Os estudos dos impactos às reservas naturais, biodiversidade, nascentes hídricas já se encontram consagrados nas normas em vigor para licenciamento de obras, construções, plantio de lavouras, aberturas de rodovias, linhas de transmissão e muito mais. 

A bem da verdade, esses estudos e “condicionantes de licenciamento”, em alguns casos, no Brasil, conseguem ultrapassar em artificialismo (e dispensabilidade) as vigentes pelo mundo civilizado afora. 

A lógica liberalista considera: ingerência de quem não produz nos projetos de quem pretende produzir. A lógica política comum: gerar mais uma fonte de poder e de receitas. A lógica inconfessável: gerar burocracia para ganhos indevidos ou propinas. Isso, entretanto, não aflora nos debates públicos, pois gera constrangimentos a todas as partes. A luta se dá nos porões, com golpes de verdadeiros especialistas em técnicas infernais, mais que marciais. 

Não é incorreto exigir medidas preservacionistas (ou compensatórias onde se façam necessárias para atingir um fim correto), impõe-se como um dever de todos e um respeito à coletividade, embora, num país que precise tirar da miséria um terço da sua população, a demora implique a manutenção do sofrimento humano. 

“Ecologia” é a ciência que estuda as relações estabelecidas entre os seres vivos e destes com o meio ambiente em que vivem. O homem é o principal ser vivo a ser considerado, e os impactos, quaisquer que sejam, precisam considerar, além da sustentabilidade, as condições de alimentação, de saúde, de sustento, de geração de empregos, aumento da receita pública decorrentes das atividades pretendidas. Algumas delas irrenunciáveis para garantir o equilíbrio e a paz social. O negacionismo obtuso atrapalha sempre a melhor escolha, aquela que dá “a César o que é de César e a Deus o que é dEle”. O conflito, a exacerbação ocultam a incapacidade da escolha equilibrada. 

Não é preciso virar as costas ao meio ambiente, como fizeram algumas potências econômicas para elevar a qualquer custo sua produção e renda per capita. Entretanto, a urgência em melhorar as condições de vida que dependem das de ordem econômica deve correr sobre dois trilhos e juntas. 

O Brasil tem um papel-chave para a humanidade inteira, na necessidade do sequestro de CO2, de biodiversidade, contudo não pode essa missão ser pretexto para penalizar o anseio da nação e traiçoeiramente facilitar finalidades inconfessáveis e prevaricações que ocorrem em volta desse desafio. 

Fomentar atividades que gerem oportunidades é a principal meta chinesa; no Brasil, a principal é manter o poder e usar atalhos e complicações. 

O longo preâmbulo justifica as anotações e análise sobre o projeto do Rodoanel da RMBH, defendido com ímpeto pelo Estado de Minas Gerais. 

As ações do governo de Minas testam a capacidade de resistência dos municípios em aceitar o que se apresenta como grave prejuízo não só para os municípios, mas até para o próprio Estado, com reflexos para toda a população de Minas, concomitantemente aos ganhos imerecidos de empreiteiras (sempre as mesmas que deixaram crateras nos erários). 

As falhas em síntese: 

- Admissibilidade para um projeto de Anel Viário ou Rodoanel da RMBH que passa por dentro, e não por fora de regiões urbanas consolidadas, dividindo-as. Se é anel, precisa tangenciar as áreas densamente povoadas, e não as cortar. 

- Interferência em milhares de quilômetros de redes de drenagem, de esgotamento sanitário, de distribuição de água, de energia, de fibra ótica, de acessibilidade às escolas, à saúde, às rotas de transporte coletivo, à mobilidade urbana (ampliando em vários quilômetros os percursos e o tempo de viagem, os gastos com combustíveis, emissões de CO2). 

- Desvalorização e prejuízos econômicos aos empreendimentos existentes. Demolição de milhares de residências, êxodo de milhares de famílias que construíram seus lares. 

- Aumento de ruídos pelo trânsito incessante de veículos pesados em alta velocidade no meio de áreas densamente povoadas. 

- Cobrança de pedágio que resultará em privações da população para transitar numa via, construída integralmente com recursos indenizatórios decorrentes da tragédia de Brumadinho. 

- Ausência da função de interceptar os veículos provenientes das BRs 381, 262 e 040 antes da entrada na zona povoada e urbanizada, que será trajeto, dessa forma, obrigatório de milhões de veículos a cada mês, impactando a mobilidade do sistema viário municipal. 

Ainda se faz imperioso lembrar as ausências de: 

- Estudos, e de sua divulgação, de impactos na rede viária metropolitana que não receberá benefício algum e terá aumento de complexidade em vias já precarizadas. 

- Demonstrações dos impactos sociais e humanos, legalmente obrigatórias, cuja ausência representa a desinformação e falta de transparência no maior projeto de infraestrutura de Minas Gerais. 

- Considerar o pedágio como irrenunciável à execução do projeto, enquanto a obra é coberta totalmente, dentro da correta valoração, por recursos indenizatórios da Vale. 

- Prever aporte de recursos públicos adicionais de R$ 2 bilhões – injustificados em relação aos valores legalmente vigentes. 

- Explicação das perdas econômicas de investimentos já consolidados, que serão destruídos ou alterados, perdendo-se ainda a possibilidade de áreas de desenvolvimento, reordenação habitacional e medidas de melhorias da mobilidade na RMBH. 

- Execução de duas em cada três transposições por viadutos e trincheiras que, caso executadas sucessivamente, serão suportadas pelo erário, cerca de R$ 1,4 bilhão. 

- Valores corretos nos gastos de implantação da iluminação da via que resulta superior ao que se adota em casos análogos. 

- Terceira pista pavimentada, já que no projeto são limitadas apenas a duas pistas de cada lado, iniciando-se insuficiente. 

- Estudo de volume de veículos que permanecerão transitando pelas vias municipais com transtornos e impacto na mobilidade e nos gastos municipais. 

A proposta do Estado é absurdamente negativa sobre a qualidade de vida, as perdas econômicas e a possibilidade de ampliar o desenvolvimento. Mais ainda inexplicável em relação ao meio ambiente a proposta de cortar em 13 km a Área de Preservação Ambiental da Várzea das Flores, em Contagem – desnecessária e colocando em risco o abastecimento, já problemático, de água na região. 

Espera-se que o governo ouça com atenção a voz dos municípios, e não a das sereias.