BRASÍLIA -  Ministros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se posicionaram contra o projeto de lei que equipara o aborto ao crime de homicídio após 22 semanas de gestação, mesmo em casos previstos em lei. Até a tarde deste domingo (15), 16 dos 39 membros do alto escalão manifestaram oposição à proposta que tramita na Câmara dos Deputados. 

Ainda no sábado (15), Lula considerou o projeto uma “insanidade” por punir mulheres vítimas de estupro com uma pena maior do que do seu agressor. No mesmo dia, várias ministras usaram as redes sociais para criticar o projeto: Luciana Santos (Ciência e Tecnologia); Simone Tebet (Planejamento); Nísia Trindade (Saúde) e Margareth Menezes (Cultura).  

As demais ministras se pronunciaram ao longo da última semana, como foi o caso de Anielle Franco (Igualdade Racial); Cida Gonçalves (Mulheres);  Marina Silva (Meio Ambiente); Esther Dweck (Gestão e Inovação); e Sônia Guajajara (Povos Indígenas). 

Simone Tebet critica PL do aborto: ‘Não se iludam’ 

A ministra do Planejamento, que é filiada ao MDB, escreveu pelo X (antigo Twitter) que "ser contra o aborto não pode significar defender o PL do estupro". Tebet julgou o mérito da matéria - que  prevê pena maior para a mulher vítima de estupro do que para o agressor - como "desumano" e “uma ação criminosa da política”.  

“Além de desumano, é uma ação criminosa da Política, que deveria protegê-las. Só as mais pobres não têm acesso à saúde pública antes das 22 semanas”, escreveu. 

"Não se iludam. Esta cruzada por pautas sensacionalistas está apenas começando, porque o que muitos querem é acabar com os casos permitidos por lei (estupro, risco à mulher e anencéfalos)”, escreveu. Em seguida, Tebet convocou os seguidores: “Gritem nas suas redes. #NÃO, NÃO e NÃO".  

Nísia diz que acompanha com ‘grande preocupação’ o debate sobre o PL do Aborto 

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que acompanha com “grande preocupação” o debate sobre o tema. “O PL 1904 é injustificável e desumano”, escreveu pelo X na manhã de sábado.

Nísia escreveu que concorda com o posicionamento da ministra Cida Gonçalves. Ambas defenderam a necessidade de garantir, no Sistema Único de Saúde (SUS), atendimento às meninas e mulheres vítimas de estupro.  

Ministra da Cultura diz que PL do Aborto é retrocesso 

Margareth Menezes foi outra ministra do governo Lula a usar as redes sociais para comentar que o projeto antiaborto representa um retrocesso, uma vez que o país possui legislação sobre o tema.

“Há 80 anos temos uma lei que permite o aborto em casos de estupro. Não podemos retroceder! Caso este PL seja aprovado, meninas vítimas de violência com uma gravidez indesejada, serão punidas com uma pena maior que a do criminoso! Precisamos proteger nossas crianças e mulheres!”, escreveu pelo X.

Ao escrever “punidas”, a ministra da Cultura escreveu a palavra em caixa-alta. 

Luciana Santos diz que PL do Aborto é ‘ataque brutal’ às vítimas 

A ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, que é filiada ao PCdoB, afirmou que o Congresso Nacional “não pode fechar os olhos” para a realidade dos números, que apontam dados sobre a violência sexual contra as mulheres. Ela classificou a proposta como “ataque brutal” às vítimas.

O PL 1904 representa um grande retrocesso civilizatório, além de ser inconstitucional, na medida que fere a dignidade humana. É um ataque brutal contra todas as mulheres que sofrem violência sexual neste país.

“Dos 75mil casos de estupro no Brasil, em 2022, 6 a cada 10 vítimas eram crianças de até 13 anos. 64% dos agressores são parentes da vítima e 68% das agressões ocorreram na residência das vítimas”, escreveu a ministra.   

Haddad diz é preciso pensar no que importa ao país  

No sábado (15), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, discursou para uma plateia de empreendedores, durante a conferência "Despertar Empreendedor", organizada pelo Instituto Conhecimento Liberta (ICL), em São Paulo.

