BRASÍLIA — A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começa a discutir nesta terça-feira se aceita ou não a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra seis aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apontados como integrantes do segundo núcleo da trama golpista. Esse grupo era responsável, segundo o procurador-geral Paulo Gonet, pelo gerenciamento de ações golpistas.

A presença dos seis denunciados na sessão da Primeira Turma ainda é incerta. Na realidade, quatro deles não se manifestaram publicamente ou nos autos do processo indicando se acompanharão a sessão presencialmente ou não. Até a noite de segunda-feira, apenas os advogados de Filipe Martins e Silvinei Vasques revelaram como seus clientes vão se portar durante a análise da denúncia pelos cinco ministros que compõem a turma.

Inicialmente, Silvinei Vasques pediu ao relator, ministro Alexandre de Moraes, permissão para sair de Florianópolis e vir a Brasília para a sessão. Entretanto, os advogados decidiram que o melhor para o cliente seria não comparecer. “É certo que a imprensa se fará presente no local”, declararam em manifestação ao STF. “Motivo pelo qual, objetivando-se evitar qualquer tipo de prejuízo à integridade das cautelares em vigência, bem como resguardar a honra e a imagem do denunciado, chegou-se à conclusão de que seu não comparecimento é a medida mais acertada”, concluíram. 

A equipe que defende Filipe Martins optou por outro caminho e garantiu permissão para ele ir às sessões marcadas para terça-feira e quarta-feira. Cumprindo medidas cautelares em Curitiba, ele conseguiu autorização do ministro Alexandre de Moraes para viajar a Brasília e chegou à capital na manhã de segunda-feira. Hospedado na região central de Brasília, Filipe só pode se deslocar do hotel para o prédio Supremo Tribunal Federal. Ele volta a Curitiba na quarta-feira à noite. 

O denunciado deve ir à sessão acompanhado da namorada Anelise do Rocio Hauagge. Um dos advogados de Filipe Martins é o desembargador Sebastião Coelho, que causou tumulto no STF e acabou detido no último 25 de março, quando a Primeira Turma analisava se aceitaria a denúncia da PGR contra o núcleo crucial da trama golpista — envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados da sua cúpula de governo.

Os outros quatro denunciados que compõem o núcleo 2 ainda não se manifestaram se vão ou não acompanhar a sessão presencialmente, são eles: Marília Alencar, Marcelo Costa Câmara, Mário Fernandes e Fernando de Sousa Oliveira.

Quais são as acusações?

Neste primeiro momento, o STF analisará se aceita ou não a denúncia da PGR contra seis dos denunciados por participação na tentativa de golpe de Estado. Depois, em uma data que ainda será marcada, a Corte passará à análise das acusações contra o núcleo e poderá condenar os seis denunciados a até 43 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de:

  • Abolição violenta do Estado Democrático de Direito: as penas de prisão previstas no Código Penal para o crime variam de 4 a 8 anos de prisão;
  • Tentativa de golpe de Estado: 4 a 12 anos de prisão;
  • Dano qualificado: 6 meses a 3 anos de prisão;
  • Deterioração de patrimônio tombado: 1 a 3 anos de prisão e multa; as penas estão previstas na Lei de Crimes Ambientais;
  • Participação em organização criminosa armada: o Código Penal prevê pena de prisão de 1 a 3 anos para o crime de associação criminosa, mas a pena aumenta até a metade quando a associação é armada.

Silvinei Vasques e as outras cinco pessoas denunciadas pela Procuradoria-Geral da República compõem o segundo núcleo de envolvidos na trama golpista. A avaliação do procurador-geral Paulo Gonet Branco é que esse grupo era responsável pelo gerenciamento das ações que viabilizariam o intento golpista. Outras 29 pessoas também acusadas de participação na tentativa de golpe de Estado, entre elas o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), estão divididas em mais quatro núcleos de atuação.

Quem são os denunciados do núcleo 2?

Uma das peças centrais desse núcleo 2, segundo a PGR, é Silvinei Vasques, diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante o governo Bolsonaro. O inquérito elaborado pela Polícia Federal (PF) e que serviu para estruturar a denúncia de Gonet Branco detalha que Silvinei Vasques usou a PRF para tentar intervir no resultado da eleição presidencial de 2022. 

