Um tema que foi recorrentemente abordado na gestão de Fernando Pimentel (PT) à frente do Executivo mineiro está de volta à tona no governo de Romeu Zema (Novo) – a Lei Kandir. O novo governo acredita que o Congresso Nacional vá apresentar uma proposta para estabelecer novos critérios para compensar Estados exportadores pelas perdas com a isenção de ICMS, prevista na legislação.

Para o advogado geral do Estado, Sérgio Pessoa, é possível restabelecer a compensação em parâmetros justos conforme o critério que a Emenda Constitucional 42/2003 estabeleceu. A emenda concedeu imunidade do ICMS para toda e qualquer operação de exportação e garantiu ao exportador o aproveitamento do respectivo crédito.

“Acho que isso pode sair do papel, sim. Porque isso retrata não apenas um aspecto de justiça e de respeito ao pacto federativo, mas também de legalidade, na medida em que restabelece uma situação que foi causada pela própria legislação e que a emenda constitucional buscou restabelecer e reequilibrar de modo a permitir realmente uma reconstrução do pacto federativo”, declarou.

Pessoa lembrou que um projeto de lei complementar – o PLC 511/2018, que obriga a União a repassar anualmente R$ 39 bilhões a Estados, sendo que, para Minas, o montante seria de R$ 2 bilhões – está pronto para ser votado pela Câmara dos Deputados. “O Congresso Nacional, na legislatura passada, evoluiu com o projeto de lei do Senado Federal, que chegou a ser elaborado, mas não houve oportunidade de ser votado. Então, é em cima desse trabalho do Congresso que os Estados, no atual momento, na atual legislatura inaugurada em 2019, têm se articulado com o propósito de que essa lei seja votada e venha a viabilizar esse reequilíbrio em relação à sistemática e à compensação da Lei Kandir”, disse. 

Contudo, ao contrário da gestão passada, o advogado geral do Estado não é tão otimista em relação ao pagamento do passivo da Lei Kandir. De acordo com parlamentares petistas, o montante que a União deve ao Estado, em relação às perdas relativas à desoneração determinada na Lei Kandir, pode chegar a cerca de R$ 130 bilhões. Ele destacou que o STF entendeu que as perdas são decorrentes da lei tiveram início em 2003, quando a emenda foi aprovada. 

“Em relação ao passivo, esse é um debate jurídico que está instalado, que vai ser oportunamente colocado e eventualmente participará da negociação que está sendo conduzida tanto no Congresso quanto em articulações feitas diretamente com a União de equacionar esse passivo. O entendimento da tese jurídica é de que a omissão ocorre desde a Emenda Constitucional de 42/2003, então repercutiria a decisão do Supremo, que reconheceu a necessidade da regulamentação a partir da omissão constatada, que é em 2003”, explicou.

Histórico

Pimentel articulou por muito tempo a compensação da Lei Kandir. Esse foi um dos trunfos que o petista tentou usar para melhorar a situação fiscal do Estado. Em 2017, para tentar sair do sufoco, o Executivo apresentou duas alternativas que não deram certo: o recebimento de atrasados da Lei Kandir e a securitização – espécie de antecipação de recebíveis – da dívida do Estado.

Mini entrevista - Sérgio Pessoa (advogado geral do Estado)

Como Minas está se preparando para o plano de recuperação fiscal da União? 

Esse é o grande desafio. O cenário de calamidade financeira é notório. Então, é necessário realmente buscar alternativas para a reestruturação do Estado e, sob o ponto de vista jurídico, a atuação da AGE é de contribuir nesse papel no sentido de, à luz da Lei Complementar 159, adequar o Estado às exigências legais. Então, o desafio colocado para a AGE foi o de compartilhar com as secretarias de Estado de Fazenda e de Planejamento, o conjunto de normas jurídicas que a lei impõe, exatamente para proporcionar condições jurídicas, para além das condições financeiras e econômicas, para realizar o regime de recuperação fiscal. 

Existe a possibilidade de uma flexibilização nas normativas da Lei Complementar 159 (que regra a recuperação fiscal)?

Como se trata de normativo federal que pressupõe a solidariedade entre os Estados, então realmente é um princípio do pacto federativo – entes políticos se auto auxiliares, principalmente em uma situação difícil como essa enfrentada pelo Estado de Minas Gerais – haverá a perspectiva de um diálogo institucional sério, comprometido e responsável. De modo que pontualmente pode ocorrer alguns pontos de convergência à luz de interpretação.

O que deve passar pela ALMG (caso haja um acordo para recuperação fiscal com o governo federal)?
 
Por exemplo, a reforma da Previdência no plano estadual, o aspecto de adequação das estruturas previdenciárias do Estado à luz da LC 159, eventualmente aspectos que dizem respeito ao regime jurídico do servidor público no Estado que poderão ter correspondência com o regime jurídico do servidor da União.

O que pode mudar para o servidor? 

Uma mudança que poderá ocorrer diz respeito, por exemplo, a aspectos de benefícios, aspectos de licenças que são concedidas no âmbito do regime jurídico. A imposição de adesão do regime de recuperação fiscal é de buscar um equacionamento ou correspondência de tratamento jurídico do que é feito no plano federal e também no plano estadual substancialmente em relação a benefícios e licenças. 

O servidor pode perder benefícios?

O servidor não perderia benefícios de forma alguma. Seria apenas a adequação e sempre respeitada a situação de regime jurídico naquilo que diz respeito aos direitos que já foram adquiridos e que serão sempre respeitados. Poderá ser estabelecido um novo regime jurídico, mas para o futuro daqueles que ingressarão no Estado. Mas aqueles que já têm vínculo jurídico com o Estado será preservado.