BRASÍLIA – Senadores que comandam a CPI das Bets reagiram muito mal às declarações e ao comportamento do colega Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG), que interrompeu o depoimento da influenciadora digital Virginia Fonseca nesta terça-feira (13), para gravar um vídeo com ela para a esposa dele, depois de criticar os trabalhos da comissão.

Cleitinho, que não integra a CPI, pediu para falar no início da sessão. Disse que a comissão não deveria focar na influenciadora, mas em outros temas nacionais. Ele defendeu Virginia, quem se referiu como uma “fonte de receitas e empregos”, enquanto os parlamentares são “fonte de despesa”. O senador ainda elogiou os compostos de “pré-treino” promovidos pela influenciadora e que são consumidos por ele.

“Não estou aqui para apontar o dedo para você. Estou aqui para poder sensibilizar, tocar seu coração, para que você comece a fazer propaganda contra esses tipos de jogos. E faça mais o seu ‘pré-treino’. Inclusive, vou terminar aqui... pode mandar um abraço para minha esposa e para minha filha?”, perguntou Cleitinho, prontamente atendido por Virginia.

O senador se levantou da cadeira, foi até a influenciadora e gravou com o próprio celular um “vídeo selfie” com ela. “Aqui, manda um abraço para Amanda (minha esposa) e Laisa (minha filha)”, disse Cleitinho. “Amanda e Laisa, obrigada pelo carinho”, falou Virginia.

A cena rendeu risos no plenário da comissão. Mas a relatora da CPI, Soraya Thronicke (Podemos-MS), e o presidente, Dr. Hiran (PP-RR), não esboçaram reação. Ao fim da cena protagonizada por Virginia e Cleitinho, Hiran afirmou que não deixaria que a sessão virasse um “circo”.

“Eu acho que agora a nossa convocada ficou mais tranquila”, disse o presidente da CPI. “Ninguém aponta o dedo pra mim. Então eu fico muito tranquilo, porque é por isso que eu cuido dessa CPI com seriedade e não deixo que isso aqui vire circo”, prosseguiu. “Porque no dia que for começar a virar circo aqui, acaba, essa CPI acabou. O presidente sou eu. Uso minha prerrogativa, com muito respeito a todos”, concluiu.

Em seguida, Soraya afirmou que se sentiu ofendida com as colocações de Cleitinho e pediu para que ele se apresentasse nas demais reuniões da comissão para auxiliar nos trabalhos contra “máfias” dos jogos ilegais. “Não estou aqui para lacrar. Tem gente que pensa que entrou aqui para ser influencer. Não estuda, não se aprofunda. Tem que se preocupar com as causas que importam para o País”, disse Soraya.

“Todas as CPIs são importantes. Esse caso é extremamente grave e nós já falamos aqui diuturnamente que nós não conseguimos acabar com as Bets. […] Nós somos importantes sim, porque nós estamos legislando para proteger os jogadores brasileiros”, completou a senadora.

Virginia Fonseca foi convocada para depor sobre a atuação de empresas de apostas virtuais, as chamadas bets. O depoimento visaria esclarecer o envolvimento de influenciadores digitais na promoção de jogos de azar e apostas online.

A CPI das Bets foi criada para entender o papel dos influenciadores digitais na promoção de apostas online, especialmente entre públicos vulneráveis, como menores de idade. Virginia, com seus mais de 53 milhões de seguidores apenas no Instagram, tem sido apontada como uma das figuras centrais na divulgação dessas atividades.

Soraya Thronicke foi quem apresentou o pedido de convocação de Virginia. A parlamentar ressaltou que, devido à popularidade da influenciadora, é necessário compreender o alcance e as implicações éticas de suas ações, especialmente considerando os riscos associados à promoção de jogos de azar e apostas online.

Senadores questionam contratos com casas de apostas

Durante o depoimento, a nora do cantor Leonardo foi questionada pelos senadores da CPI sobre seu envolvimento na promoção de jogos de azar e apostas online por meio de suas redes sociais.  

Em janeiro deste ano, a revista Piauí revelou que Virginia Fonseca firmou, em 2022, um contrato com a plataforma de apostas online Esportes da Sorte, no qual ela recebe 30% do valor perdido por seus seguidores que utilizam seus links promocionais. Por exemplo, se um apostador perde R$ 100, Virgínia embolsa R$ 30. Esse modelo de remuneração foi descrito como o “cachê da desgraça alheia”.

Na CPI, Virginia respondeu a perguntas do senador Izalci Lucas (PL-DF) sobre o suposto ganho com o valor perdido por seus seguidores com apostas.

“O que aconteceu foi o seguinte: fechei meu contrato com a Esportes da Sorte e esse valor que eles pagavam, se eu dobrasse o lucro deles, eu recebia. Nunca teve isso de perda dos seguidores. Esse valor nunca foi atingido, nunca ganhei nada. Se eu dobrasse o lucro, eu recebia 30% a mais da empresa. Não cheguei a isso. Isso era um contrato padrão”, afirmou a influenciadora.

Ela também foi questionada se alerta seus seguidores sobre os riscos com apostas online

“Quando posto, eu sempre deixo muito claro que é um jogo, que pode ganhar e perder, que menores de 18 anos não podem, coloco sempre as imagens exigidas pelo Conar. Sempre deixei isso claro. Nunca falei para entrar, que a pessoa vai fazer o dinheiro da vida dela”, garantiu.

Já Soraya Thronicke perguntou a Virginia qual foi maior valor que ela recebeu por uma campanha de apostas. “Me reservo ao direito de ficar calar”, respondeu a influenciadora digital. Em seguida, a senadora a questionou se todos os valores foram declarados à Receita. Virginia garantiu que sim.

Soraya Thronicke também perguntou à Virginia Fonseca se ela pensa em deixar de fazer publicidade para bet. Ela disse que pensaria, mas lembrou que vários influenciadores, clubes de futebol e veículos de comunicação são patrocinados por casas de apostas online.

“Vou pensar sobre. Não vou mentir, vou pensar. Mas gostaria que a senhora chamasse aqui todos os clubes de futebol, todas as emissoras, tudo que hoje tem bet. Eu vivo de publicidade. Tenho um contrato, não é fácil quebrar um contrato. Vou pensar sobre, não vou mentir para a senhora. Mas, hoje, o Brasil inteiro tem bet”, alegou a influenciadora.

Gilmar garantiu a Virginia o silêncio na CPI

Em decisão dada na segunda-feira (12), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou que Virginia permaneça em silêncio em relação a fatos que possam incriminá-la durante o depoimento. A decisão atendeu parcialmente ao Habeas Corpus impetrado pela defesa da influenciadora, que alegava o risco de autoincriminação. 

A medida, no entanto, não isentou de comparecer à CPI, uma vez que, como convocada, ela é obrigada a prestar depoimento. De acordo com a decisão de Gilmar Mendes, a influenciadora tem o direito de não se autoincriminar, mas será obrigada a responder a perguntas sobre outros investigados e não poderá mentir ou omitir informações sobre terceiros.