POLÍTICA

Após parada cardíaca, morre Clodovil Hernandes

Redação O Tempo

Por DA REDAÇÃO
Publicado em 17 de março de 2009 | 19:15
 
 
 
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Após ter sofrido morte cerebral, o deputado Clodovil Hernandes (PR-SP), 71, faleceu às 18h50 desta terça-feira ao sofrer uma parada cardíaca no Hospital Santa Lúcia. Com a parada cardíaca, apenas córneas do parlamentar poderão ser doadas.

O corpo do parlamentar será velado na Assembleia Legislativa de São Paulo e enterrado na tarde desta quarta-feira no Cemitério Morumbi, em São Paulo. O corpo do deputado será transportado de Brasília para São Paulo em um avião da FAB (Força Aérea Brasileira).

O estilista e deputado morreu nesta terça-feira, um dia depois de ser encontrado desmaiado no seu apartamento após ter sofrido um acidente vascular cerebral (AVC). Clodovil teve morte cerebral anunciada nesta terça-feira por volta das 16h.

O presidente da Câmara dos Deputados decretou luto oficial nessa quarta-feira e não haverá sessões no plenário.


"Gays têm o direito de viver juntos"

 
Na edição de primeiro de maio de 2007, o jornal O TEMPO publicou uma entrevista exclusiva com o deputado Clodovil Hernandes. Confira abaixo a íntegra da entrevista:
 
 
HÉDIO FERREIRA JÚNIOR

BRASÍLIA - Não é à toa que um segurança fica postado à frente do gabinete 422 do anexo 4 da Câmara para fazer uma triagem: não se passam dez minutos livres sem que alguém apareça ali na tentativa de ver de perto, tirar uma foto ou simplesmente conhecer o dono das instalações mais comentadas da Casa, o deputado-artista " ou artista-deputado " Clodovil Hernandes.

Sem medo de comparações a dom Quixote, personagem de Miguel de Cervantes destemido a derrotar monstros, salvar donzelas e combater a injustiça, o costureiro-apresentador- cantor às vésperas de completar 70 anos, não repete mais o bordão de que "Brasília nunca mais será a mesma" após sua passagem, mas mantém a essência de que levará dignidade ao desgastado Congresso Nacional e mudar a imagem que se fez no Parlamento.

Clodovil é o mesmo que se vê na TV: alterna a delicadeza com a aspereza, a alegria com a seriedade, a intolerância com a paciência, a gentileza com a brutalidade. E dispara contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra do Turismo, Marta Suplicy, ao casamento gay na igreja.

O que não quer dizer que não esteja disposto a reacender no Congresso Nacional um dos projetos mais polêmicos e que está há cerca de dez anos engavetado na Câmara, que é o da união civil entre pessoas do mesmo sexo.

"Viver junto é um direito que as pessoas têm. Eu acho que deveriam existir meios que dessem o direito às pessoas de compartilharem a vida do jeito que elas quisessem", afirma. Enquanto coloria o retrato de uma amiga, desenhado por ele mesmo, o deputado atendeu a O TEMPO em seu estilizado gabinete, sempre implacável na cronometragem do tempo."Quinze minutos, é? Vai rápido, meu filho, não me atormente!", disse, quando a entrevista beirava os 25 minutos.

O TEMPO - Em seu primeiro discurso na Câmara, o senhor conseguiu o que pouquíssimos parlamentares já conseguiram que foi silenciar o plenário. Hoje em dia já acha natural as conversas paralelas, que no dia chamou de "falta de educação"?

Clodovil Hernandes - Com os outros eu não sei. Porque eu, quando falei aquilo, falei como artista, não falei como deputado. Para um artista que entra num palco vê aquele povo fazendo aquela algazarra seria muito estranho.

E eu não entendi nada. Na hora eu falei porque estava me sentindo num palco, né"! E agora toda a vez que vou falar se faz silêncio. Já aconteceu duas vezes mais, graças a Deus. Eu faço silêncio quando os outros falam porque eles não podem fazer silêncio quando eu estou falando"

Qual a sua opinião sobre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Eu não tenho nada contra o presidente por ser um cargo hierárquico. E esse senhor é o presidente do país no momento. Agora, eu acho que o Brasil precisava levar mais a sério a política. Aí é claro que alguém vai virar e falar assim: "Ah, quem é esse... (aquele adjetivo que você já conhece) pra falar uma coisa dessas".