Haddad não citou diretamente o PL do aborto, mas sob os gritos da plateia de “Fora Lira”, ele disse que “a todo momento fica apreensivo” com decisões tomadas em Brasília. "Quando a gente vai para Brasília, a gente não dialoga com o servidor público propriamente dito, a gente vai lá para se defender do que está acontecendo", afirmou o ministro. 

Mais tarde, ainda no sábado, a assessoria de imprensa de Haddad informou que o ministro da Fazenda se referia ao PL do Aborto, ao dizer no evento, que falta comprometimento com projetos que realmente mudem a vida das pessoas para melhor. “É preciso pensar naquilo que importa ao País e nos levará a um lugar melhor. Não vamos enxergar um bom horizonte criando cizânia na sociedade e briga dentro das famílias”, disse o ministro no evento. Esse trecho também foi usado por ele nas redes sociais.  

Paulo Pimenta e Márcio Macedo replicam vídeo de Lula 

Os ministros Márcio Macedo (Secretaria-geral da Presidência da República) e Paulo Pimenta (Secretaria Extraordinária da Presidência para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul) replicaram nas redes sociais, ainda no sábado, um trecho do vídeo da coletiva de imprensa de Lula na Itália, em que o petista critica o PL do Aborto.

Macedo, que é responsável pela pasta que lida diretamente com os movimentos sociais, comentou que “o governo do presidente Lula respeita a vida e trata o aborto nos marcos da constituição brasileira cidadã”. Assim como o petista disse na coletiva de imprensa, o ministro da Secretária-geral reiterou que o aborto no Brasil é uma questão de saúde pública.

Já Paulo Pimenta postou: “Nós deveríamos estar discutindo sobre como proteger as nossas meninas da violência sexual e não sobre como puni-las. Nossa legislação garante acolhimento médico e psicológico para as vítimas de estupro e deve ser respeitada".  

Neste domingo (16), Pimenta publicou um videoclipe com uma animação que denuncia a violência sexual e gravidez infantil. A canção “filho de mãe-menina”, produzida por apoiadores do presidente Lula, critica o moralismo da bancada da Bíblia no Congresso Nacional, que é antiaborto.  

Ministros de Lula criticaram o projeto antes mesmo do petista 

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, foi o primeiro membro do alto escalão do governo Lula a se pronunciar contra o PL do Aborto. 

Almeida manifestou indignação ainda no dia 12 de junho, horas antes da Câmara dos Deputados aprovar, de forma relâmpago, aprovar o requerimento de urgência do PL 1904/2024. Ele classificou o texto como “descalabro” e “acinte” 

“É difícil acreditar que sociedade brasileira, com os inúmeros problemas que tem, está neste momento discutindo se uma mulher estuprada e um estuprador têm o mesmo valor para o direito. Ou pior: se um estuprador pode ser considerado menos criminoso que uma mulher estuprada. Isso é um descalabro, um acinte”, publicou no Instagram e X.  

Em 9 de junho, em entrevista exclusiva ao O TEMPO Brasília, Cida Gonçalves se manifestou sobre o mérito do projeto antes da votação ocorrer.   

"Nós temos uma situação muito complicada hoje no Brasil em relação à questão do aborto legal. A maior parte dos serviços de atendimento às vítimas de violência sexual, se você tem um serviço de atendimento, elas vão a esses espaços nas primeiras 72 horas, terão acesso à contracepção de emergência, à pílula do dia seguinte, e não vão engravidar, então, não precisa chegar ao extremo do abortamento legal”, afirmou à reportagem. 

Quando concedeu entrevista ao O TEMPO Brasília, a ministra disse que que ainda não havia recebido o projeto de lei de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). "Atualmente, no Brasil, como os serviços foram interrompidos, se construiu uma concepção de que aborto legal é aborto irrestrito, que é isso que eles estão trabalhando (...) Isso termina gerando uma perseguição e uma ameaça aos profissionais que realizam esses procedimentos, criando uma situação de calamidade pública”, analisou a ministra.  

Em 12 de junho, quando o requerimento estava pautado, Cida Gonçalves subiu o tom, em entrevista à CNN, ao declarar que a proposta “é gravíssima” e representa um retrocesso aos direitos de mulheres e meninas.  

