BRASÍLIA — Deputada em primeiro mandato e eleita pelo Estado do Rio de Janeiro, Dani Cunha (União Brasil) capitaneou as articulações na Câmara para garantir o aumento em 18 vagas do número de deputados federais. 

A proposta apresentada por ela e com relatório do correligionário Damião Feliciano (União Brasil-PB) previa a ampliação das vagas na Câmara e passou pelo crivo do plenário com placar apertado — 270 deputados votaram pelo aumento no número de cadeiras, enquanto outros 207 rejeitaram a possibilidade. 

A medida impõe um aumento dos atuais 513 deputados para 531 a partir de 2027 — com um impacto de R$ 65 milhões para os cofres públicos por ano; R$ 260 milhões a cada quatro anos. A proposta ainda depende de aprovação do Senado Federal e de sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para valer.

Dani Cunha é filha de Eduardo Cunha. Cassado e condenado à inelegibilidade, ele mantém influência na Câmara dos Deputados — pelo parentesco, pelos aliados que conquistou, pela força no Rio de Janeiro e ainda pelo poder remanescente de quando presidiu a Câmara entre 2015 e 2016 e idealizou o Orçamento Secreto. 

Nos bastidores, parlamentares avaliam que a “presença fantasmagórica” de Eduardo Cunha paira corriqueira pelos corredores, principalmente do Anexo IV, onde frequenta o gabinete de Dani. O interesse da deputada do União Brasil na quantidade de cadeiras na Câmara não é aleatório, mas de proteção à própria bancada.

A partir do último Censo Demográfico de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Câmara deveria redistribuir o número de deputados por Estado.

A Corte identificou que alguns Estados tinham menos deputados que o necessário para garantir a representação adequada, enquanto outros tinham mais que o suficiente. Tudo partindo do critério de proporcionalidade determinado pela Constituição.

Pelos cálculos, sete Estados perderiam deputados: Alagoas, Piauí, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro. Outros sete ganhariam: Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e Santa Catarina.

A bancada fluminense se revoltou contra a possibilidade e ganhou um aliado importante nessa briga: o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB) — cujo Estado, a Paraíba, também perderia com a redistribuição.

Questionando a eficiência do Censo Demográfico feito durante a pandemia de coronavírus, Dani Cunha propôs o Projeto de Lei Complementar (PLP) 177 em 2023. A proposta dela proibia que os Estados perdessem deputados e permitia a criação de novas vagas.

O texto foi desengavetado por Hugo Motta nesse mês de abril. Ele designou um deputado de seu próprio Estado, Damião Feliciano, como relator. e a votação foi acelerada graças à pressão da bancada do Rio de Janeiro e de figuras importantes

Pressão para votar rápido

O argumento central é que o STF impôs um prazo à Câmara para resolver o problema: 30 de junho de 2025. Os líderes de seis bancadas assinaram um requerimento de urgência para acelerar a votação da proposta.

Foram eles: Gilberto Abramo (Republicanos-MG), Isnaldo Bulhões (MDB-AL), Rodrigo Gambale (Podemos-SP), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Doutor Luizinho (PP-RJ) e Lindbergh Farias (PT-RJ) — cinco deles representam algumas das maiores bancadas da Câmara. 

Durante toda a sessão para votação do requerimento de urgência e, depois, da proposta, Dani Cunha cercava Hugo Motta sentado à mesa do plenário. Ela não era a única. Outra personagem importante para a articulação foi a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ). 

As defesas mais enfáticas da proposta couberam a Dani, mas também a dois líderes de Estados interessados no aumento do número de deputados: Luizinho e Isnaldo — eles são, aliás, aliados de primeira hora de Motta.

Ainda que esses caciques tenham apoiado a ampliação das vagas, a proposta dividiu o chão de fábrica dos partidos na Câmara. Um dos principais opositores à ideia é justamente um colega de partido de Dani Cunha e do relator Damião Feliciano: o deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP).

Dos 60 deputados do partido, 35 votaram pelo aumento do número de cadeiras; 17 votaram contra. Oito não se manifestaram.

Prejuízo para os cofres públicos

Nas justificativas que apresentou na tribuna do plenário, Dani Cunha defendeu que não se tratava propriamente de um aumento, mas de um reajuste. “Quando houve a alteração do número de cadeiras, em 1993, houve a mudança do número de 480 para 513 cadeiras, um aumento muito maior do que esse de que se está falando agora. Passaram-se 31 anos. Nesses 31 anos, tivemos um crescimento populacional de mais de 100%”, afirmou.