Mas a gente merecia um presidente que tivesse um pouquinho mais de instrução. Porque, você me desculpa, mas o governo fala em instrução, educação e mistura tudo.

Primeiro, o que significa um presidente que não sabe ler direito, que não sabe escrever (direito)" Isso é o fim do mundo. Agora, que ele pretendesse ser presidente é um problema de cada pessoa. Mas que o país permita que ele chegue lá...

O mesmo que aplica à equipe de governo" O senhor acha que o presidente Lula não está cercado de gente capacitada para promover o avanço que se propaga no Brasil?

Sabe qual é o mal" É a que a política é dividida. E não é pela liberdade e pelo direito de ser alguma coisa, e, sim, pela vontade pessoal que um tem de mandar no outro. Então ninguém se entende, não é assunto que se debate.

É uma verdadeira guerra de opiniões relacionada à colocação econômica. Eles manipulam as coisas pelo poder. Eles adoram ser superpoderosos. Eu não acredito em poder. Acho que só Deus tem poder.

O senhor se considera um político de direita, centro ou esquerda?

Eu sou do godê, não sou de nada, imagine! Sou de saia rodada.

Mas posicionamento político o senhor não tem algum?

Absolutamente. Posicionamento político no sentido de quê" O que é que a esquerda defende, o que é que a direita defende" O que é que a esquerda ataca" Política não é isso. Dar a vida é um ato político. E eu acho que a grande base de um ato político é viver e deixar viver.

O que o senhor pretende trazer de diferente para a Câmara dos Deputados?

Primeiro eu vou mudar essa coisa da política horrorosa, arbitrária, de dedo em riste, de cima para baixo. Nenhum ser humano tem poder de degrau acima. Isso é uma coisa transcendental que pertence ao universo.

Os homens têm que aprender a falar no mesmo tom e no mesmo nível com todo mundo. Quem colocou a gente aqui em cima" A gente está em um lugar que a gente se colocou" Não, o povo é que nos colocou e nos deu esse trabalho. E esse trabalho é público e toda a pessoa que tem vida pública trabalha para si mesma. Somos mais um deles.

Não é uma pretensão quixotesca chegar à Câmara e achar que pode mudar tudo?

É, mas qualquer coisa pode. Se o (Miguel de) Cervantes pôde escrever Dom Quixote, eu também posso escrever o Clodovil que me interessa. Se vai dar certo ou não...

Eu não vou levar uma passagem suja pela vida para aquilo que eu considero o Deus do universo no dia que eu morrer. Cada um leva a vida que quiser e acredite naquilo que quiser.

Como o senhor avalia as ações dos movimentos sindicais no Brasil e a dos trabalhadores rurais sem terra?

Isso é típico de quem não tem conduta moral alguma. Por que elas não invadem escolas para estudar" Por que o (traficante) Marcola que é esse criminoso como dizem, um ser raro, de inteligência rara, prefere esse tipo de vida (da criminalidade)" Porque foi como ele se destacou.

O ser humano precisa de uma moldura em volta da vida dele, seja ela qual for. Eu não acho que seja dessa maneira. Existe uma diferença entre fama e prestígio. Fama é ocasional. Pode-se ser famoso por qualquer bandido, por qualquer coisa. Agora, prestigiado só quando você tem aquela coisa dada por Deus que é o talento.

Quais áreas o senhor pretende priorizar quando tiver que apresentar emendas ao Orçamento da União?

Eu apresentei algumas emendas, mas acho curioso... Outro dia eu tive que ser o redator de uma emenda que falava (da criação) do Dia do Câncer Infantil.

Eu fiz porque acho que é uma coisa que não pesa nada, mas fazer o quê com isso num país onde as crianças morrem de fome e por "n" razões. O câncer é ocasional, ele pode dar em crianças alfabetizadas ou analfabetas.

Agora, já o resultado que vem do analfabetismo... Você sabia que no Nordeste (do Brasil), a maioria dos homens que tem câncer de pênis o tem porque não sabem lavá-lo"

Por falar nisso, o deputado Jair Bolsonaro (RJ) ofereceu ao senhor a autoria de um projeto que institui a Semana Nacional de Saúde do Homem, justamente para atingir a população sobre a importância do higiene pessoal e de ir regularmente ao médico. Por que o senhor recusou?

