QUEDA DE BRAÇO

Distribuição de dividendos da Petrobras é nova briga entre Silveira e Prates

Presidente da estatal e o ministro de Minas e Energia travam uma batalha por influência no mercado e pela atenção de Lula

Por Manuel Marçal
Publicado em 13 de março de 2024 | 13:16
 
 
 
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A crise envolvendo a distribuição dos dividendos extraordinários da Petrobras aos acionistas  não se limitou a impactos econômicos imediatos, como a queda bilionária no valor de mercado da estatal, mas também gerou implicações políticas. 

O episódio destacou, mais uma vez, a crise entre o presidente da petroleira, Jean Paul Prates, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. O embate contínuo entre os dois tem sido uma constante nos bastidores do governo federal. 

Suas visões políticas e econômicas distintas transformaram suas interações em verdadeiros duelos públicos, marcados por críticas mútuas e alfinetadas abertas. E coube até mesmo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) interferir nessa relação para acalmar os ânimos. 

Entenda abaixo sobre os últimos acontecimentos dessa relação marcada por divergências. 

O que são dividendos extraordinários? 

Os dividendos são parte dos lucros da empresa repassados aos investidores. No caso dos dividendos extraordinários, trata-se de um pagamento extra pago aos acionistas, para além do mínimo obrigatório. Nesse sentido, foram distribuídos apenas R$14 bilhões dos dividendos ordinários (obrigatórios). 

Em relação à Petrobras, quem define se paga ou não os dividendos extraordinários são os conselheiros. Como maior acionista da estatal, o governo possui 6 dos 11 membros do Conselho de Administração da estatal. Outros membros conselheiros representam funcionários e acionistas minoritários da empresa. 

O que significa para o mercado quando o repasse não é feito?

Dividendos extraordinários são pagos aos acionistas quando uma companhia tem lucros acima do resultado esperado. Existia a expectativa que ao menos 50% do repasse fosse feito pela Petrobras, seguindo a linha que vem sendo adotada pela companhia desde 2021. 

Analistas inclusive avaliam que esse tipo de repasse, acima da média, é um dos grandes atrativos de ações da companhia. Com a expectativa frustrada, o mercado interpretou que houve interferência do governo federal na decisão da estatal. 

Por que esse repasse não foi feito? 

Pelo fato do pagamento não ser obrigatório, a Petrobras informou ao mercado na quinta-feira passada (7), ao divulgar o balanço financeiro - em que registrou lucro líquido de R$124,6 bilhões -, que não faria o repasse dos dividendos obrigatórios. 

O Conselho de Administração decidiu reter todo o montante dos dividendos extraordinários em um fundo de reserva. Segundo o estatuto da Petrobras, o recurso extraordinário deve ser usado para remunerar os acionistas ou, caso necessário, cobrir possíveis prejuízos. 

O diretor financeiro e de relações com investidores da Petrobras, Sérgio Caetano Leite, reconheceu que a decisão “frustra os investidores” e justificou que a decisão do Conselho foi para analisar melhor os cenários, e que há um cenário de investimentos futuros. Há quem acuse o governo de interferência. 

Posicionamento de Jean Paul Prates

Quando Jean Paul Prates apresentou os resultados financeiros da companhia no quarto trimestre de 2023, na semana passada, ele se absteve de votar conforme orientação do Palácio do Planalto em não distribuir os dividendos extraordinários aos acionistas.

Ele chegou a alegar intervenção dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira. O presidente da Petrobras defendia que metade dos R$ 43,9 bilhões retidos em reserva fossem repassados aos acionistas. 

Prates disse ainda ao governo que se o pagamento dos dividendos extraordinários não fosse feito, isso representaria um sinal negativo ao mercado. De fato, a Petrobras sofreu, em um único dia, um tombo de R$ 55 bilhões em valor de mercado. 

Posicionamento de Alexandre Silveira e outros ministros 

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendia que o dinheiro ficasse no caixa da estatal, uma vez que os dividendos ordinários já seriam repassados aos investidores. Conforme a Lei das S/A, os dividendos retidos não podem ser usados para fazer investimentos. Silveira contou com apoio e respaldo do ministro da Casa Civil que tem o mesmo entendimento. 

A influência do ministro de Minas e Energia e de Rui Costa em conselheiros da Petrobras irritou Jean Paul Prates que viu, mais uma vez, intromissão dos colegas em assuntos ligados à estatal. O desgaste maior foi com Alexandre Silveira, que sempre fala abertamente sobre temas ligados à petroleira. 

Posicionamento do presidente Lula

Houve tanto de Prates, quanto de Silveira, guerra de narrativa nos bastidores por meio de emissários. Chegou-se a ventilar que o presidente Lula teria sido orientado, erroneamente, em represar os dividendos extraordinários. 

Essa versão, no entanto, foi contrariada pelo presidente da República pouco tempo depois durante entrevista ao SBT, na última segunda-feira (11), quando atacou o mercado ao comentar sobre a distribuição dos lucros aos investidores. 

"A Petrobras não é apenas uma empresa de pensar nos acionistas que investem nela. A Petrobras tem que pensar em investimento e em 200 milhões de brasileiros que são donos ou sócios dessa empresa", afirmou. 

