Em meio a uma crise institucional envolvendo a atual cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a instituição informou, por meio de nota, que é “a maior interessada na apuração rigorosa dos fatos” relacionados à operação deflagrada, na última quinta-feira (26), pela Polícia Federal (PF). A investigação teve como principal alvo o ex-diretor do órgão e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Em nota divulgada na quinta-feira (25), mesma data da operação da PF, a Abin afirmou que atual gestão colabora há 10 meses com inquéritos da PF e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre “eventuais irregularidades cometidas no período de uso de ferramenta de geolocalização”, entre 2019 e 2021. “A ABIN é a maior interessada na apuração rigorosa dos fatos e continuará colaborando com as investigações”, completou o órgão.
A entidade de classe que representa os servidores da agência, a União dos Profissionais de Inteligência de Estado da ABIN (Intelis), também publicou nota em que critica a gestão anterior de Alexandre Ramagem. O texto classifica o ex-diretor e seus auxiliares de “atores exógenos politicamente condicionados”.
A Intelis ainda reafirmou a confiança nos profissionais de carreira do órgão que, segundo a instituição, “são os maiores interessados na apuração republicana sobre eventuais desvios ou mau uso das ferramentas de Inteligência”.
Crise na direção atual da agência
A operação da PF acabou atingindo diretamente o atual comando da Abin. Segundo a corporação, os diretores, já no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tentaram interferir nas investigações sobre o uso do software espião FirstMile durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com o blog da Andréia Sadi, do portal G1, com o avanço das investigações, o governo avalia demitir o diretor-geral da agência, Luiz Fernando Corrêa, e o diretor-adjunto, Alessandro Moretti, que é o número dois da pasta.
Em relatório usado pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes para embasar o despacho em que autorizou a operação de busca e apreensão nos endereços de Ramagem, investigadores da PF avisaram sobre essa interferência.
No documento, o órgão investigador argumenta que "a direção atual da Abin realizou ações que interferiram no bom andamento da investigação", o que designa "conluio de parte dos investigados com a atual alta gestão da Abin", causando prejuízos à investigação e também à própria agência.
Ainda foi citado que Alessandro Moretti teria se reunido com os investigados para dizer que a apuração da PF em curso teria "fundo político e iria passar". Moretti foi o número dois de Anderson Torres quando ele era secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.
A declaração foi vista como uma “postura não esperada de Delegado de Polícia Federal que, até dezembro de 2022, ocupava a função de Diretor de Inteligência da Polícia Federal, cuja a Divisão de Operações de Inteligência lhe era subordinada”.
"A reverberação das declarações da Direção da Abin, portanto, possui o condão de influir na liberdade e na percepção da gravidade dos fatos pelos investigados ao afirmar a existência de 'fundo político' aos investigados", diz um trecho do despacho.
Operação Vigilância Aproximada
A operação Vigilância Aproximada foi deflagrada para investigar o que chamou de “organização criminosa que se instalou" na Abin. O intuito é apurar as denúncias de monitoramento ilegal de autoridades públicas e outras pessoas, utilizando ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis, como celulares, sem autorização judicial.
Foi durante a gestão de Ramagem, entre julho de 2019 e abril de 2022, que a PF identificou o uso de um sistema de geolocalização de dispositivos móveis (GPS) sem a devida autorização judicial por servidores. Uma primeira operação sobre o caso foi deflagrada em outubro de 2023, mas não teve o político como alvo direto.
Investigações dão conta de que jornalistas, advogados, políticos e adversários do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estão entre as pessoas que foram monitoradas ilegalmente por um grupo de agentes da Abin. Os ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes teriam sido alvos desse monitoramento, assim como o hoje ministro da Educação, Camilo Santana, que na época era governador do Ceará.
Ao todo, a PF cumpriu 21 mandados de busca e apreensão no Brasil. Foram 18 em Brasília (DF), 1 em Juiz de Fora (MG), 1 em São João del Rei (MG) e 1 no Rio de Janeiro (RJ). Além disso, sete policiais federais supostamente envolvidos no monitoramento ilegal de adversários políticos foram afastados do cargo.