Apesar de existir uma obrigação legal de prever reservas econômicas e materiais para enfrentar calamidades naturais, o Estado de Minas, em pleno 2022, não tem qualquer recurso como salvaguarda, pois não preparou contingências para o enfrentamento. A Lei 12.608/2012 e o Decreto Federal 10.593/2020 determinam a responsabilidade, entre outras, do Governo Federal, dos Estados e dos municípios de preparar ação articulada entre esses entes “para redução de desastres e apoio às comunidades atingidas”. E quais apoios são esperados do Estado e como se chegou às promessas de liberação?
É claro que o compartilhamento das ações prevê responsabilidade solidária e articulada das três esferas executivas. Não bastasse a lei, o dever moral e ético ante gravíssimas perdas à população e à infraestrutura, com milhares de interrupções de vias públicas (inclusive das principais artérias de trânsito nacional, como BRs 262, 040 e 381) e inundações de bairros, impõe a realização de reparos com a máxima urgência. Até porque os danos econômicos da população se somam à perda de arrecadação de tributos para os erários, especialmente do Estado.
O governo de Minas tem muita dificuldade em enxergar seu dever, e só depois de muita pressão, constrangedora para quem a exerce, é que se convence que não dar nada é um absurdo. De regra, é a Assembleia – mais precisamente seu presidente, Agostinho Patrus – que dá o apito, e o governo se curva.
Pois bem. No sábado (8.1), o governador convocou os prefeitos de centenas de cidades para uma reunião presencial, na segunda-feira (10.1), no Palácio Tiradentes. Prefeitos alegaram impossibilidades de presença em face das interrupções de estradas (e da ausência de helicópteros), e disso a reunião passou a ter também a modalidade virtual. No domingo, várias mensagens pediram para antecipar a mobilização às 10h. Na segunda-feira, os prefeitos já reunidos presencialmente e virtualmente reclamaram do atraso da reunião, que às 11h08, enfim, teve início com a chegada do governador e dos secretários.
Falaram, sem quaisquer serventias, vários representantes do governo, em seguida a Ilce Rocha, prefeita de Vespasiano e presidente da Granbel, entidade que une cerca de 58 municípios da região metropolitana de BH. Ela teceu elogios ao governador, tratando-o de estadista e reiterando a confiança nele, sem apresentar qualquer demanda. Foi escalado outro prefeito, que repetiu a performance da presidente da Granbel e não pediu nada – nem qualquer explicação. Em seguida, pegou a palavra o próprio governador, que reiterou estar atento e que cobraria do governo federal recursos.
Às 11h57, o governador, que convocou cerca de “200 prefeitos para ouvi-los”, levantou-se e deixou a sala, sem mais voltar a ela, exatos 49 minutos após ter iniciado a reunião, no Palácio dele, com 68 minutos de atraso. Tratando-se talvez da reunião mais dramática e necessária de todo seu mandato, é de se estranhar ele deixar de ouvir todos os demais prefeitos convocados por ele.
A reunião se estendeu por mais uma hora e dez minutos depois da saída do governador. Apenas a vice-prefeita de Betim, Cleusa Lara, fez notar que o Estado não havia se comprometido a nada. No final, eu, como prefeito de Betim, presente virtualmente, saí estarrecido com a reunião, que não deu resposta nem especificou o volume previsto de ajudas. Apenas cestas básicas por R$ 1,2 milhão, irrisórias ante a maior calamidade dos últimos 30 anos. Lamentei a ausência do governador na maior parte da reunião e também as palavras do diretor geral do DER, que afirmou que, “depois de levantados os problemas, elaborará edital para execução de obras de reparo”, enquanto as principais ligações rodoviárias para São Paulo, Rio, Norte e Espírito Santo estão interrompidas ou destruídas gravemente, prejudicando a economia do Estado e até do país. Não existe nenhum plano na gaveta do Estado, mas sobra despreparo dos escalados, e a Secretaria de Obras (Seinfra) está nas mãos de advogados (que entendem de concessões rodoviárias com pedágio dez vezes maior que o da Fernão Dias).
Apenas na parte da tarde, o governador acenou liberação de R$ 40 milhões, dos R$ 48,6 milhões repassados pela União, a título emergencial. Ficou claro que o Estado, diante do maior desastre, não tinha quaisquer recursos provisionados para enfrentar calamidades ou qualquer plano de ação para tirar rapidamente o Estado da paralisia, apesar de ser sua obrigação preparar planos, e ainda não fazia aceno a qualquer rito emergencial, obrigatório em calamidades.
Também dessa forma aguardam ajuda os municípios do Vale do Mucuri e do Norte de Minas, atingidos em dezembro pelas mais intensas chuvas de sua história. A destruição das ligações viárias é muito grave, e até hoje eles não tiveram respostas com ações financeiras do Estado, que se limitou a anunciar: “Para agilizar ações de resposta, restabelecimento, recuperação e reconstrução, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) auxilia as prefeituras no preenchimento da documentação exigida para acesso aos recursos da União”.
Para o Estado, o problema é da União, a qual não pagou, nos últimos três anos, qualquer recurso que devia. Minas, nesse período, aumentou sua dívida de R$ 110 bilhões para R$ 149 bilhões, num ritmo de R$ 13 bilhões de déficit público ao ano.
Nisso os municípios de pior IDH do Estado, atingidos pela tragédia sem precedentes, ficam a esperar a União. Milhares de moradias inundadas, destruição de pontes, rodovias e vias vicinais, economias arrasadas como nunca aconteceu. O Estado de Minas defende a terceirização da responsabilidade direta e inalienável que tem. Arranjem-se, municípios e União!
O jornal O TEMPO publicou, na terça-feira, um estudo comparando a reação às calamidades por chuvas dos governos dos Estados da Bahia e de Minas. A Bahia empenhou R$ 390 milhões em recursos financeiros, e Minas, R$ 1,2 milhões em alimentos.
A posição do Estado foi irremovível, até sexta-feira, em não aportar recursos aos municípios. Na quarta, a Assembleia Legislativa anunciou a proposta de elaborar lei para deixar compulsório um fundo de R$ 500 milhões para atendimentos de calamidades – fundo este que, segundo as leis, já deveria estar previsto.
Pois é. Na sexta, o governo voltou atrás e anunciou, enfim, que investirá R$ 560 milhões de recursos próprios para as calamidades deste ano, incluindo 223 municípios do Norte e da região Central. Outra dificuldade, entretanto, desponta no caminho, porque receber dinheiro do Estado tem sido, no atual governo, um esforço hercúleo e, na maioria dos casos, inútil.
O Estado não deve só à União, mas aos municípios – especialmente ICMS (caso único no Brasil), fundo de saúde, mesmo com pandemias, IPVA e Fundeb (da educação).
Na realidade, nota-se muita dificuldade do governo atual em entender seu papel e seus deveres, atuando mais como um “duro para pagar suas obrigações constitucionais”, apesar de cobrar uma das maiores cargas tributárias do país.