A digitalização avança sobre o setor de alimentação e redefine a forma como restaurantes, bares e eventos se relacionam com seus clientes. De pedidos automatizados à criação de super apps com moeda própria, a tecnologia deixou de ser um suporte operacional e passou a ser o centro da estratégia de empresas do ramo.

O caso do Grupo Rão, rede de franquias de alimentação com mais de 100 unidades, ilustra como a busca por autonomia tecnológica se tornou uma diretriz estratégica. A empresa decidiu abandonar soluções terceirizadas e passou a desenvolver internamente seus sistemas — decisão que, segundo a head de tecnologia, Juliana Cicereli, mudou a lógica do negócio.

“Hoje, temos nosso próprio aplicativo, o Mundo Rão, que funciona como um iFood exclusivo das marcas do grupo. Também desenvolvemos internamente sistemas de controle de estoque e gestão financeira”, afirma Juliana.

Grupo Rão aposta em IA e moeda digital

A aposta em tecnologia própria tem como objetivo oferecer uma experiência de atendimento mais integrada. O cliente pode interagir com a marca por meio do app, WhatsApp, telefone ou chatbot com inteligência artificial. Essa IA, segundo Juliana, já realiza o atendimento inicial e ajuda a direcionar demandas com mais precisão. “Estamos treinando a IA para entender padrões de dúvidas e gerar insights para melhorar nossos serviços. E nas redes sociais, o primeiro contato com o cliente já é automatizado”, explica.

O plano da empresa vai além do delivery. A proposta é transformar o Mundo Rão em um super aplicativo com funcionalidades que incluem tokenização, moeda digital e uso de NFTs. “Queremos criar uma moeda própria, oferecer cashback com tokenização e desenvolver uma comunidade com NFTs e benefícios exclusivos via blockchain. O cliente vai viver uma experiência com a marca, como se criasse uma civilização dentro do app”, resume a executiva.

iTicket foca na experiência do cliente

A iTicket, por outro lado, nasceu com foco em eventos e encontrou no setor de bares e restaurantes um campo fértil para escalar sua tecnologia. A fintech permite que o cliente faça o pedido e o pagamento pelo celular, sem depender de um garçom. Para Alexandre Linhares, cofundador da empresa, a solução resolve uma dor comum no setor.

“A iTicket nasceu como uma solução para eventos, mas vimos que bares e restaurantes têm uma dor constante com filas, atendimento demorado e gestão de pedidos”, afirma. “Poderíamos ajudar a otimizar o consumo e a diminuir custos excessivos de mão de obra”.

Durante o Carnaval, a startup foi testada na pizzaria Forno da Saudade, em Belo Horizonte. Segundo Linhares, o sistema funcionou mesmo com alto volume de acessos. “O app funcionou sem travar, mesmo com um volume altíssimo de pessoas. Foi a primeira vez que rodamos em um evento tão cheio, e ver tudo funcionando nos deu segurança para escalar para novos clientes.”

A empresa também está desenvolvendo novas funcionalidades, como um modelo de pagamento pós-pago e melhorias na experiência do usuário. A expansão é gradual. “Pagamentos envolvem muita responsabilidade, então estamos validando cada etapa com atenção”, diz Linhares.

Dados orientam decisões estratégicas

Embora tenham perfis distintos, Grupo Rão e iTicket seguem a mesma tendência: utilizar a tecnologia como ferramenta para aumentar a eficiência operacional e aprimorar a relação com os consumidores. Nos bastidores, essa digitalização vai além da interface com o cliente. As empresas constroem sistemas próprios que sustentam decisões baseadas em dados.

No Grupo Rão, a coleta e análise de informações orientam ajustes no atendimento, inovações no cardápio e estratégias de comunicação. “Cada solução criada vira um ativo do grupo”, afirma Juliana Cicereli, head de tecnologia. A integração entre os sistemas permite maior controle das operações e acompanhamento em tempo real do desempenho das unidades.

A inteligência artificial também desempenha papel central, identificando padrões de dúvidas, agilizando respostas e oferecendo insights para melhorias contínuas. Essa estrutura torna a operação mais eficiente e responsiva às demandas dos consumidores.

Na iTicket, todos os pedidos, pagamentos e interações são registrados. A análise desses dados permite entender o comportamento dos usuários, otimizar a usabilidade do aplicativo e fornecer aos estabelecimentos um panorama detalhado da operação, com oportunidades de ajustes e crescimento.

Tecnologia permite expansão

Por outro lado, a tecnologia também abre caminho para novas frentes de atuação. No Grupo Rão, isso inclui um olhar para o espaço físico. Embora a maioria das unidades funcione no modelo de dark kitchen (exclusivo para delivery), a rede estuda uma reaproximação do atendimento presencial. “Acreditamos que é o momento do cliente viver também a experiência do salão. Estamos testando unidades com totens de autoatendimento e cardápio digital, mas mantendo a autonomia que sempre oferecemos por meio da tecnologia”, afirma Juliana.

Enquanto isso, startups como a iTicket veem em cidades como Belo Horizonte um ambiente ideal para crescer. “BH é o lugar ideal para começar: é uma das cidades com maior número de bares per capita no mundo. A conexão com a cena local é algo muito forte pra gente”, conta Linhares.

No centro desse movimento está a redefinição do que significa ser uma empresa do setor de alimentação. Como resume Juliana Cicereli, “o Grupo Rão deixa de ser apenas uma rede de restaurantes para se posicionar como uma empresa de tecnologia que, por acaso, vende comida”.