Eu não rejeitei. Ele só falou comigo e depois não continuou o assunto. Eu tenho muito orgulho de ter chegado aqui. Ele disse assim: As pessoas acreditam no que você diz, portanto seria melhor que você fosse o autor da lei porque aí ela teria resultado, mais eficácia". Isso é uma maravilha, passar pela vida fazendo uma coisa boa, conquistar o crédito das pessoas através de uma coisa afrescalhada, de moda.

Ninguém questiona esse assunto, mas eu falo nele porque tem muita gente que sofre desse mesmo preconceito e é massacrada. É uma coisa complexa. Eu não gostaria de ter um filho homossexual, mas também não queria que ele fosse tantas coisas, não só isso.

O que se pode fazer" O menino filho de um homem rico, poderoso, é gay, mas aí dizem: "Ah, ele é excêntrico". Mas vai ser office boy pra você ver o que você é!

O senhor pretende reacender alguns projetos polêmicos que há anos estão parados na Câmara e ninguém tem coragem de por as mãos neles, como a união civil de homossexuais, a descriminalização das drogas, a legalização do aborto...?

O aborto pertence única e exclusivamente a quem vai fazê-lo porque é um processo da consciência da pessoa. Se ela conviver com essa coisa que vai pesar sempre na sua ficha... Porque é um crime matar uma pessoa que está dentro de você.

Agora, a mulher que tem coragem de tomar essa decisão, o problema passa a ser dela. Ninguém pode decidir isso por ela. Eu acho que a legalização do aborto eu não diria, mas a legalização da vontade de fazer o aborto é problema de quem faz. Ela é quem vai saber o quanto isso vai doer nela.

 Se a mulher, inclusive, pensar um pouco... Quando que meu pai pensou que eu um dia chegaria aqui" Nunca. Mas eu conquistei porque foi ele quem me deu o norte. Ele disse: "Meu filho, eu não tenho nada para deixar para você. Não tenho dinheiro, mas vou deixar uma coisa que ninguém toma: você vai estudar". E foi o que eu fiz.

E quanto ao casamento gay e descriminalização das drogas?

Eu acho que tudo que é proibido custa mais caro e incita as pessoas a quererem porque incita o desejo. Se não houvesse a proibição, não haveria tanta vontade de ir atrás disso.

Mas é que isso é um grande comércio que se não fosse proibido custaria uma banana. Agora, casamento de homem com homem é uma coisa que eu não aceito. Nem de mulher com mulher. Mas casamento que eu quero dizer é no sentido religioso, de viver junto com papel passado.

Porque não dá certo nem para os heteros que perpetuam a vida, imagine para os homossexuais. Agora, viver junto é um direito que as pessoas têm.

Eu acho que deveriam existir meios que dessem o direito às pessoas de compartilharem a vida do jeito que elas quisessem. Porque depois as coisas amealhadas por duas pessoas fossem um direito delas, e não da família ir lá e tripudiar em cima do direito do outro e passar a mão em tudo. A pessoa não prestava até ontem, morreu e a família quer os objetos"

Mas isso é um processo de tanta coisa errada que a família tem. É muito raro se encontrar uma família que estabeleça a regra da casa como o amor, mesmo. O sujeito tem o direito de se unir com quem ele quiser, agora ir pra igreja... Só faltava levar um buquê de nabo...

Mas o projeto apresentado pela ex-deputada e atual ministra do Turismo, Marta Suplicy, prevê a união civil, não o casamento na igreja?

Não me fale dessa mulher. Ela fez passeatas gays para ganhar os votos dos gays. Que dia que ela ajudou alguém" Ela descobriu um filão e foi ela quem melhor aproveitou esse filão.

O que ela estimulou essa passeata gay (Gay de São Paulo), os caras vestidos de mulher, fumando maconha, fazendo o diabo nas ruas, denegrindo a imagem da mulher, a mãe da pessoa, a irmã. Isso é liberdade"

Isso é uma pouca vergonha. Que Dia do Orgulho Gay" A gente tem que ter orgulho de ser o que é. Isso é gente ordinária insuflando esta gandaia que o mundo virou.

O que o senhor pode fazer pelos gays aqui no Congresso Nacional?

Eu só vou batalhar por essa coisa da liberdade (das pessoas do mesmo sexo) de morarem juntas, estabelecerem uma vida juntas. Agora, batalhar para isso que eles chamam de liberdade"

 Vem aquele monte de travestis aqui na Câmara que é um lugar sério" Por isso pode entrar qualquer coisa aqui. Todo mundo sabe o que eu penso de sexo e da vida, mas ninguém nunca me pegou no pulo nem vai pegar. Porque eu não faço cocô fora do banheiro.