O símbolo disso são, segundo a PGR, as blitze feitas por agentes da Polícia Rodoviária Federal em regiões do Nordeste com grande concentração de eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). À ocasião, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, determinou a imediata suspensão das ações da PRF; ordem descumprida por Silvinei. 

Além dele, também compõem esse segundo núcleo da trama golpista:

Fernando de Sousa Oliveira: delegado da Polícia Federal e diretor de operações do Ministério da Justiça de Bolsonaro. Segundo a denúncia, ele teria atuado com Silvinei na articulação do bloqueio de rodovias para impedir o trânsito de eleitores do então candidato Lula.

Marília Ferreira de Alencar: também delegada da Polícia Federal, ela teria participado dessa articulação no segundo turno das eleições. À época, Marília era diretora de inteligência do Ministério da Justiça e foi quem ordenou um mapeamento que identificasse os municípios nordestinos onde Lula recebeu mais votos no primeiro turno. O objetivo, segundo a investigação, era direcionar as operações da PRF para esses locais, atrapalhando o livre trânsito dos eleitores no domingo que decidiu o pleito.

Filipe Martins Pereira: assessor para Assuntos Internacionais de Jair Bolsonaro, ele seria o autor da minuta golpista encontrada com Anderson Torres, ministro da Justiça daquele governo. O documento, conforme a investigação, foi apresentado por Filipe Martins a Bolsonaro, que teria sugerido alterações a fim de garantir o apoio de Aeronáutica, Exército e Marinha ao plano.

Marcelo Costa Câmara: coronel da reserva do Exército e então assessor da presidência da República, ele teria participado de reuniões marcadas para discutir a minuta do golpe de Filipe Martins. A PGR o acusa de ter monitorado os deslocamentos do ministro Alexandre de Moraes, que seria uma das vítimas dessa eventual intentona golpista.

Mário Fernandes: enquanto general da reserva do Exército Brasileiro, ele é apontado como um dos principais apoiadores dessa tentativa de golpe. A denúncia da Procuradoria-Geral da República vê Mário Fernandes como o responsável por monitorar e planejar o assassinato de três autoridades para consumar o golpe — o recém-eleito Lula, seu vice Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes. 

STF aceitou denúncia contra núcleo crucial em março

No mês passado, a Primeira Turma do STF aceitou a denúncia da Procuradoria-Geral contra o núcleo 1 da trama golpista — ou núcleo crucial, como são tratados os partícipes desse grupo. O recebimento dessa denúncia atinge o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados dele:

  • Alexandre Ramagem: deputado eleito pelo PL do Rio de Janeiro e diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro; o então presidente, inclusive, tentou nomeá-lo para a direção-geral da Polícia Federal.
  • Almir Garnier: comandante da Marinha também durante o governo Bolsonaro.
  • Anderson Torres: ministro da Justiça de Jair Bolsonaro; na época dos atentados do 8 de janeiro, era secretário de Segurança do Distrito Federal, governado por Ibaneis Rocha (MDB).
  • Augusto Heleno: general da reserva do Exército, assumiu o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Jair Bolsonaro; é um dos aliados mais fiéis do ex-presidente da República. Com 77 anos, pode ser beneficiado pela lei brasileira se condenado pelos crimes que é acusado.
  • Mauro Cid: é a peça-central da investigação da Polícia Federal que desembocou na denúncia da PGR; ele é tenente-coronel do Exército e atuou como ajudante de ordens de Jair Bolsonaro durante seus quatro anos na presidência da República. Cid assinou um acordo de colaboração premiada.
  • Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira: general do Exército Brasileiro, atuou como ministro da Defesa de Jair Bolsonaro entre abril e dezembro de 2022; antes, entre abril de 2021 e março de 2022 foi comandante do Exército.
  • Walter Braga Netto: foi ministro de Bolsonaro na Defesa e também na Casa Civil; aliado próximo do então presidente, concorreu como vice na chapa dele, na corrida pela reeleição em 2022.