O candidato a vereador nas eleições municipais de 2024 pelo PL Victor Lucchesi, 5º suplente do partido em Belo Horizonte, fez um acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para não responder a uma ação por calúnia e difamação. No segundo turno das eleições, quando Fuad (PSD) disputava a prefeitura com seu correligionário Bruno Engler (PL), o suplente publicou um vídeo em sua conta no Instagram sugerindo que Fuad aprovaria - ou não condenaria - práticas sexuais envolvendo crianças. Após a morte do prefeito, a família seguiu com o processo. 

Com o acordo, que permite ao investigado evitar o processo penal desde que confesse o crime e cumpra condições previamente acordadas com o Ministério Público, Lucchesi teve que abrir mão de se candidatar nas eleições do ano que vem, além de publicar um vídeo na sua conta na rede social reconhecendo que transmitiu desinformação em relação à pessoa de Fuad e prejudicou a integridade do processo eleitoral e a honra e a imagem do candidato. A desinformação foi feita com base em trechos do livro “Cobiça”, de autoria do prefeito.

“Reconheço que a publicação feita em meu perfil na rede social Instagram durante o período da campanha para o segundo turno das eleições municipais 2024, ao descontextualizar trechos da obra literária de ficção intitulada ‘Cobiça’, de autoria do senhor Fuad Jorge Noman Filho, transmitiu desinformação em relação ao conteúdo da obra e a pessoa do então candidato Fuad Noman. Tal publicação acabou por prejudicar a integridade do processo eleitoral, bem como a honra e a imagem do referido candidato”, disse no vídeo, publicado na terça-feira (1º). 

Ele também terá que pagar R$ 31 mil em favor de entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo competente para homologação do acordo, depois que a família afirmou não ter interesse em receber valores a título de reparação dos danos. O advogado da família, Igor Oliveira, elogiou a atuação do MP em buscar a retratação formal do agressor e o ressarcimento do valor: “O jogo político não pode ser palco para agressões gratuitas, declarações difamatórias ou caluniosas. Que o acordo sirva de exemplo. A justiça foi feita”, avaliou. 

Nikolas, Engler e outros políticos do campo propagaram narrativa contra Fuad 

Autor de três livros - “Marcas do Passado”, de 2022, “Cobiça”, de 2020, e “O Amargo e o Doce”, de 2017 - o ex-prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), que morreu no final de março, foi alvo de ataques na reta final da campanha de 2024 devido à obra “Cobiça”.

Seu adversário Bruno Engler usou a obra para atacá-lo pela primeira vez em 21 de outubro, quando os candidatos se encontraram em uma agenda organizada pela Igreja Batista Getsêmani, no bairro Dona Clara, região da Pampulha. O deputado estadual tratou o romance como “absolutamente perturbador” e “pornográfico” por narrar o estupro de uma criança.. Fuad, então, ironizou o adversário, dizendo que, se fossem discutir literatura, deveriam chamar “Nelson Rodrigues, Bocage e Jorge Amado”. 

Em entrevista a O TEMPO no mesmo dia, Engler levou o livro, leu um trecho e voltou a criticar o adversário. “O prefeito já disse que se trata de uma ficção, que não tem nada a ver, mas como, em um contexto de um livro erótico, alguém consegue imaginar um estupro coletivo de uma criança de 12 anos?”, insistiu o deputado estadual, pouco antes de ir para o encontro na Getsêmani onde encontraria Fuad. 

No dia seguinte, também em entrevista a O TEMPO, foi a vez do deputado federal Nikolas Ferreira (PL) utilizar a obra para atacar o prefeito. “Se esse livro tivesse sido escrito por Jair Bolsonaro, esquece. Terceira guerra mundial. Iam colocar ele como um pedófilo, ‘o que esse velho está pensando no seu tempo livre, escrevendo um livro que fala sobre o estupro de uma criança de 12 anos’, ‘o que se passa na cabeça de Jair Bolsonaro?’”, questionou Nikolas, que também publicou um vídeo para seus mais de 17 milhões de seguidores com os ataques, seguido pela deputada estadual Chiara Biondini (PP) e outras figuras do mesmo campo político. 

Naquele mesmo dia, as insinuações foram levadas ao horário eleitoral gratuito, mas pela candidata a vice-prefeita de Engler, Coronel Cláudia (PL), em uma inserção. “Na página 159, Fuad descreve o estupro coletivo de uma criança de 12 anos. Eu não vou nem ler o que está escrito, pois é muito pesado e pode ter crianças ouvindo. Ele se defende dizendo que é uma ficção. Mas como alguém pode sequer pensar no estupro de uma criança?”, reiterou a então candidata a vice. 

Em entrevista a O TEMPO após as eleições, Fuad ressaltou que tentaram “criar um escândalo” em sua vida com base na escrita do livro. “Em primeiro lugar, fizeram uma tentativa de criar um escândalo na minha vida. Vasculharam a minha vida inteira, não acharam nada. Acabaram me dando um certificado de bons antecedentes”, avaliou. 

Ele afirmou que o livro foi descontextualizado durante a campanha por seu oponente. “Não tem nada do que eles falaram, mas rede social e fake news, você sabe como é, um rastilho que cresce. Cresceu muito. Logicamente que me incomodou, logicamente que as pessoas não sabem separar um livro, uma ficção, um romance de uma vida real. O livro não quer dizer que é uma realidade, é uma história, é até uma denúncia que um risco que uma criança de 12 anos sofre por vingança às vezes por maltrate de padrasto, por pessoas que cuidam dela. Eu diria para você o seguinte: acabou vendendo mais livro, está esgotado”, completou na época.