“Se dobrar o número de pessoas nos ônibus, o trânsito piora”. A frase revela um equívoco elementar sobre mobilidade urbana. Belo Horizonte não sofre de excesso de passageiros em ônibus, sofre de excesso de carros e de motos.
Em 2007 a cidade tinha menos de 1 milhão de veículos. Hoje a frota supera 2,5 milhões, com 1,12 carro por habitante (Senatran/IBGE, 2022). O resultado é uma capital sufocada, com congestionamentos crônicos e poluição acima dos limites recomendados. A explosão da frota coincidiu com a derrocada do transporte coletivo: entre 2011 e 2023 o sistema de ônibus perdeu cerca de 40% da demanda mensal, caindo de mais de 40 milhões para menos de 25 milhões de passagens (PBH, 2023). A equação é clara: menos gente no ônibus, mais carros nas ruas.
Antes da pandemia, os ônibus transportavam cerca de 1,2 milhão de passageiros por dia útil (UFMG, 2019). Em 2024 a média mal chega a 970 mil (SetraBH, 2024). Essa queda de 230 mil viajantes diários equivale a centenas de milhares de carros a mais disputando espaço viário. Cada automóvel em Belo Horizonte circula, na prática, com um único ocupante. Dobrar o número de passageiros de ônibus significaria quase 1 milhão de viagens individuais a menos por dia, ou seja, perto de 500 mil carros e motos retirados do tráfego.
A lógica é confirmada por números nacionais: a Associação Nacional de Transportes Públicos calcula que um único ônibus substitui 40 automóveis (ANTP, 2023). Se Belo Horizonte recuperasse o patamar de passageiros de uma década atrás, a redução de veículos particulares seria suficiente para transformar o trânsito.
O apego ao carro não se explica apenas pelo status ou pela propaganda das montadoras. Pesquisa da Serasa mostrou em 2023 que 67% das famílias brasileiras colocam os custos com automóveis entre as três maiores despesas anuais. Mesmo assim, o carro continua a ser preferido porque o ônibus não oferece previsibilidade, conforto nem segurança. Foi o que comprovei na minha dissertação de mestrado em cidades na London School of Economics, intitulada “Getting People into Buses: The Case of Belo Horizonte”. O trabalho mostrou que 70% dos motoristas de carro em Belo Horizonte cogitariam usar ônibus se houvesse tarifa zero, desde que associada a melhorias de qualidade e confiabilidade.
Nos últimos anos, uma inflexão importante começou a ser construída a partir da Câmara Municipal. As mudanças decisivas na forma de remunerar as empresas de ônibus – que passaram a ser pagas também por quilômetro rodado, e não apenas por passageiro – foram orquestradas por uma atuação intensa do meu mandato. Esse ajuste quebrou o incentivo perverso de cortar viagens e superlotar veículos. Pela primeira vez, a cidade incluiu subsídios públicos diretos no sistema e criou novas gratuidades: para estudantes, moradores de vilas e favelas, mulheres em situação de violência, pessoas em tratamento de saúde e em busca de emprego.
O Brasil mostra que a tarifa zero é realidade em expansão. Em maio de 2025, segundo relatório da NTU, 154 cidades já haviam adotado o passe livre, beneficiando mais de 8 milhões de pessoas (NTU, 2025; “Revista Piauí”, 2025). Em outubro de 2023 eram 84 cidades (Agência Brasil, 2023). O crescimento em menos de dois anos mostra a velocidade da transformação.
Mais passageiros nos ônibus não pioram o trânsito. Pelo contrário: é a única forma realista de reduzi-lo. Persistir no raciocínio contrário é condenar a cidade a mais carros, mais gastos, mais acidentes, mais emissões e mais tempo perdido. Belo Horizonte precisa inverter a equação: devolver dignidade ao transporte coletivo, atrair quem migrou para o carro e ocupar o espaço urbano de maneira mais inteligente. Enquanto não se entender essa obviedade, a capital continuará rodando em marcha lenta rumo ao colapso.