Na minha casa o banheiro é o banheiro, a cozinha é a cozinha, o living (sala) é o living, a varanda é a varanda. Hoje em dia a casa é uma porcaria. Fazse cocô na varanda, come-se na privada...

E pai e mãe vêem a filha em pose ginecológica na revista e dizem o seguinte (muda o tom de voz, imitando): "Nóis precisa comê. É isso que dá dinheiro, minha filha vai posar, mostrar a xereca dela pra gente ter o que comer. Nóis é pobre".

Estudar, ele não quis que a menina estudasse. Se esforçar, como antigamente os pais faziam para as crianças irem a escola, quando tudo era mais difícil do que agora. Antigamente, as pessoas tinham honra de ser alguma coisa.

Hoje elas querem ter. Ter o quê" Nada é da gente, nem o corpo. O mundo virou uma vergonha. As igrejas, por exemplo: a Igreja Católica, que foi a primeira de todas, vivia de ricos.

Tinha muita gente rica naquela época e menos pobres. Hoje, essas igrejas que vendem Deus em potes, vivem do dinheiro dos pobres. Porque é muito melhor R$ 10 de milhões de pobres do que R$ 100 mil de um rico. É um só.

Agora, os pobres somados... E por que esses sem vergonhas que são eleitos por votos vêm pra cá e não representam essa gente que saiu de casa pra votar neles, seja lá por qual o motivo. Por isso hoje no Brasil as pessoas ainda votam duas vezes: votam e confirmam.

O senhor se espelha em alguém na política?

Eu encontrei uma pessoa maravilhosa que eu não sabia nem que existia, que é o ministro das Cidades, Márcio Fortes, que é uma coisa! Eu, quando crescer, quero ser como ele. Fiquei impressionadíssimo!

Eu conhecia de bom no mundo só o Chico Xavier. A bondade é uma coisa confusa e inquestionável. Uma pessoa que tem vida pública, que dá o (número) do celular para os pobres, atende os telefones... Nunca ouvir contar isso.

Um homem que foi embaixador, que tem instrução, que se diverte com coisas simplórias, alegres, que é emocional. Enfim, eu gostaria mais para a frente, seu eu conseguir aprender e apreender tudo que ele me passou nos últimos dias, teria muita honra de ser como ele. Eu não estou na vida querendo mais nada. Estou aqui limpando o resto dos dias que eu tenho no mundo para depois ir para Deus com a alma limpa.

Dê sua opinião sobre três homens públicos: Paulo Salim Maluf, Antônio Carlos Magalhães e Fernando Collor de Mello.

É difícil falar. Porque um foi induzido a manipular e teve uma quadrilha de falsos amigos que é a pior coisa que pode existir no mundo. O outro foi criado dentro de uma riqueza muito grande e não soube administrála para que ela se transformasse em bondade e ficou cada vez mais, mais, mais e mais mercenário.

E têm outros que vencem pela dor. Não têm piedade, são adestradores de seres humanos. É como adestrador de circo: é aplaudido, mas faz o diabo com o cachorro. Portanto, são três atitudes completamente diferentes, embora para os incautos todos estejam na mesma panela.

Falta bom humor à Câmara dos Deputados?

Ah, completamente. Porque o bom humor e a bondade estão lado a lado. Mas o bom humor não é tripudiar em cima do outro, perder o amigo, mas não perder uma risada. É a alegria de estar vivo.

Dom Bosco previu Brasília. O Juscelino (Kubitscheck) construiu Brasília e quem ficou rico com a cidade: o (Sérgio) Naya, o pai do Roberto Justos" Para quem foi bom" Agora precisa que ela seja boa para o país inteiro.

Eu vejo uma comitiva chegando aqui e as pessoas encantadas com a cidade porque é completamente diferente de tudo que se vê. Isso tudo precisava ser estimulada para que as pessoas viessem aqui como quem vai a uma cidade com uma missão religiosa, digamos. Ser amada escandalosamente pelos brasileiros.

Pode ver: toda as pessoas que se expõem, que têm coragem de dizer para o povo, do jeito que se considera humano e decente, pode até acabar mal, ser assassinada, mas eu não tenho medo.

Eu adoraria ver o povo feliz, desisti de coisas como a moda para viver para as pessoas. Porque é um direito de quem recebe a vida de presente viver com dignidade e respeito. Pronto! Beijos!

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