Mineiro gosta tanto de boteco que o transforma em sua segunda casa.
Para a família, diz “espero uma visita no meu apartamento”. Para os amigos, já fala “me encontre no meu boteco”.
Boteco em Minas é pronome possessivo, pertencimento, extensão da personalidade, pátio etílico, quintal emprestado.
Mineiro quer ser dono dele, pelo menos mentalmente.
Escolhe um para a sua vida e não muda de endereço mesmo que ele entre em franca decadência. Não se trai um boteco, é aquela única monogamia que o homem e a mulher aceitam de bom grado pelo resto de seus dias.
Quem não tem um barzinho de sua preferência não tem alma. São exigências da mineiridade: ter um time de seu coração e um esconderijo predileto para petiscar e matar a sede.
O boteco deve ser perto da residência ou, pelo menos, no caminho. Para servir de pit stop da alegria ou da tristeza, da promoção ou da demissão.
Ninguém vai ao boteco, mas para no boteco. Como se ele fosse uma preliminar do lar.
É comum escutar “passei por aqui”, justificando que não foi uma opção, mas um acaso. Uma casualidade estranhamente repetida toda a semana.
Não fica de bom tom passar a mensagem direta aos colegas de que se pretende beber. Para evitar eventual fama de pinguço, então o destino é disfarçado em acidente de percurso.
A adoção do cantinho público revela-se na exclusividade de escolher algo que não existe mais, que reinou uma vez no longínquo passado e que saiu do menu.
Assim todo botequeiro prova que é um cliente antigo para os outros quando conhece o que nem é oferecido. Busca demonstrar que tem o lugar na palma de sua mão solicitando um prato que não é mais feito. Faz questão de se diferenciar da normalidade dos clientes.
Seu maior orgulho é exibir na mesa uma travessa retrô, impossível de se descobrir nas ofertas escritas. Só ele terá aquilo, para inveja e curiosidade dos demais.
Talvez tenha sido um campeão de comida di buteco da década passada, que não há como esquecer com o tempo, paixão avassaladora e selvagem do paladar e do olfato, e que impede a ousadia de novas experiências.
O frequentador se apegou ao cheiro da fumaça e à crocância do sabor de tal maneira que não consegue abrir mão. De repente, é uma costelinha com geleia de pimenta ou um bolinho de carne de pato ou um queijo canastra derretido com jiló ou iscas de peixe no molho de jabuticaba. Trata-se de uma extravagância que roubou a noção do certo e do errado da pessoa e qualquer escrúpulo de gerar desespero no garçom.
Eu e minha esposa agimos assim com o nosso barzinho de fé, Bambu, na região oeste de Belo Horizonte, e também estendemos a má-criação para restaurantes que frequentamos. Para azar dos cozinheiros e terror dos chefs, que precisam encontrar os ingredientes e improvisar os insumos para satisfazer os caprichos de um casal intransigente.
Na Favorita, pedimos uma sopa de frutas vermelhas que não está no cardápio. No Italiano, pedimos peixe ao molho cítrico, batata laminada ao forno e repolho na brasa que não estão no cardápio. No Alma Chef, pedimos uma cheesecake que não está no cardápio.
Somos adeptos de pratos fantasmas, zumbis da longa e inebriante noite mineira.