Eu nunca mais volto ali, serei obrigado a caminhar muito mais para chegar ao próximo supermercado.
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