BRASÍLIA A Câmara dos Deputados enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF), pouco antes do fim do prazo estipulado pelo ministro Flávio Dino, um ofício com as justificativas para a destinação de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão.

No documento, a Casa comandada por Arthur Lira (PP-AL) também pede divisão de responsabilidades com o governo federal e também com o Senado, questionando o porquê de apenas a Casa ser alvo das indagações do ministro. 

O texto, elaborado pela advocacia da Câmara, foi assinado por 17 líderes partidários. O documento foi encaminhado ao ministro, que havia determinado o bloqueio dos pagamentos na última segunda-feira (23) e solicitado explicações à Câmara sobre o processo de destinação dos recursos no início da tarde desta sexta-feira (27).

O ofício repete o tom da declaração pública feita na noite desta quinta-feira (26) pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ele argumentou que a destinação dos valores partiu de um acordo firmado com o Palácio do Planalto e com orientação da equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"O procedimento de encaminhamento da relação de apadrinhamento dos líderes da Câmara e dos líderes do Senado obedeceu um critério rigoroso de análise do Gabinete Civil, do Ministério da Fazenda, do Planejamento e da Advocacia-Geral da União. Portanto, esperamos que com fim do recesso natalino os ministros que estão retornando possam esclarecer como foram feitos os procedimentos", disse Lira na ocasião. 

A justificativa também aparece no documento. "As decisões tomadas pelos líderes do Congresso foram baseadas em orientações jurídicas dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Gestão e Inovação, da Secretaria de Relações Institucionais e da Casa Civil, bem como da Advocacia-Geral da União", consta no ofício protocolado na noite desta sexta-feita. 

Em mais uma tentativa de compartilhar a responsabilidade pela questão entre os Poderes, a Câmara conclui o ofício informando que não apresentará novo recurso contra a decisão do STF, por se tratar de matéria de competência do Congresso Nacional — e não apenas da própria Câmara. 

Conforme o documento, a responsabilidade por um possível recurso será atribuída ao presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e à Advocacia-Geral da União (AGU), sob a liderança de Jorge Messias, uma vez que as orientações do governo federal foram seguidas na liberação das emendas.

Dino questionou informações repassadas pela Câmara e exigiu respostas "objetivas"

O ofício remetido ao Supremo Tribunal Federal nesta sexta-feira é a segunda rodada de explicações que a Câmara dá ao ministro Flávio Dino. A primeira chegou à Corte na madrugada desta sexta-feira, mas o relator considerou insuficientes as respostas e exigiu que elas fossem apresentadas objetivamente.

Em termos gerais, a advocacia da Câmara se escora nas regras anteriores à sanção da Lei Complementar 210 — que regulamentou a distribuição das emendas parlamentares — para justificar que não houve irregularidades na destinação da quantia bilionária.

A Câmara argumenta, por exemplo, que, antes da lei, promulgada apenas em 25 de novembro, não havia necessidade de votação das indicações feitas pelas emendas de comissão.

"Não havia, até 25 de novembro, norma que dispusesse a votação das indicações realizadas pelo Parlamento. Havia apenas a exigência da LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] de 2024 de que as indicações das comissões fossem veiculadas por ofícios de seus presidentes", justifica.

O documento ainda completa que, a partir do Orçamento 2025, as indicações deverão ser votadas conforme determina a Lei Complementar 210. "Para 2024, inexistia essa exigência, quer na lei, quer em decisões do Tribunal", acrescenta.

Questionamento sobre repasses para reduto de Lira

A advocacia da Câmara também contesta a afirmação do ministro Flávio Dino de que foram feitas "novas indicações" para distribuição das emendas — e que 40% delas foram entregues a Alagoas, Estado que elegeu o presidente da Câmara, Arthur Lira.

"As 'novas indicações' são valores que, antes da decisão do Tribunal de 9 de dezembro de 2024, não haviam sido objeto de indicação pelas comissões, ou, se haviam sido, não foram implementadas por impedimentos de ordem técnica", explicita o documento com citação à determinação do ministro Flávio Dino que liberou o pagamento das emendas, suspenso em agosto.

O ofício também repete que a conduta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal foi orientada previamente pelo Poder Executivo. "Justamente porque as emendas de comissão não são impositivas", endossou. Com a entrega do documento no prazo determinado, caberá ao ministro avaliar se as respostas apresentadas são suficientes para liberação do recurso.

Impasse durante recesso parlamentar

A Câmara dos Deputados já havia enviado, na madrugada desta sexta-feira, uma outra resposta ao ministro Flávio Dino sobre os questionamentos relacionados ao bloqueio de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares. O documento rejeitava qualquer acusação de tentativa de descumprir a decisão da Corte. 

"Nestes autos, a Câmara dos Deputados tem agido de maneira cooperativa e de boa-fé, em sincero diálogo institucional com os Poderes Executivo e Judiciário para aprimorar o processo de elaboração e execução orçamentária de maneira transparente e eficiente", diz trecho do ofício.

Além de suspender o pagamento, Dino solicitou que a Polícia Federal (PF) abra um inquérito para apurar supostas irregularidades nos repasses das emendas. A ordem levou Arthur Lira a convocar uma reunião de emergência com os líderes partidários na quinta-feira (26), mesmo durante o recesso parlamentar.

