Prefeituras mineiras que têm recorrido ao próprio caixa para custear serviços que deveriam ser pagos pelo Estado ou pelo governo federal denunciam o agravamento do problema, que corrói os Orçamentos municipais e, segundo gestores, já coloca em risco a manutenção de serviços essenciais de saúde, educação e segurança.
Em movimento para tentar forçar a regularização de repasses estaduais e federais, a Associação Mineira de Municípios (AMM) firmou, neste mês, um termo de cooperação com o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG) para mapear qual é a real sobrecarga financeira das prefeituras.
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Até o último levantamento sobre o tema, feito em 2017 pela Confederação Nacional dos Municípios, prefeituras no país gastavam, em média, 5,2% do Orçamento da cidade para cobrir obrigações de outros entes federativos.
A AMM estima, porém, é que a situação pode ter piorado desde então. Presidente da entidade e prefeito de Patos de Minas, no Alto Paranaíba, Luís Eduardo Falcão lista algumas situações que as gestões municipais têm enfrentado. “Temos gastos com (a manutenção da estrutura para) a Polícia Militar, com o Corpo de Bombeiros, o Tribunal de Justiça, com a cessão de funcionários para vários órgãos”, pontua. “Como os municípios têm pouco mais de 10% de tudo que o brasileiro paga de impostos, o Estado fica com mais de 20% e a União com cerca de 70%, a gente verifica uma inversão de responsabilidades”, avalia Falcão.
Situação insustentável
Embora o problema não seja novo, prefeitos e especialistas em administração pública ouvidos por O TEMPO afirmam que a situação está se tornando insustentável. Falcão aponta, por exemplo, que as despesas dos municípios cresceram 11% no último ano, contra o aumento de 10% na arrecadação. “Tem município sem dinheiro para fazer calçada. Não dá para arcar com mais obrigações”, destaca.
Especialista em direito público, o advogado Paulo Henrique Studart explica que, geralmente, os gastos com obrigações do governo federal ou estadual acontecem graças a convênios e acordos de cooperação entre os entes, que são mal elaborados ou que não são acompanhados dos repasses prometidos. “Isso faz com que os municípios se vejam obrigados a cobrir essas despesas com recursos próprios, sacrificando o investimento que a prefeitura deveria fazer, por exemplo, na manutenção de cidade ou no aprimoramento de serviços públicos”, afirma.
Manutenção prejudicada
Economista da AMM, Angélica Ferreti explica que há lacunas em convênios que chegam a prejudicar, por exemplo, a manutenção básica de órgãos estaduais em funcionamento. “Em uma delegacia de cidade do interior, às vezes falta papel higiênico, sabão, falta material de limpeza. Nesses casos, o prefeito é que vai fornecer, porque, para o delegado atender no município, ele precisa ter estrutura. O Estado, que tem mais condições, não fornece”, denuncia a especialista.
Chefe do Executivo de Iguatama, cidade do Centro-Oeste com 6.826 habitantes, Lucas Vieira (Avante) confirma que a situação pressiona ainda mais as finanças locais. “A gente está com a corda no pescoço. O Estado e o governo federal sempre jogam obrigações nas nossas costas, com mais despesas, mas não arcam com o que é obrigação deles. Estamos chegando no momento que será preciso parar serviços”, alerta o prefeito.
Gastos ameaçam metas fiscais
O desembolso de recursos municipais para cobrir despesas que são de responsabilidade Estado ou do governo federal também prejudica o desempenho das prefeituras em relação às metas fiscais. “Isso pode gerar, em razão do impacto financeiro, uma repercussão no cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), levando municípios a elevar os índices de gasto com pessoal ou comprometendo a capacidade de investimento”, explica o advogado Paulo Henrique Studart.
Em Diamantina (Jequitinhonha), por exemplo, o prefeito Geferson Burgarelli (PSB) relata “emprestar” servidores para órgãos de outras esferas para que serviços não deixem de funcionar. “Temos convênio com as polícias Militar e Civil, Emater, Ministério Público, Tribunal de Justiça. Cedemos funcionários para todas as instituições e ficamos com carência de funcionários. Agora, não temos legalidade para contratar, sob risco de descumprir a LRF”, relata, ao lembrar o limite de gasto com pessoal, que é de 60% da receita corrente líquida.
O prefeito de Divinópolis, Gleidson Azevedo (Novo), concorda. “Nossa arrecadação fica praticamente toda para pagar a folha. Não podemos ter mais despesas que nem são responsabilidade nossa”, complementa.
Cidades menores têm até 10% do Orçamento comprometido
Municípios com até 10 mil habitantes – o que representa 44% das cidades do país – são os que comprometem um maior percentual de recursos próprios para pagar a conta das obrigações de terceiros, aponta a Associação Mineira de Municípios. Segundo dados da entidade, sinalizados também em pesquisa da Confederação Nacional de Municípios, de 2017, cerca de 10% do Orçamento dessas prefeituras é direcionado para bancar gastos de outros entes.
A economista Angélica Ferreti explica que o impacto é maior nessas cidades, inclusive pela característica dos territórios. “Uma cidade com grande extensão rural gasta muito com transporte escolar, por exemplo. Tem um convênio com o Estado, que fornece ônibus para alunos da escola estadual, mas o gasto com quilometragem, pago pela prefeitura, às vezes é maior que o previsto no convênio, que segue um padrão”, diz.
OUTRO LADO
Governo federal
O TEMPO procurou as secretarias de Relações Institucionais e do Tesouro Nacional, mas até a publicação desta reportagem os órgãos não tinham se posicionado sobre as queixas dos municípios.
Estado
A Secretaria de Fazenda foi questionada sobre as reclamações de gastos das prefeituras com convênios, funcionários e manutenção de órgãos estaduais. Em nota, a pasta informou que só responderia mediante indicação objetiva dos referidos convênios.