Após o anúncio do fim das atividades do Aeroporto Belo Horizonte – Carlos Prates (SBPR), situado na região Noroeste da capital mineira, nesta terça-feira (14/3), o futuro da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) ganhou contornos de ainda mais dúvidas. Enquanto o ministro Márcio França (Portos e Aeroportos) fala em expandir a operação da Infraero com a inauguração de mais 100 complexos regionais menores, a empresa concedeu à iniciativa privada 59 estruturas desde 2011, quando a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) iniciou uma série de leilões para venda dos seus aeroportos. Com o fim da operação do SBPR, a companhia pública vai administrar diretamente, sem considerar os contratos assinados com estados e prefeituras, somente o Santos Dumont, no Rio de Janeiro. 

Apesar de 53 das 59 concessões feitas pela Infraero desde 2011 terem acontecido nos governos dos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fala em retomar o protagonismo da Infraero. “Nós temos que ter aeroporto e ele será subsidiado. Ou seja, ele não vai dar lucro, ele não é para dar lucro, a escola pública não é para dar lucro, o hospital público não é para dar lucro, o aeroporto não é para dar lucro. Pode ser privatizado, mas onde não dá lucro, o governo tem que colocar dinheiro e fazer funcionar”, disse o ministro Márcio França nesta semana, ao anunciar o programa Voa Brasil, que vai oferecer passagens aéreas a baixo custo a servidores, aposentados, pensionistas e estudantes.

Na opinião do diretor da consultoria em aviação Feder Aviation e doutor em Avaliação e Gerenciamento de Riscos e Impactos Ambientais pela UFMG Kerley Oliveira, a perda de protagonismo da Infraero a partir das concessões segue uma tendência mundial de privatização do setor. Apesar de reconhecer isso, o professor da Una aponta que a política pública precisa de ajustes, caso o plano do governo Lula realmente seja ampliar o número de aeródromos. 

“Está mais que comprovado que em algumas áreas a iniciativa privada é mais eficiente. Eu acho que a Infraero pode ser importante para a administração desses aeroportos que não geram lucro. Neles, é muito difícil que a iniciativa privada abrace a causa. Então, nesse primeiro momento, precisamos do braço do governo para fazer a gestão e valorizar o complexo, para depois passá-lo à iniciativa privada”, diz Kerley. 

Se o plano realmente for expandir a gestão da Infraero para aeroportos menores, Kerley pede cautela para respeito às leis de uso e ocupação do solo, justamente para que não haja construção de edificações próximas a essas estruturas. Caso isso aconteça, esses imóveis podem colocar em risco a operação das aeronaves, como aconteceu no Carlos Prates.

O professor de direito constitucional Fabio Tavares Sobreira, que é mestrando em gestão e políticas públicas pela Fundação Getúlio Vargas, concorda com Kerley. "O fim das atividades do Aeroporto Carlos Prates, administrado pela Infraero, traz à tona uma discussão importante sobre o futuro da empresa pública. A privatização do setor de aviação no Brasil pode trazer benefícios, desde que seja feita de forma cuidadosa e planejada. É importante que a qualidade dos serviços prestados e a segurança dos usuários sejam sempre prioridades, e que sejam criados mecanismos de regulação efetivos para garantir a proteção dos interesses da população", diz.

Do lado dos usuários do Carlos Prates, o presidente da Associação dos Concessionários, Usuários e Amantes do Aeroporto Carlos Prates (Voa Prates) Estevan Velásquez diz que o fim do aeródromo em BH vai na contramão do prometido pelo ministro Márcio França e reforça o desmonte da Infraero. “A narrativa do governo é de criar 100 novos aeroportos, mas estamos falando em fechar um dos mais importantes de Minas? Eu entendo que a Infraero tem uma importância grande na nossa aviação. Ela quem possibilitou o surgimento de quase toda a infraestrutura que nós temos hoje. Entendo que a empresa, principalmente após as concessões, funcionaria muito bem para preparar aeroportos (menores), legalizá-los e torná-los viáveis. Ela tem profissionais com know-how para isso”, afirma. 

Em nota, a Infraero informou que " atua como braço executor de políticas públicas para a aviação civil, com a finalidade de implantar, administrar, operar e explorar industrial e comercialmente a infraestrutura aeroportuária". A empresa esclareceu que "em expertise consolidada para oferecer serviços de ponta-a-ponta da infraestrutura aeroportuária, ou seja, desde o projeto, passando pela obra de engenharia, manutenção, gestão e a própria operação, além de oferecer treinamento técnico e desenvolvimento de soluções digitais".

A Infraero ainda informou que possui 2.056 empregados ativos atualmente e 2.983 cedidos para órgãos públicos federais.

Histórico das concessões

O processo de concessões aeroportuárias começou em 2011 com a estrutura situada em Natal. No ano seguinte, a Infraero concedeu à iniciativa privada Guarulhos, em São Paulo; Viracopos, em Campinas; e Brasília. Em 2014, mais dois aeródromos deixaram de fazer parte da administração da empresa: Galeão, no Rio; e o Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, na região metropolitana da capital mineira. Na quarta rodada, em 2017, foram as vezes dos complexos de outras quatro capitais brasileiras: Porto Alegre, Salvador, Fortaleza e Florianópolis. 

A partir da quinta rodada de concessões, o governo federal, já na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), passou a fazer a venda dos aeroportos por blocos, acelerando o processo de privatização. Foram concedidos, em março de 2019, 12 aeroportos, divididos em três grupos, nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste. Já na sexta onda de certames, a União vendeu 22 complexos das regiões Sul, Norte e Nordeste. Com as estruturas dessa última regional, também foi vendida a de Goiânia.

Já na última rodada, a sétima, a Infraero vendeu mais 15 aeroportos, três deles em Minas: os de Uberlândia e Uberaba, no Triângulo; e o de Montes Claros, no Norte do Estado. Também entraram no certame três estruturas do Centro-Oeste brasileiro, cinco situadas no Pará, a de Macapá, uma no Rio de Janeiro e duas em São Paulo. Nesse último Estado, a empresa leiloou um dos maiores complexos de pousos e decolagens do Brasil: o Aeroporto de Congonhas. Essas concessões, no entanto, ainda não foram assumidas pelas empresas privadas.