A mobilização em torno do Acampamento Terra Livre (ATL), que em seu 18º ano reuniu mais de 7 mil indígenas na região central de Brasília (DF), se encerrou na noite da quinta-feira (14).
Como saldo, houve protestos em frente ao Congresso Nacional, lançamento de pré-candidaturas indígenas, protagonizadas pelas mulheres, e participação do ex-presidente e pré-candidato ao Planalto Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Um desses protestos ocorreu já no terceiro dia do ATL, que começou no dia 3 de abril. Aproximadamente 6 mil indígenas, representando 200 diferentes povos de todos os cantos do país, caminharam até o Congresso Nacional para reivindicar a demarcação de terras e pela formação de uma bancada indígena nas eleições deste ano.
O outro ato ocorreu na quarta-feira (13), reunindo indígenas, artistas, políticos e apoiadores na Esplanada dos Ministérios. Estava prevista uma apresentação de luzes com drones chamada de “A Queda do Céu”, em referência ao clássico livro da liderança Yanomami Davi Kopenawa. Porém a atividade foi cancelada devido à chuva.
As reivindicações nesse ato reforçaram a demarcação de territórios e foram feitas críticas ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de estimular a ação de garimpeiros, grileiros e invasores das terras dos povos originários.
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A visita de Lula e a promessa de um ministério
A última terça-feira (12) foi um dos dias que teve maior movimentação no acampamento. A presença do ex-presidente Lula (PT) atraiu grande parte da imprensa para saber o que o presidenciável pretende fazer dentro da agenda indígena, caso seja eleito.
Em outra frente importante, debates que vêm sendo travados ao longo dos anos, parecem ter sido consolidados. As delegações apresentaram as reivindicações e falaram sobre as expectativas com os políticos em um novo governo. Primeiro de tudo, querem aumentar a representatividade efetiva no Congresso, ocupando cargos na Câmara dos Deputados e no Senado.
Entre as cobranças dos indígenas está o "comprometimento e garantia de recursos suficientes para a identificação, delimitação, declaração, demarcação e homologação imediata de todas as terras indígenas até o final de 2026".
“Queremos que o próximo governo retome a política de demarcação territorial. Queremos uma secretaria de saúde indígena estruturada. Queremos a continuidade dos nossos jovens na universidade”, elencou a pré-candidata a deputada federal, Sonia Guajajara (Psol-SP).
Nilton Terena, de 58 anos, participa do acampamento desde seu início, há 18 anos. Ele explica que o objetivo da união é fazer com que eles “saiam da invisibilidade, principalmente nos territórios indígenas”.
“Seja no governo atual, seja no próximo governo, a gente tem a esperança de que possa dar certo. De que a gente possa concretizar os nossos sonhos, porque a nossa geração já está ficando para trás, esquecida. E essa nova [geração] está dando o apoio, impulso, a força, mas o objetivo acaba sendo o mesmo: de muita luta, muita resistência nos nossos territórios que, aos poucos, estamos recuperando. Falta muita coisa ainda”, diz Nilton, que fica no pantanal sul-matogrossense.
Lula, que mais ouviu do que falou, saiu com a promessa de criar um ministério para tratar questões indígenas. A ideia é que a pasta seja representativa, não só para gerenciar demandas e recursos de acordo com as necessidades dos indígenas, mas também sendo encabeçada por um um representante dos povos originários.
Indígenas se lançam na política
Com o mote “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”, o evento marcou também a reunião de pré-candidatos indígenas. Na terça-feira, aproveitando a visibilidade alavancada por Lula, foram lançadas pelo menos 30 pré-candidaturas, das quais 17 são mulheres, pelos partidos PT, Psol, PCdoB, PSB, Rede, PDT e PCB. As informações são da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizadora do ATL.
Além da Apib, membros do Parlamento Indígena do Brasil (ParlaÍndio) também fizeram parte da mobilização em Brasília e lançaram pré-candidatos e candidatas.
Uma delas é Telma Taurepang, pré-candidata a deputada federal pelo PSD de Roraima, que conversou com a reportagem de O TEMPO por telefone. Ela estava na Terra Indígena Serra Tepequem, localizada no município roraimense de Amajari.
