Pouco mais de 24 horas após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciar, em suas redes sociais, recursos para a construção da linha 2 do metrô de Belo Horizonte, questionamentos técnicos sobre o repasse deixaram claro o tamanho do obstáculo para que a tão esperada obra finalmente comece a sair do papel.
O dinheiro prometido (cerca de R$1,2 bilhão), que viria de uma multa paga pela Ferrovia Centro Atlântica (FCA), em 60 parcelas (pelos próximos 5 anos), não poderia ser retido em uma conta do BNDES e destinado para a obra na capital mineira sem passar pelo orçamento federal, como foi prometido pelo governo federal.
Além de não conseguir assegurar verbas, o governo não detalhou vários pontos sobre a obra, como o processo de privatização da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) ou sobre os prazos para o início das ações.
Segundo o jornal "O Estado de São Paulo", o Ministério da Infraestrutura já teria desistido de repassar R$1,2 bilhão para a expansão do metrô de BH. Segundo técnicos do Ministério da Economia, a manobra proposta pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, não poderá ser executada, uma vez que as verbas precisam passar pelo orçamento federal, com previsão de receitas e despesas, ou pelos cofres do Tesouro Nacional. Após anúncio de Tarcísio, técnicos da Economia suspeitaram de um "drible às regras fiscais". Se previstos nos orçamento, como aponta ser necessário a Economia, os valores podem esbarrar no teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas públicos.
Em reunião com a bancada mineira do Congresso Nacional, Tarcísio Freitas assegurou que os recursos já estavam apalavrados e teriam como meta final a obra da capital mineira. No entanto, vários questionamentos feitos sobre prazos para a obra e sobre o repasse das verbas do acordo judicial ficaram sem respostas.
Um dia depois do encontro com os deputados e senadores mineiros, em reunião entre a Casa Civil e representantes da Infraestrutura e da Economia, foi apontado o recuo na destinação das verbas para o metrô.
O ministério da Infraestrutura, no entanto, afirmou que a desistência do repasse é "absolutamente falsa" e que não houve "qualquer deliberação sobre os recursos da devolução de trechos antieconômicos da concessão da FCA após a reunião desta quinta-feira".
"Mais notadamente (é falsa) a informação que atribui ao ministro Tarcísio Gomes de Freitas uma suposta desistência sobre uso do recurso para financiar as obras de mobilidade da Linha 2 do Metrô de BH", disse a pasta por meio de nota.
Questionada sobre a possibilidade de o Ministério da Economia precisar incluir os recursos e despesas no Orçamento geral e se isso poderia inviabilizar a obra do metrô, a assessoria de imprensa do Ministério da Infraestrutura disse que "não". Segundo a pasta, "em primeiro lugar", o próprio Ministério Público Federal (MPF) tem apresentando a possibilidade de que este acordo possa ser construído extrajudicialmente.
Ainda de acordo com a assessoria, caso houvesse a determinação de que o metrô tivesse de ser submetido ao teto de gastos, isso também não inviabilizaria a obra. "Seria questão de priorizar o recurso para ela. Isso se houvesse essa determinação".
A reportagem também questionou a assessoria do Ministério da Economia se os recursos da multa da FCA precisam passar pelo Orçamento, uma vez que ainda não há acordo com a Justiça Federal homologado e espera um posicionamento. O projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) enviada pelo governo federal para o Congresso não contava com a verba da multa. No entanto, o texto ainda pode ser alterado nas duas Casas Legislativas.
Procurado, o senador Carlos Viana (PSD-MG), que é um dos responsáveis pela articulação da obra, afirmou que isso era "uma péssima notícia" e que continuará lutando pelos recursos no orçamento do ano que vem. Ele apontou pressões de outras bancadas, uma precipitação no anúncio e cobrou um posicionamento do presidente Jair Bolsonaro. Leia aqui.
Já o coordenador da bancada mineira, Diego Andrade (PSD-MG), não atendeu aos telefonemas feitos pela reportagem.
Veja as principais incertezas e os obstáculos sobre a obra da Linha 2 do Metrô
Anúncio apressado?
O ministro afirmou que a obra da linha 2 vai ser viabilizada por recursos na casa dos R$ 1,2 bilhão de uma multa aplicada à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), por serviços que não foram prestados. A FCA já começou a pagar, no entanto, o acordo que permite ao BNDES criar uma conta específica para receber esta verba e repassá-la para a realização da obra, ainda não foi assinado.
