Fui um dos convidados do Festival Literário Internacional de Itabira, organizado pelo incansável amigo Afonso Borges. Conheci a casa da infância de Carlos Drummond de Andrade, onde dormia, suas janelas, os ângulos de suas miradas para o pico do Cauê, que terminou desmanchado, infelizmente, pela extração do minério de ferro.
A cada entrada num novo aposento, a cada retrato doído de sua formação na parede, eu recitava baixinho seus versos como uma oração, tentando entender o que ele sentira a partir daquilo que podia enxergar de indícios sentimentais do lugar:
“(…) nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes”.
Entre os corredores do casarão, interrompendo meu cantochão, encontrei seu neto, o artista Pedro Augusto Graña Drummond, que é, assim como eu, filho de dois escritores, o argentino Manuel Graña Etcheverry e Maria Julieta Drummond de Andrade. Lançou-me um olhar açucarado e oceânico, que se afundava ainda mais em ondas pelo uso da boina.
O término do transe mostrou-se providencial.
Talvez assistindo ao quanto caminhava melancólico pelas salas, pois os mensageiros sempre sabem a quem entregar as missivas do destino, Pedro Augusto me descreveu uma conversa emblemática com seu avô.
Quando havia perdido um amigo na juventude, aos 21 anos, e chorava copiosamente, Drummond o consolou dizendo que, a partir daquele momento, ele descobriria o que é o amor verdadeiro.
O neto, então, se defendeu:
– Mas eu já amava o meu amigo.
O poeta de Itabira concordou:
– Já o amava, porém agora vai amar ainda mais. Só a morte possibilita o amor puro, desinteressado, que continua existindo e crescendo sem receber nada em troca.
Era uma verdade. O luto é a maior resistência da afeição. Porque você não tem direito a receber mais nada do outro – nenhum abraço, nenhuma visita, nenhum colo, nenhum favor, nenhum apoio, nenhuma recompensa, simplesmente nada – e segue amando-o infinitamente. É uma sobrevivência emocional feita exclusivamente do ato de dar, do gesto incondicional da oferta, descompromissada de segundas intenções, desvinculada de benefícios diretos, desligada de interesses egoístas.
A saudade anda para a frente, não para trás, como cremos. A gratidão do passado empurra a saudade para o futuro, para acrescentar sensações e impressões à amizade antiga.
Quando o contato é sincero, quando a intimidade é honesta, não se deixa de gostar de alguém após a despedida. A emoção da primeira vez não cessa de renascer.
A perda, portanto, não traz um vazio. Traz tudo, menos um vazio. Você transborda de lembranças. Passa a apresentar uma hipersensibilidade, percebendo os mínimos tremores e arrepios do universo. Não é capaz de escolher o que sentir de tanto que sente, de tanto que está presente por dois.
O luto é isto: uma solidão a dois.
Eu somente consegui me despedir de Itabira porque agora a carrego em mim.