Lula também expressou críticas ao mercado financeiro, caracterizando-o como um "rinoceronte, um dinossauro voraz que busca tudo para si e nada para o povo".

Jean Paul Prates vai ser demitido?

Diante o posicionamento contrário do presidente da estatal à como pensa o Palácio do Planalto sobre a distribuição de dividendos e somado a outros episódios, interlocutores do governo chegaram a ventilar a possibilidade de Jean Paul Prates ser demitido. 

Em meio a essa crise, Lula convocou os auxiliares para uma reunião de mais de três horas na sede do governo federal na segunda-feira (11). Participaram do encontro: Prates, Silveira, os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Fernando Haddad (Fazenda), e diretores da Petrobras

Ao término do encontro ficou decidido que Prates continua no cargo. Além disso, o governo federal sinalizou que os dividendos extraordinários podem ser pagos, mas que o Conselho de Administração da empresa vai discutir quando e como isso vai acontecer. 

Em entrevista à imprensa após a reunião, Haddad e Silveira disseram que em nenhum momento foi tratado sobre a saída do presidente da Petrobras do cargo. Por sua vez, o presidente da estatal afirmou que não falaria mais sobre a questão dos dividendos. 

Ainda assim, a avaliação de interlocutores do Palácio do Planalto é que Prates ganhou uma sobrevida no cargo e terá que mostrar resultados à frente da companhia. Na prática, ele terá que anunciar investimentos. Isso porque, caiu mal e Lula ainda não engoliu o fato dele se abster quando o Conselho de Administração da Petrobras decidiu reter os dividendos extraordinários. 

Prates conta com o apoio do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que defende a permanência dele no comando da estatal. O chefe da equipe econômica do governo inclusive indicou um auxiliar próximo para ser conselheiro na Petrobras. O secretário executivo adjunto da Fazenda, Rafael Dubeux, responsável por coordenar os trabalhos de transição ecológica, deve ser indicado oficialmente nos próximos dias. Ao lado de outros cinco escolhidos pelo governo federal, Dubeux deve assumir o mandato em abril, após Assembleia-Geral dos acionistas da estatal.

Águas passadas

No início da noite de segunda-feira, em uma tentativa de mostrar problemas superados, Lula publicou foto com todos os presentes na reunião e escreveu “boa reunião”, sem dar mais detalhes. 

Na fotografia, o petista está ao centro, de pé, sorrindo e dando joia com as mãos. Do lado direito está Silveira, e do lado esquerdo do petista está Prates. Ambos repetem o gesto de Lula. 

E agora?

A queda de braço entre Silveira e Prates respingou em outros órgãos e vai gerar um efeito cascata de mudanças nas demais estatais do governo federal. Na terça-feira (12), Rui Costa informou que o governo vai fazer um “rodízio” nos conselhos de administração das estatais de forma a “oxigenar” os colegiados. 

“Esse rodízio nós vamos fazer em outros lugares, rodízio de pessoas de um conselho para outro. Até para oxigenar os conselhos das estatais a gente vai fazer com algumas pessoas esse rodízio. Não é exclusivo da Petrobras, nós haveremos de fazer esse rodízio em outros conselhos também", disse o ministro da Casa Civil. 

A declaração de Rui Costa ocorre também no mesmo dia em que um conselheiro da Vale S.A renunciou ao cargo e denunciou “interferência política” do governo federal no processo de sucessão da mineradora. José Luciano Duarte Penido era representante dos acionistas minoritários.

Embora o Executivo Federal não detenha o comando da Vale, o Palácio do Planalto pressionou fortemente os acionistas para que o atual presidente da mineradora, Eduardo Bartolomeo, não fosse reconduzido ao cargo. 

Histórico de desentendimentos entre Prates e Silveira  

A briga entre o ministro de Minas e Energia e o presidente da Petrobras já perdura desde o início do governo do presidente Lula. Um dos casos mais recentes entre os dois está relacionado à redução do preço dos combustíveis. 

O presidente da Petrobras sofreu pressão de Lula, ministros e do próprio Silveira para reduzir, na bomba, os valores da gasolina e do diesel, e assim, melhorar a popularidade do Executivo Federal

Embora a Petrobras - maior estatal do país - não esteja subordinada diretamente à pasta, o ministério comandado por Alexandre Silveira é responsável, entre outras ações, por definir a política e regulação dos recursos energéticos do país, como bacias de óleo e gás. 

Em relação a eventual queda maior do preço dos combustíveis, analistas avaliam que Alexandre Silveira, poderia se notabilizar como o ministro que conseguiu tal redução, o que alavancaria futuras pretensões políticas dele. 

Mas, para preservar o valor de mercado da petroleira brasileira, Jean Paul Prates demonstrou que não distribuiria “canetadas” ao gosto do Executivo federal para baixar os preços nas bombas. 

Depois de dias seguidos de trocas de farpas, Lula chegou a se reunir com os dois, em novembro passado, para colocar uma pá de cal na briga. O petista demonstrou preocupação com qualquer desentendimento entre eles, pois isso poderia indicar uma desestabilização no governo. 

Pouco mais de quatro meses, a crise entre os dois voltou a ganhar holofotes com a polêmica sobre a retenção dos dividendos extraordinários da Petrobras.

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