A 5ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG) decidiu, por unanimidade, suspender preventivamente dois advogados mineiros investigados pelos crimes de estelionato, patrocínio infiel (trair a confiança do cliente) e lavagem de dinheiro praticados em um esquema de fraude processual contra a Sempre Editora. Na prática, a medida cautelar impede que os profissionais representem clientes, atuem em audiências, assinem peças processuais ou exerçam qualquer atividade da advocacia pelo prazo de 90 dias. Os suspeitos podem recorrer da decisão. 

O caso que motivou a suspensão preventiva dos advogados foi alvo de denúncia encaminhada à Justiça pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) no início deste mês. A investigação aponta que a dupla teria agido de maneira coordenada contra a Sempre Editora ao manipular ações trabalhistas com pedidos de equiparação salarial “sabidamente descabidos” para, depois, dividirem os honorários. A estimativa é que a fraude poderia ter gerado prejuízo de R$ 18,3 milhões (em valores atualizados) se as sentenças não tivessem sido suspensas por ordem judicial.

A denúncia é baseada no inquérito da Polícia Civil concluído no fim de maio. O relatório indica que os advogados teriam fraudado ao menos sete processos trabalhistas entre 2016 e 2019. Um dos acusados é Marcos Antônio de Jesus, que atuava como advogado da Sempre Editora. Ele teria agido em conluio com seu amigo Marcelo da Costa e Silva, que, por sua vez, representava ex-funcionários do grupo dispostos a acionar a Justiça por algum tipo de queixa trabalhista. 


Conforme o documento, o modus operandi dos denunciados era sempre o mesmo: ao ajuizar ações em nome de algum ex-funcionário da empresa, Marcelo convencia o cliente a incluir entre as solicitações pedidos de equiparação salarial com trabalhadores cuja remuneração era muito superior à dos requerentes. Como advogado da Sempre Editora, Marcos Antônio, por sua vez, deixava de contestar o pedido de equiparação salarial, levando a Justiça do Trabalho a interpretar, erroneamente, que a empresa estava concordando com aquela solicitação. 

Para o Ministério Público, as evidências coletadas pela Polícia Civil não deixam dúvida de que os dois advogados cometeram sete vezes os crimes de estelionato, patrocínio infiel e lavagem de dinheiro contra a empresa. No caso de Marcos Antônio, ainda há o indiciamento pelo crime de falsidade ideológica, já que ele teria usado a assinatura digital do escritório de advocacia ao qual era vinculado para incluir um documento falso sobre um dos processos no sistema do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-3). 

Ao justificar seu voto pela suspensão preventiva de Marcos Antônio e Marcelo, em julgamento no último dia 16, o relator do caso na 5ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-MG, Sérgio Jacob Braga, considerou existirem “indícios de prática de infração disciplinar grave”, com “repercussão prejudicial à dignidade da advocacia”. O conselheiro ressaltou que a entidade “está atenta para os possíveis desvios e atitudes de advogados que não se coadunam com a postura ética” e avaliou que “as provas dos autos revelam que a repercussão da conduta dos representados no exercício da profissão está se refletindo grave e prejudicialmente na imagem e dignidade da advocacia”. 

Por meio de nota, a OAB-MG esclareceu que, como a decisão é passível de recurso, "a penalidade poderá ser mantida, ampliada ou reduzida, a depender do entendimento do Tribunal de Ética e Disciplina, respeitada a ampla defesa e o contraditório".

Fraude inflava indenizações trabalhistas

Documentos anexados à denúncia do Ministério Público revelam como os pedidos indevidos de equiparação salarial teriam inflado os valores das sentenças proferidas em favor dos ex-funcionários. Em apenas uma delas, por exemplo, a indenização determinada pela Justiça foi de R$ 5,2 milhões. Em outro caso, foi definido o pagamento de cerca de R$ 3,5 milhões a um ex-funcionário. Entretanto, cálculos apresentados nos autos revelam que, se desconsiderada a equiparação salarial, o valor da sentença deveria cair para cerca de R$ 186 mil. 

O inquérito da Polícia Civil também revelou que os honorários advocatícios cobrados por Marcelo da Costa e Silva aos clientes que acionaram a Sempre Editora na Justiça chegavam a 40%. O percentual é o dobro do valor recomendado pela Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG) – 20%. Isso significa que em uma sentença fixada em R$ 1 milhão, por exemplo, o advogado embolsaria R$ 400 mil, enquanto o adequado seria que ele recebesse algo em torno de R$ 200 mil. 

 

Mãe de suspeito seria usada como 'laranja'

As investigações encontraram indícios de que a dupla teria usado a conta bancária da mãe de um deles para movimentar cerca de R$ 118 mil obtidos ilicitamente com o esquema contra a Sempre Editora. 

A quebra do sigilo bancário dos suspeitos revelou que a mãe de Marcos Antônio de Jesus, então advogado da Sempre Editora, teria sido usada como laranja. Ela recebeu em sua conta vários depósitos feitos por Marcelo da Costa e Silva. Segundo a denúncia do MPMG, o envio do dinheiro ocorria “sem causa lícita aparente” e, “em verdade, se destinava ao denunciado Marcos Antônio”. Para o órgão, as provas “evidenciaram a estruturação de rede de ocultação patrimonial típica do crime de lavagem de dinheiro”.