FABRÍCIO CARPINEJAR

Jeitinho mineiro

“Quando o mineiro confessa que tem uma ‘lojinha’, deduza uma rede imensa de lojas, com franquias espalhadas pelo Estado inteiro.


Publicado em 26 de janeiro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Mineiro é sofrido. Teve ouro explorado de suas montanhas, teve ferro explorado de suas pedras. Em termos de minérios, sofreu uma devastação só comparável à da Amazônia. 

Seu diminutivo é de defesa. Ele é reservado para se proteger dos interesses dos outros. Desde os portugueses até as multinacionais, viveu sempre na sombra da cobiça. Não diria que, historicamente, seja avarento, mas traumatizado. 

As tragédias de Mariana e Brumadinho são ilustrações do abuso inescrupuloso, sem limites, escravizando comunidades inteiras em torno de fins comerciais. 

Ele se esconde no pequeno para não chamar atenção para suas posses. É um artifício que parece de ternura, mas revela muito mais uma artimanha inteligente para se esquivar da inveja e dos oportunismos externos. 

É frequente o uso de “inhos” e “inhas” nas conversas, referindo-se àquilo que apresenta com um tamanho menor do que o usual. 
Já aprendi que, debaixo das palavrinhas, existe uma forma de salvaguardar as posses da própria família. 

Todo mundo compreende que o diminutivo é sinônimo de carinho e cortesia, também não deixa de ser, porém é ainda uma escola de pura sobrevivência social. 

É o oposto do gaúcho, que exagera o que tem. Se o gaúcho fala que está num parque, pode ter certeza que é uma pracinha. Transforma lago em rio, minimercado em supermercado, centro comercial em shopping. Sua passionalidade consiste em extrapolar os fatos. 
Assim como difere da tradicional malandragem carioca, que omite os problemas para passar bem. 

O mineiro, pelo contrário, diminui a sua realidade para não gerar expectativas grandiloquentes e frear a curiosidade. Valoriza a austeridade dentro da mais completa modéstia. 

De modo nenhum o verá contando alguma vantagem. Ele pretende que as pessoas percebam que nunca está sobrando, mas sempre em dificuldade. Jamais esnoba, tudo é explicadinho com eufemismos. 

Quando mineiro diz que tem uma “casinha”, acredite que ele tem uma mansão na Pampulha. 

Quando convoca a visita dos amigos com filhos, alegando que há um “cantinho” para as crianças brincarem, ponha na cabeça que existe um playground no edifício. 

Quando o convida para uma “comidinha”, será um banquete com seis pratos diferentes na mesa, possivelmente uma feijoada de refeição principal. Lembre-se de levar Eno na carteira. 

Quando o chama para um “cafezinho”, espere broa, pão de queijo, bolo de cenoura e polvilho. O café não virá sozinho. 

Quando confessa que tem uma “lojinha”, deduza uma rede imensa de lojas, com franquias espalhadas pelo Estado inteiro. 

Quando justifica que vem um “dinheirinho” por aí, talvez tenha sido um dos sorteados da Mega-Sena. 

Quando dispõe de um “tempinho” para o papo, não confie em jogo rápido, é um dia inteiro de prosa. 

Quando põe na mesa uma “cachacinha”, prepare-se para esvaziar a garrafa. Um golinho é feito de litros. 

Os centímetros da linguagem mineira são metros. É uma outra dimensão da existência. 

A única exceção é “timinho”. Quando mineiro caracteriza o seu time de coração desse jeitim, é realmente uma crítica mordaz e o fim de sua paciência.

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