A ministra disse que seis a cada 10 casos de violências, as vítimas têm até 13 anos. Ela citou que 70% dos casos de violência contra meninas acontecem dentro de casa, no laço familiar.  

“E temos um elemento fundamental que é a demora. O medo da criança, primeiro de saber que está grávida e, segundo, de denunciar o agressor, que [na maioria dos casos] é seu pai, seu irmão ou seu tio”, enfatizou ao dizer que não se pode “estragar a vida de uma menina”.  

Já o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, criticou o projeto logo depois do requerimento de urgência ter sido votado na Câmara dos Deputados. Ele convocou seus seguidores a protestarem. 

“Um parlamentar do Congresso Nacional quer punir novamente a mulher que já sofreu a violência do estupro, algo que nem a sociedade brasileira da década de 1940 admitiu. Você já protestou contra isso?”, escreveu pela rede social X.  

Um dia depois, em 13 de junho, ele se posicionou de maneira mais enfática ao escrever “não ao PL do estupro”. 

Publicação de Janja quebra silêncio do Planalto 

A postagem da primeira-dama, Janja da Silva, ainda na sexta-feira (14), durante viagem com Lula à Europa, sobre o PL do aborto, acabou fazendo com que ministros do petista se posicionassem de forma mais enfática sobre a proposta. 

O ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, declarou que a proposta é uma “barbaridade” ao dizer que o texto não tem apoio da base do governo. 

“Não contem com o governo para mudar a legislação de aborto no país, ainda mais para um projeto que estabelece que uma mulher estuprada vai ter uma pena duas vezes maior do que do estuprador. Não contem com o governo para essa barbaridade”, declarou em entrevista coletiva, durante viagem a Minas Gerais.  

Após cumprir agenda no Palácio do Planalto, a ministra do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, Marina Silva, foi questionada sobre o PL do Aborto. 

Evangélica, Marina Silva disse que é contra o aborto, posição essa que ela mantém há anos. Ainda assim, criticou o projeto de lei de Sóstenes Cavalcante. “Eu acho que é uma instrumentalização de um tema que é complexo, muito delicado na sociedade brasileira. Eu, pessoalmente, sou contra o aborto, mas eu acho que é uma atitude altamente desrespeitosa e desumana com as mulheres", declarou.  

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) chegou a recortar e compartilhar essa declaração da ministra do Meio Ambiente e publicar nas redes sociais.  

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, foi questionado sobre o tema durante agenda dele na Bahia. Ele disse que “o tema é sensível”, e negou que o tema tenha sido pautado pela Câmara dos Deputados como forma de “polarizar com o governo”.  

“Eu acho que esse debate não pode ser encaminhado para a polarização política ou para circunstâncias ideológicas ou religiosas. Eu acho que o debate não deve ser feito nessas circunstâncias, porque haveremos de perder milhares de vidas de jovens que devem ser salvar. Eu acho que o debate não está no bom caminho e, sinceramente não é uma polarização com o governo”.  

Ele disse ainda que existe muita “lacração” na política. “Isso é fruto, na minha opinião, de um momento difícil que a humanidade vive, que substitui o debate de méritos, de conteúdo, um debate denso sobre as coisas (..) E no mundo de hoje, esse mundo de Twitter, da lacração, o que a gente presencia é um mundo que debate menos, ler menos, e que a política vai ficando mais desqualificada”, criticou.  

Inicialmente, Rui Costa respondeu que o tema do aborto é uma questão sensível e adotou um tom religioso na fala. "O que eu sempre disse em temas sensíveis como esse que, para quem, de fato, carrega Deus na alma, no coração, que está na política com esse espírito, com esse espírito cristão, nossa missão é cuidar de gente e salvar vidas humanas, em qualquer circunstância, em qualquer momento”, afirmou.  

“Assim é em circunstâncias fruto de violência, uma jovem, uma adolescente engravidar por um ato de estupro e se ela, dadas as circunstâncias, vai no desespero e provoca um aborto, não é porque perdeu uma vida que vai perder duas, e nós temos que salvar todas as vidas, inclusive a vida da mãe", descreveu o ministro da Casa Civil.  