Esta situação, inclusive, teria gerado desconforto entre os ministros da Economia, Paulo Guedes e Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho; além do advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior, todos deixados de lado por Freitas, mesmo sendo engrenagens importantes no processo, que sequer chegou ao fim.
Rixa interna
Uma certa “ansiedade” de Tarcísio em anunciar a intervenção, inclusive, teria gerado desconforto entre outros ministros. O da Economia, Paulo Guedes, porque ainda não era possível cravar que o recurso não iria mais para o cofre geral do Tesouro Nacional ; o de Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que era ele o responsável por intermediar o acordo com a Justiça Federal e agora está lidando com a insatisfação das categorias; e o advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior, uma vez que a pasta chefiada por ele nem mesmo enviou ainda para o Judiciário o pedido para que o dinheiro fosse transferido para o BNDES.
Mesmo sendo engrenagens importantes no processo, que sequer chegou ao fim todos deixados de lado por Freitas, que ganhou elogios do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele publicou nos perfis das redes sociais, na manhã desta quarta-feira (2), sobre o fato e citou somente o ministro da Infraestrutura. “A criatividade e a determinação do Tarcísio viabilizará a linha 2 do metrô de BH”. Nos bastidores, é dito que o ministro fez “cumprimento com o chapéu dos outros”.
Privatização incerta
A obra de reforma da linha 1 e de construção da linha 2 está orçada na casa dos R$ 3,6 bilhões. Caso os R$ 1,2 bilhão da FCA sejam realmente liberados, ainda restariam R$ 2,4 bilhões a serem pagos. O MInfra afirma que a ideia é privatizar a CBTU, e desta forma, a empresa privada arcaria com o restante do gasto. Outras privatizações almejadas pelo governo federal não saíram do papel, e se esta for mais uma? Como bancar o restante da obra?
O que vai ser gasto onde?
Informações obtidas pela reportagem são de que somente a obra de criação da linha 2, Calafate/Barreiro custariam mais de R$ 3 bilhões. Onde e como o que todo esse recurso seria empregado? E se com o acordo com a FCA sacramentado, já é possível usar R$ 1,2 bilhão para começar a obra de criação da linha 2?
Início das obras
Como o anúncio feito por Bolsonaro e Freitas, muitos outros já ocorreram ao logo desses quase 17 anos por nomes como Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Roussef, Aécio Neves, Marcio Lacerda, dentro outros políticos e agentes públicos, mas como é público e notório, nenhum deles saiu do papel. E agora, existe uma previsão para o início das obras? O governo ou a empresa responsável pela concessão em caso de privatização pretende usar o projeto já elaborado pela MetroMinas ou fará alterações no projeto? Ele precisará passar por alguma atualização?
Fluxo de caixa (questão apontada pelos técnicos da Economia)
No acordo anunciado por Freitas com a FCA, mas que ainda não está sacramentado em favor do metrô, os recursos ficarão em uma conta no BNDES, mas serão depositados em parcelas diferentes ao longo de 60 meses ou cinco anos. A dúvida é, ele será liberado da mesma forma para a obra, a conta gotas ou há alguma alternativa para se acelerar a entrega da ampliação da linha do metrô da capital? Os valores só serão incluídos no orçamento após todo o pagamento da dívida, daqui a 5 anos?
Especialista diz que é preciso previsão orçamentária
O economista Raul Velloso disse que a partir do momento em que há o repasse dos recursos por parte da União, é preciso, sim, que os valores constem na peça orçamentária.
"Na hora de repassar, vai virar gasto da União, e aí tem que estar inserida no Orçamento, sujeito a todas as regras e limitações", explicou. Com relação às receitas, ele acrescentou que o montante não necessariamente precisa estar na peça que será aprovada pelo congresso, mas vai necessitar passar pelo que ele chamou de "ritual orçamentário".
"O Orçamento só é feito e entregue em um momento do ano. Quando surge a necessidade de enquadrar algo, isso é feito por lei e projetos que vão ao Congresso levando aquela nova situação. Se for o caso, tende a ser aberto um crédito suplementar com o financiamento da fonte que foi identificada", explicou. De qualquer forma, as receitas precisam ser informadas ao Parlamento.
Com relação às despesas, o especialista lembrou do teto de gastos. "Não podemos esquecer que esse mecanismo é uma restrição. Se já tiver esgotado (o teto), vai ter que conciliar com essa situação".