 “O ajuste, meus pares, é de 3,5%, o que é considerado praticamente um reajuste”, completou. Ela argumentou ainda que a criação das novas 18 cadeiras não representaria um impacto Orçamentário para a Câmara.

“Todos aqui sabem com clareza que não haverá aumento na despesa. Hoje há uma devolução anual de 200 milhões de reais, 300 milhões de reais pela Câmara dos Deputados, e parte desses recursos serão usados para custear essa nova bancada”, justificou.

Na prática, o próprio relatório de Damião Feliciano relativiza a declaração da deputada. Segundo cálculos da diretoria-geral da Câmara, cada novo deputado custará R$ 3,6 milhões por ano — incluídas as despesas com salário, cota parlamentar e outras benesses que entram na conta dos cofres públicos.

A criação de 18 cadeiras representa um impacto anual de R$ 64,6 milhões; ou R$ 258,4 milhões por legislatura. Kim Kataguiri também rejeitou a argumentação da deputada.

“Dizem que não existe custo para a lei, mas o custo real existe, porque, toda vez que esta Câmara gasta menos do que é previsto, o dinheiro volta para o Governo”, declarou. “Esse dinheiro volta para o cofre da União, volta para o Governo fazer política pública. Então, a desculpa de que não há gasto é falsa. Há gasto real, sim, para a população”, acrescentou.

Câmara tinha outra opção?

A Câmara poderia ter optado por redistribuir as 513 vagas para os 26 Estados e o Distrito Federal. Uma proposta nesse sentido chegou a ser discutida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no ano passado, mas sofreu críticas das bancadas que perderiam cadeiras com a mudança. Na época foi feito um cálculo a partir do qual sete Estados perderiam cadeiras para outros sete poderem ganhar. Assim, não seria necessário criar novas vagas para deputados. 

Por que criar 18 vagas?

O relatório do deputado Damião Feliciano, aprovado na terça-feira, prevê a criação de 18 cadeiras para corrigir a distorção identificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Inicialmente, seriam necessárias 14 vagas para contemplar os Estados hoje sub-representados. Mas, o deputado Feliciano defendeu que não seria suficiente. Ele justificou que a criação das 14 vagas não seria justo com os Estados do Paraná, Mato Grosso e Rio Grande do Norte. 

“O acréscimo de 14 cadeiras, no entanto, apresenta três situações visíveis de desproporções, de modo que Estados com população maior do que outros se manteriam com menor representação”, pontuou. “Faz-se necessário, a nosso ver, a promoção de ajustes nesses casos específicos”, defendeu.

Pela proposta aprovada pela Câmara dos Deputados, nove Estados vão ganhar cadeiras: Amazonas (2); Ceará (1); Goiás (1); Mato Grosso (2); Minas Gerais (1); Pará (4); Paraná (1); Rio Grande do Norte (2); Santa Catarina (4). O projeto ainda depende de aprovação do Senado e da sanção do presidente Lula. 

Veja abaixo como fica cada bancada da Câmara dos Deputados com as mudanças sugeridas:

  • Acre: continua com 8 vagas;  
  • Alagoas: continua com 9 vagas;  
  • Amapá: continua com 8 vagas;  
  • Amazonas: ganha duas vagas, saindo de 8 e saltando para 10; 
  • Bahia: continua com 39 vagas;  
  • Ceará: ganha uma vaga, saindo de 22 e saltando para 23;  
  • Distrito Federal: continua com 8 vagas;  
  • Espírito Santo: continua com 10 vagas;  
  • Goiás: ganha uma vaga, saindo de 17 para 18;  
  • Maranhão: continua com 18 vagas;  
  • Mato Grosso: ganha duas vagas, saindo de 8 e saltando para 10; 
  • Mato Grosso do Sul: continua com 8 vagas;  
  • Minas Gerais: ganha uma vaga, saindo de 53 e saltando para 54;  
  • Pará: ganha quatro vagas, saindo de 17 e saltando para 21 
  • Paraíba: continua com 12 vagas;  
  • Paraná: ganha uma vaga, saindo de 30 para 31;  
  • Pernambuco: continua com 25 vagas; 
  • Piauí: continua com 10 vagas;  
  • Rio de Janeiro: continua com 46 vagas;  
  • Rio Grande do Norte: ganha duas vagas, saindo de 8 e saltando para 10; 
  • Rio Grande do Sul: continua com 31 vagas;  
  • Rondônia: continua com 8 vagas;  
  • Roraima: continua com 8 vagas;  
  • Santa Catarina: ganha quatro vagas, saindo de 16 e saltando para 20;  
  • São Paulo: continua com 70 vagas;  
  • Sergipe: continua com 8 vagas;  
  • Tocantins: continua com 8 vagas.