Embora a coletiva de imprensa tenha sido transmita no canal de Rui Costa no Youtube, ele não usou recortes da fala nas outras redes sociais, e nem escreveu de forma enfática sobre o PL do Aborto.  

Esther Dweck compartilha tuíte de Janja 

Já a ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, compartilhou o tuíte da primeira-dama e chamou o PL do Aborto de nefasto.“O PL 1.904/24, que, por suas nefastas consequências, tem sido chamado de PL do Estupro ou PL da Gravidez Infantil, fere os mais básicos direitos das crianças, adolescentes e das mulheres à vida digna”, escreveu pelo X (antigo Twitter). 

“São direitos que estão expressamente definidos em nossa Constituição e que demonstram os limites de democracia, civilidade e compaixão, dos quais já desfruta o conjunto da sociedade brasileira”, publicou Dweck.  

Também em 14 de junho, a ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara, que é filiada ao PSOL, usou as redes sociais para comentar os protestos nas ruas contra o projeto de lei antiaborto. 

“As massivas manifestações de mulheres nas redes e nas ruas contra o PL 1904/24 mostram o quão absurdo é o conteúdo defendido por esse projeto e quão importante é ouvir a voz daquelas que são as vítimas cotidianas da violência”, escreveu. Em seguida, Guajajara usou a hashtag #CriancaNaoÉMãe como forma de protesto. 

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que se posicionou sobre o assunto, pela manhã, nas redes sociais um dia após o requerimento de urgência ter sido aprovado na Câmara dos Deputados. Em 13 de junho, quinta-feira, Anielle elencou os dados de violência sexual infantil contra meninas. 

“A Câmara aprovou ontem o requerimento de urgência do PL 1904/24, que retrocede os direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e meninas no Brasil e concretamente agrava os casos de gravidez infantil, forçando crianças violentadas a serem mães”, escreveu.  

“Com a aprovação desse requerimento, o PL não passará pelas comissões e vai direto ao plenário. As discussões sobre essa proposta desastrosa para a vida de meninas e mulheres no país tramitam com velocidade e pouco espaço para discussão com a sociedade e especialistas” alertou. 

Em seguida, condenou o fato de que a pena para a mulher vítima do estupro ser maior do que a do estuprador. “Se aprovado, mulheres adultas vítimas de estupro que interromperem a gestão após 22 semanas - bem como os profissionais que realizarem o procedimento - podem ser condenadas por homicídio e serem presas por até 20 anos, o dobro da pena máxima para o agressor do estupro, que é de 10 anos”. 

Entenda o PL do Aborto

Na última quarta-feira (12) foi aprovado na Câmara dos Deputados o regime de urgência para o projeto de lei (1904/24) que equipara ao crime de homicídio simples a realização do aborto após 22ª semana de gestação, mesmo em circunstâncias previstas por lei. A manobra regimental foi aprovada no intervalo de 24 segundos.

O texto foi apresentado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares. Com o regime de urgência, a proposta pode ser analisada diretamente em plenário sem passar pelo aval de comissões temáticas. Cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), decidir quando o texto será analisado.

Atualmente, o aborto é permitido no Brasil em três situações: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. Enquanto os dois primeiros cenários estão previstos no Código Penal de 1940, o último foi permitido pelo Supremo em 2012. Não há, contudo, limite de semanas para a realização do procedimento.

A proposição que tramita na Câmara permite que mesmo nesses casos autorizados por lei, passadas 22 semanas de gestação, a mulher possa responder por homicídio simples, sujeita a uma pena que varia de 6 a 20 anos. A punição é mais severa do que a estabelecida para estupradores: em caso de vítima adulta, a pena é de 6 a 10 anos, e, em caso de vítimas menores de idade, vai de 8 a 12 anos.

Com a repercussão negativa, Lira disse que escolherá uma deputada “mulher, de centro e moderada”, para ser a relatora do projeto. Caso o texto seja aprovado no plenário da Câmara, seguirá para análise do Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que um tema dessa natureza não seria tratado com urgência na Casa.