BRASÍLIA - A Controladoria-Geral da União alertou sobre falhas no acompanhamento do cumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família (PBF), programa do governo federal de transferência direta e condicionada de renda para o combate à fome. O órgão divulgou no final de dezembro relatório com base em auditorias realizadas em alguns municípios.
O Programa Bolsa Família beneficia 21 milhões de famílias e 55 milhões de pessoas com pagamentos da ordem de R$ 143 bilhões em benefícios. As condicionalidades são exigências para o pagamento do Bolsa Família, como obrigatoriedade de frequência escolar para crianças e adolescentes e acompanhamento na área da saúde.
Segundo o programa, esse acompanhamento tem como objetivo romper o ciclo de pobreza entre gerações e promover o desenvolvimento e a proteção social das famílias. E cabe aos municípios fiscalizar se as famílias estão cumprindo as seguintes exigências:
- Realização de pré-natal;
- Cumprimento do calendário nacional de vacinação;
- Acompanhamento do estado nutricional de beneficiários com até sete anos incompletos;
- Frequência escolar mínima de 60% para beneficiários de quatro a seis anos incompletos e de 75% para beneficiários de seis a 18 anos incompletos que não tenham concluído a educação básica.
No entanto, o relatório da CGU mostra que houve uma série de falhas nesse acompanhamento, que é requisito para o recebimento do benefício.
“A gestão do Programa não possui a informação do motivo de não acompanhamento de mais de 40% do público para acompanhamento relativo às crianças, atingindo mais de 3,5 milhões de crianças; e o número de mulheres impactadas pela mesma lacuna chega a quase 13% do público para acompanhamento, atingindo mais de 3 milhões de mulheres em relação ao acesso a direitos atinentes à saúde”, diz trecho do documento.
Segundo a CGU, esse nível de falha “compromete a efetividade do Programa, tendo em vista o não alcance do objetivo de ampliar o acesso dessas famílias, que são as mais vulneráveis, aos direitos sociais básicos ofertados pelos sistemas de saúde, de educação e de assistência social”.
CGU aponta necessidade de controle no Bolsa Família
Outro relatório da CGU trata ainda do ingresso no Bolsa Família e na gestão do benefício e alerta para a necessidade de melhorar o controle do programa. O órgão recomenda ao governo federal identificar se quem tem direito está recebendo e se tem beneficiário que não deveria estar no programa.
O documento mostra que 151.427 famílias elegíveis foram excluídas do Bolsa Família. Também foi verificado que 4% das famílias, ou seja, 931.098 famílias com indicativo de impedimento, receberam o benefício entre março e dezembro do ano passado. O custo foi de mais de R$ 1 bilhão.
A CGU conclui, dessa forma, “a existência de falhas de controle relacionadas ao procedimento mensal de revisão de elegibilidade das famílias beneficiadas do PBF, pois as famílias constavam como liberadas nas folhas de pagamento, apesar de apresentarem situações que demandariam a interrupção, temporária ou permanente, do pagamento dos benefícios”.
Consta no relatório que, após a auditoria, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome iniciou melhorias em "ações intersetoriais com os Ministério da Educação e da Saúde, com o intuito de qualificar o registro dos motivos de não cumprimento das condicionalidades".
Cidades mineiras são apontadas em relatório da CGU
Em Minas Gerais, o relatório aponta auditoria realizada em três cidades: Porteirinha, no Extremo-Norte do Estado; Governador Valadares, na região do Vale do Rio Doce; e São Gotardo, no Triângulo Mineiro.
Governador Valadares
O município tem cerca de 257 mil habitantes, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em janeiro de 2024, tinha 17.941 famílias atendidas pelo Bolsa Família.
Auditoria da CGU detectou que as taxas de acompanhamento das condicionalidades no município estavam abaixo da média nacional devido à falta de comunicação e coordenação entre as secretarias de Assistência Social, Saúde e Educação. Por exemplo, apenas 34% das crianças menores de sete anos foram acompanhadas na área da saúde, enquanto a média nacional é de 55%.
A CGU também apontou a ausência de campanhas para conscientizar as famílias sobre a importância do cumprimento das condicionalidades.
São Gotardo
Com uma população de 40.910 habitantes, São Gotardo tinha, em janeiro de 2024, cerca de 2.199 famílias atendidas pelo Bolsa Família.
A CGU destacou que o acompanhamento das condicionalidades de saúde na cidade era “alarmantemente baixo”: apenas 3,9% das crianças menores de sete anos foram acompanhadas, sendo que a média nacional era de 55,6%.
Conforme o relatório, na área da educação, havia uma distorção na classificação de alunos não localizados, o que falseou a cobertura do acompanhamento, colocando-a em 99%.
A auditoria identificou também que a alta população flutuante — causada por empregos sazonais no agronegócio — aumentou o número de alunos não localizados. Nesses casos, foi usado o código “Transferência em andamento/pendente”, o que mascarou a realidade.
No campo da assistência social, a CGU apontou que o sistema Sicon, onde as informações devem ser registradas, não era utilizado adequadamente, dificultando a identificação de famílias em descumprimento das condicionalidades.
A gestora do PBF no município informou à CGU não ter acessado o Sicon nos últimos quatorze meses, por indisponibilidade do sistema.
Porteirinha
O município, com pouco mais de 37 mil habitantes, em dezembro de 2023, tinha 4.637 famílias beneficiárias, totalizando 13.450 pessoas.
O relatório divulgado pela CGU destacou como um problema a centralização da inserção de dados no Sicon pela coordenação local do programa, impedindo que as áreas de saúde e educação gerenciassem os dados de forma independente. O órgão apontou também a falta de clareza dos gestores sobre os procedimentos para registro e acompanhamento, apesar das capacitações oferecidas pelo Ministério do Desenvolvimento Social.
Além disso, o documento alertou que os conselhos municipais não adotaram medidas efetivas para monitorar as condicionalidades, comprometendo a fiscalização.
Na área da saúde, foi detectado ainda que o acompanhamento das famílias no posto de saúde foi realizado sem diferenciar aquelas que precisavam cumprir condicionalidades das demais, utilizando dados da Estratégia Saúde da Família (ESF), sem ajustes.