BRASÍLIA - Os vaivéns do Projeto de Lei (PL) para criar um marco do licenciamento ambiental, discutido há 21 anos no Congresso Nacional, se aproximam de um ponto final com a perspectiva de votação da proposta até o dia 18 na Câmara dos Deputados. A análise no plenário dois meses após a aprovação do texto no Senado Federal é a última etapa antes dele ir à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Designado relator, o deputado Zé Vitor (PL-MG) avalia que a versão votada pelos senadores foi suficientemente amadurecida e carece de ajustes para ser carimbada pelo plenário da Câmara.

A proposta que o deputado tem em mãos prevê a criação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, um arcabouço legal para uniformizar as muitas legislações que tratam sobre a concessão das licenças e alterar as regras que valem hoje. Enquanto ambientalistas, entre eles a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, avaliam que o projeto afrouxa as regras ambientais e contribui para a devastação, os setores produtivos e outras bancadas avaliam que ele é o meio necessário para desburocratizar os processos.

O relator rebate as críticas e vê um viés ideológico interferindo e desembocando em uma análise negativa da proposição. “Precisamos tirar a questão ideológica, a questão eleitoreira, e trazer para a parte técnica, para a parte racional”, considerou. As divergências em torno da lei geral se apresentam também no âmbito do governo, e a ministra Marina Silva é praticamente voto vencido com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de aliados da cozinha do Palácio do Planalto, entre eles o ministro Rui Costa, da Casa Civil.

“Boa parte do governo tem o entendimento que o projeto é inteligente, racional e necessário. A outra parte ainda me parece presa a uma questão ideológica. E essa é, simplesmente, uma questão técnica. Estamos definindo um rito geral para o Brasil na análise do processo de licenciamento ambiental”, ponderou Zé Vitor.

Ainda que esteja pacificado na bancada ruralista, entre deputados do Centrão e ainda entre certos governistas, o projeto deverá sofrer alterações e ajustes antes de ir à votação no plenário da Câmara dos Deputados. Um dos entraves é a inclusão da mineração de grande porte e de alto risco na Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A versão votada pelo Senado prevê que esses empreendimentos sejam submetidos às novas regras. Críticos dessa emenda incluída pelos senadores argumentam que o adequado seria manter a concessão das licenças para mineração a cargo do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). 

Há, ainda, outras polêmicas que cercam a proposta. Uma delas é a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), ferramenta adotada por Estados como Bahia, Ceará e Rio Grande do Sul. O modelo permite que empreendedores obtenham suas licenças a partir de uma autodeclaração. Nela, o proprietário diz conhecer a legislação e assume o compromisso de cumprir todas as exigências ambientais. A LAC, segundo o projeto da Lei Geral, seria aplicada aos empreendimentos e às atividades que têm baixo impacto ambiental.

O relator na Câmara defende a manutenção dessa previsão na lei. “O texto me parece muito maduro. Há uma grande discussão sobre a Licença por Adesão e Compromisso. O empreendedor vai até o órgão e diz o seguinte: 'conheço as normas ambientais e assumo o compromisso de cumprir, sabendo que, se eu não cumprir, as penas serão dobradas'”, explica.

A bancada ruralista é uma das principais patrocinadoras da proposta e trabalhou pela aprovação no Senado. Coube à vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatar o Projeto de Lei, que, na Câmara, também foi entregue a outro diretor do grupo, o deputado Zé Vitor. O elo da proposta com a frente é um dos pontos da crítica que ambientalistas tecem à proposta.

Quais são as críticas às mudanças no licenciamento ambiental?

Principal frente de oposição à Lei Geral do Licenciamento, o Observatório do Clima classificou a proposta como desmonte da política ambiental no Brasil. Em nota técnica publicada em maio, na véspera da aprovação pelo Senado, os ambientalistas consideraram que o projeto pode contribuir para acelerar a degradação com a retirada da exigência do licenciamento para uma série de atividades. “A flexibilização dos estudos, das condicionantes ambientais e do monitoramento pode resultar em desastre e riscos à saúde e à vida da população”, apontou o Observatório do Clima.

A dispensa da licença para atividades rurais de pequeno porte também desperta preocupação no setor. “É uma medida que favorece o agronegócio mais predatório, enfraquece o papel do Estado e abre caminho para conflitos, danos ambientais e insegurança jurídica para os próprios produtores”, completa o documento. Há, ainda, um rol mais extenso de críticas e um temor de que a aprovação da proposta facilite empreendimentos polêmicos como a BR-319, questionada pelos riscos de desmatamento e por ameaça às terras indígenas, e a exploração de petróleo na margem equatorial.

Uma emenda incluída no projeto pelo presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), segue justamente nesse sentido. Ela garante um trâmite ágil para os projetos que o próprio governo considerar estratégicos. A medida é um gesto à exploração na Foz do Amazonas, hoje travada pelo Ibama. Essa emenda é apoiada pelo próprio Palácio do Planalto. O presidente Lula e a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, não escondem o desejo de dar início à exploração petrolífera na região, apesar das resistências da ministra Marina Silva.

O relator rejeita as declarações que atribuem à proposta um caráter flexibilizatório. “Não existe flexibilização. Essa palavra não cabe. Pode se dizer que é uma simplificação, é até aceitável, mas a palavra correta é racionalização. Estamos trazendo regras claras, prazos claros, quem e quando pode se manifestar para o processo ter início, meio e fim. O empreendedor tem o direito de saber, em um prazo razoável, se pode instalar e operar”, afirmou. “Não dá para ter subjetividade. Tem que ter regras claras”, completou.

Em relação à Licença por Adesão e Compromisso, ele analisa que não haverá intervenções em reservas legais e contesta a crítica de que o projeto contribuiria para a devastação ambiental. “É claro que ligou-se à questão da Amazônia. Mas, não estamos tratando de reserva legal ou florestas. Não tem nada disso. Pelo contrário, um dos critérios da LAC é que você não pode ter supressão de vegetação”, justificou.

Com a votação se aproximando, a perspectiva é que o projeto receba uma aprovação expressiva no plenário da Câmara, com adesão, inclusive, de deputados governistas. A tendência é que o PT e outros partidos que compõem a base não fechem questão e liberem seus parlamentares para votar como preferirem. O gesto é um indicativo do apoio velado do Planalto à proposta.