Lira também se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Palácio da Alvorada, e convocou a imprensa, no início da noite de quinta-feira, para um pronunciamento. Durante a declaração, o deputado alagoano negou irregularidades e defendeu o retorno do pagamento das emendas.

Na avaliação dele, os pagamentos respeitam as determinações do STF e a lei aprovada pelo Congresso e sancionada por Lula para regulamentar a execução das emendas parlamentares. O presidente da Câmara destacou que o pagamento segue os critérios acordados entre os Poderes em uma reunião no Palácio do Planalto há três semanas.

Dino, no entanto, não aceitou as justificativas e cobrou dos deputados mais informações sobre as indicações do orçamento da União e deu até as 20h para que eles apresentassem respostas “objetivas” aos questionamentos levantados pelo Supremo. Veja os questionamentos:

  1. Quando houve a aprovação das especificações ou indicações das “emendas de comissão” (RP 8) constantes do Ofício nº. 1.4335.458/2024? Todas as 5.449 especificações ou indicações das “emendas de comissão” constantes do Ofício foram aprovadas pelas Comissões? Existem especificações ou indicações de “emendas de comissão” que não foram aprovadas pelas Comissões? Se não foram aprovadas pelas Comissões, quem as aprovou?
  2. O que consta na tabela de especificações ou indicações de “emendas de comissão” (RP 8) como “NOVA INDICAÇÃO” foi formulada por quem? Foi aprovada por qual instância? Os Senhores Líderes? O Presidente da Comissão? A Comissão?
  3. Qual preceito da Resolução nº. 001/2006, do Congresso Nacional, embasa o referido Ofício nº. 1.4335.458/2024? Como o Ofício nº. 1.4335.458/2024 se compatibiliza com os arts. 43 e 44
    da referida Resolução?
  4. Há outro ato normativo que legitima o citado Ofício nº. 1.4335.458/2024? Se existir, qual, em qual artigo e quando publicado?

Entenda o que motivou o novo bloqueio de emendas

O Psol protocolou uma ação que resultou na nova decisão de Flávio Dino, ao apontar irregularidades na destinação de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão. Em 12 de dezembro, Arthur Lira enviou ao Palácio do Planalto um documento assinado por 17 líderes partidários da Câmara, com o pedido de liberação dessas emendas.

No mesmo dia, no entanto, Lira cancelou todas as sessões de comissões que estavam marcadas até 20 de dezembro, último dia de trabalho na Câmara em 2025. A decisão do parlamentar citou “a necessidade de o Plenário da Câmara dos Deputados discutir e votar proposições de relevante interesse nacional”.

Mas, naquela semana, o Congresso deixou de lado pautas caras ao governo e se debruçou sobre projetos voltados para a segurança pública, encabeçados por parlamentares ligados a forças de segurança, a favor do armamento e de oposição ao governo.

Após a liberação bilionária de emendas, os deputados fizeram um esforço concentrado e votaram a regulamentação da reforma tributária e o pacote de cortes de gastos. Com a decisão de Lira, os colegiados temáticos da Câmara não puderam deliberar sobre o destino das emendas de comissão.

Segundo a ação do Psol, o documento foi elaborado sem observância do rito legal e apresenta graves irregularidades. O partido apontou também que parte dessas emendas teve novas indicações de destinos em favor de Alagoas, Estado de Lira, o que seria ilegal. O governo federal, por meio da Casa Civil, não viu irregularidades e autorizou o repasse.

Liberação, mas com ressalvas

No início do mês, Flávio Dino liberou parcialmente o pagamento das emendas parlamentares, suspensas em agosto. No despacho, o magistrado definiu ressalvas para cada modalidade de emendas e deixou claro que os repasses deverão obedecer a regras de transparência e rastreabilidade, tanto da origem da indicação quanto do destino do recurso. 

No entendimento do ministro, o projeto de lei aprovado pela Câmara e sancionado pelo presidente Lula não atendia integralmente às exigências para aumentar a transparência e rastreabilidade dos repasses. A Advocacia Geral da União (AGU) ainda tentou que o STF reconsiderasse o entendimento, mas não foi atendida.

“Emendas Pix”: Em relação às "emendas Pix", ficou determinado que os recursos liberados a partir de 2025 só serão possíveis mediante um plano de trabalho apresentado e aprovado previamente. A aprovação caberá ao ministério da área em que a verba pública for aplicada.

Já para as emendas previstas para este ano e as ainda em execução de anos anteriores, ficou definido um prazo de 60 dias corridos para o Congresso Nacional promover um ajuste nos planos de trabalho. Caso isso não seja estabelecido, a ordem de Dino é que os repasses sejam novamente suspensos para serem apuradas as responsabilidades civil e criminal do descumprimento.

Emendas de bancada e comissão: A partir de 2025, as bancadas e as comissões das duas Casas legislativas que desejarem indicar emendas deverão registrar, em ata, o nome do parlamentar que sugeriu cada proposta.

Atualmente, elas são enviadas em nome "do coletivo" – da bancada estadual ou da comissão temática. Pela ordem do ministro, essas emendas coletivas deverão registrar quem as sugeriu. As emendas de comissão podem ser apresentadas por qualquer parlamentar membro de cada colegiado.

E diz que os líderes partidários "não detém monopólio da autoria", já que isso feriria regras do Congresso Nacional e o processo legislativo. E é justamente esse um dos pontos que Dino questiona sobre os R$ 4,2 bilhões bloqueados nesta semana.