BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mandou duros recados aos presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Nicarágua, Daniel Ortega. Em entrevista na manhã desta sexta-feira (30), o petista deixou claro um distanciamento dos dois, seus antigos aliados, após eles fazerem declarações agressivas e desrespeitosas ao governo brasileiro por não reconhecer o resultado da eleição venezuelana e pedir libertação de religiosos detidos arbitrariamente pelo regime nicaraguense. 

“Esse comportamento eu não aceito. O Brasil é um país muito grande e não tem contencioso com ninguém, não quer contencioso com ninguém, e quem quiser contencioso com o Brasil não vai ter também. Eu quero cuidar do Brasil. Que o Maduro cuide de lá. Ele arque com as consequências dos gestos deles, que eu arco com as consequências dos meus gestos”, disse Lula à rádio MaisPB, em João Pessoa (PB), ao ser questionado sobre Maduro e Ortega.

Lula reiterou a posição do Brasil em relação às eleições de 28 de julho na Venezuela. “Eu não aceito nem a vitória dele nem a da oposição. Nós estamos exigindo a prova”, ressaltou. Maduro foi declarado vencedor, mas a oposição garante ter provas de que o resultado foi fraudado. O governo brasileiro cobra a divulgação das atas eleitorais, com a quantidade de votos em todas as seções do país vizinho.

“A Venezuela tem um Comitê Nacional Eleitoral, em que tinha três pessoas do governo e duas da oposição. Era esse colégio que daria parecer sobre as atas. O problema é que o presidente Maduro não ouviu esse colégio, passou direto à Suprema Corte. Não estou questionando a Suprema Corte, só acho que tinha que passar pelo colégio eleitoral”, disse Lula. “Estamos exigindo a prova. Ele [Maduro] tem o direito de não gostar. Eu falei que é importante convocar novas eleições”, completou.

Expulsão de embaixadores

Na mesma entrevista, Lula falou sobre a decisão de expulsar a embaixadora da Nicarágua no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matu. O petista citou a reciprocidade, princípio elementar da diplomacia. A decisão foi tomada um dia após ser divulgado que o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, mandou o embaixador brasileiro, Breno Souza da Costa, deixar o país da América Central. 

Ortega tomou a decisão após a ausência do representante brasileiro às comemorações dos 45 anos da Revolução Sandinista, celebrado em 19 de julho. O nicaraguense é um ex-guerrilheiro do movimento de esquerda sandinista, que surgiu nos anos 1970. O Itamaraty informou que o embaixador não foi ao evento por causa do congelamento das relações diplomáticas entre Brasil e Nicarágua em retaliação à prisão de padres e bispos no país.

“Ortega enveredou para outro caminho há muito tempo. Fui à Roma e o Papa pediu para libertar um bispo que estava preso. Eu liguei a Ortega e ele inventou 500 mil desculpas para não me atender. Então eu parei de ligar. Agora, nosso embaixador não participou do evento de comemoração da revolução sandinista. Ele então resolveu pedir para nosso embaixador sair de lá. Então mandei a embaixadora dele embora também”, afirmou Lula.

A relação entre Lula e Noriega vem se deteriorando após o petista contrariar seu ex-aliado em diversas ocasiões, durante o seu mandato. Em junho de 2023, o Brasil subscreveu uma resolução da Organização dos Estados Americanos (OEA) que pedia democracia na Nicarágua.

Também em 2023, Lula fez um discurso em Brasília no Foro de São Paulo, aliança de partidos de esquerda da América Latina. O presidente brasileiro mandou diversos recados a Ortega. “Aliado não é aquele que está toda hora agradando e alisando. Muitas vezes o verdadeiro amigo é aquele que diz que você está errado”, afirmou Lula na ocasião.

União Europeia também não reconhece reeleição

Na quinta-feira (29), o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, disse que o bloco não reconhece a “legitimidade democrática” da reeleição de Maduro. “Consideramos que a vitória eleitoral que ele proclama não foi provada. E como não foi provada, não temos porque acreditar nela. E se eu não acredito que ele ganhou as eleições, não posso reconhecer a legitimidade democrática proporcionada pelas eleições”, declarou Borrell após uma reunião de ministros das Relações Exteriores da UE.

Diante do impasse, o alto representante para a política externa da UE declarou que o bloco “tem pedido repetidamente as atas [eleitorais]. Mas, um mês depois, não há esperança de que Maduro as apresente. É tarde demais para continuar pedindo isso”, declarou. Os ministros europeus concordaram em não reconhecer a proclamada vitória eleitoral de Maduro, mas não houve unanimidade para atribuir o triunfo à oposição.

O chanceler venezuelano, Yván Gil, tachou Borrell de “desavergonhado” e rejeitou a postura. “Nós nos lixamos para seus comentários”, escreveu em mensagem publicada em sua conta no Telegram. “Mas a Venezuela se respeita, aqui venceu a Constituição e a democracia, dedique seus últimos dias no cargo a assumir todas as derrotas que colheu, deixe-nos em paz, chega de tanta ingerência.”