Indígenas querem "aldear" os legislativos
O ATL buscou mobilizar para a ampliação da participação dos indígenas na política, com foco na Câmara dos Deputados e legislativos estaduais.
A intenção é aumentar a bancada que, em nível nacional, ainda conta com apenas uma representante: a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), que está concluindo seu primeiro mandato e vai tentar a reeleição.
Kerexu Yxapyry, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) e da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) também é uma dessas pré-candidatas ao parlamento federal por Santa Catarina.
"Decidi me lançar candidata para dar mais visibilidade para a nossa luta. Eu não sabia sobre política partidária. Dentro do PSOL foi onde aceitaram minha proposta de que minha luta vai ser pela demarcação de terra e pelos direitos indígenas", frisou Kerexu, em conversa com O TEMPO.
A liderança e membro do ParlaÍndio (Parlamento Indígena do Brasil) Telma Taurepang, quando questionada sobre o principal destaque do ATL deste ano, não titubeou: a visibilidade das mulheres indígenas.
"Não estamos mais só nos bastidores, mas de fato erguemos nossas vozes e falamos a todo o Acampamento e aos quatro cantos de Brasília. Estamos presentes e iremos fazer a diferença não só no ATL, mas nos espaços onde precisamos estar", enfatizou Telma.
Ela relatou que, assim como Kerexu, vai lutar pelos direitos indígenas na Câmara, se for eleita.
"Estamos contra todos esses PLs [Projetos de Lei] e PECs [Propostas de Emenda à Constituição] que tentam destruir as nossas vidas dentro dos nossos territórios. Precisamos estar com nossos pés nesse Congresso para lutar contra as violações aos nossos direitos"
Telma compartilhou ainda o que a motivou a buscar um partido de centro-direita, embora geralmente as causas indígenas sejam associadas à esquerda.
"Vejo como estratégico estar no PSD, pois tenho uma história triste com um partido de esquerda, quando fui pré-candidata ao Senado em 2018 por Roraima. Precisamos de partidos que realmente nos respeitem e não se corrompam. O PCB [Partido Comunista Brasileiro] não me reconheceu naquela época como uma liderança legítima, eles usaram os recursos para a minha campanha indevidamente”, acusa.
Reforçando a importância da participação indígena nos poderes que regem a nação, Telma destacou que tem sido necessário “forçar a barra” para que os povos originários sejam vistos, ouvidos e levados a sério, pois, segundo ela, nunca houve um governante que os olhasse com legitimidade.
"Nós estamos mostrando que somos capazes e que podemos fazer a diferença no Planalto Central. E vamos chegar com uma bancada de mulheres líderes indígenas com legitimidade para ocupar esses espaços, e que ninguém venha tentar nos enganar. Nunca tivemos um governante que olhasse para nós, povos indígenas, com legitimidade, sempre foi com base na pressão.”
Além de Kerexu e Telma, vão concorrer aos cargos de deputadas federal: Celia Xakriabá (MG), Larissa Pankararu (DF) e Potira Potiguara (DF). Para deputadas estaduais, há os seguintes nomes: Simone Karipuna (AP), Val Terena (MS), Juliana Jenipapo Kanindé (CE), Chriley Pankará (SP), Eliane Bakairi (MT) e Tereza Arapium (RJ).
Mobilização entre jovens e voto indígena
Duas fileiras de tendas para venda de artesanato e comidas formaram um corredor no acampamento. Ali, entre um desses comércios e a barraca do coletivo de comunicação Mídia Índia, foi montada uma tenda para auxiliar e incentivar que indígenas, especialmente os jovens, tirassem seus títulos de eleitor. Os organizadores, no entanto, não informaram à reportagem quantos títulos foram emitidos durante o ATL.
Questionado se há um levantamento sobre os títulos de eleitores entre jovens indígenas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou que “não tem esse detalhamento no banco de dados", contando com essa informação somente para candidatos, "a partir da autodeclaração dos mesmos”.
De modo geral, uma estimativa divulgada pelo tribunal aponta o crescimento no número de novos títulos eleitorais entre jovens. O TSE registrou 445.553 novos eleitores entre 15 e 18 anos no mês de março, quando montou a campanha "semana do jovem eleitor".
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