Conflito por petróleo

Maduro recorre a Putin, EUA enviam militares à Guiana e Brasil tenta mediar paz

Presidente venezuelano deve se encontrar com Vladimir Putin, em Moscou neste fim de semana, em busca de apoio na disputa territorial

Por Renato Alves
Publicado em 08 de dezembro de 2023 | 12:59
 
 
 
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Os Estados Unidos anunciaram na quinta-feira (7) exercícios aéreos militares na Guiana, o país sul-americano alvo de investida da Venezuela, por causa da abundância de petróleo na região de Essequibo, que o regime de Nicolás Maduro decidiu anexar. Enquanto isso, o presidente venezuelano deve se encontrar com Vladimir Putin, em Moscou, no domingo (10) ou na segunda-feira (11), em busca de apoio na disputa territorial. 

O governo brasileiro já demonstrava preocupação com a decisão da Venezuela de fazer uma consulta popular sobre a anexação de Essequibo, que representa a maior parte do território da Guiana. O temor aumentou após o referendo do último domingo (3), que endossou o desejo de Maduro. Na terça-feira (5), ele deu um passo além, ao anunciar uma lei para Assembleia Nacional criar o Estado de Guiana Essequiba. 

A província surgiria da anexação do território de Essequibo, que é rico em petróleo e corresponde a 70% da Guiana. E antes mesmo que parlamentares venezuelanos colocassem em votação sua lei, Maduro criou, também na terça-feira, a Zona de Defesa Integral da Guiana Essequiba, nomeou um general como “única autoridade” da área e e ordenou que a petrolífera estatal PDVSA conceda licenças para a “extração imediata” de recursos naturais na região.

Maduro também pediu a implantação de um plano de “atenção social” para a população da região disputada, “assim como a realização de um censo e a entrega de cédulas de identidade a seus habitantes”. Ou seja, os 125 mil moradores de Essequibo vão se tornar cidadãos venezuelanos. Terceiro menor país sul-americano, que se tornou independente da Inglaterra em 1966, a Guiana tem 800 mil habitantes.

As medidas de Maduro para anexar a região de 160 mil km² – pouco maior que o estado do Ceará –, que a Venezuela reivindica há mais de 200 anos e pertence à Guiana, é vista pela comunidade internacional como ato para acobertar a crise econômica da Venezuela, fomentar o nacionalismo e tirar o foco das próximas eleições presidenciais, marcadas para 2024, que até os países aliados, como o Brasil, cobram para serem mais justas e transparentes que as anteriores. 

Decisão de Maduro afeta investimentos norte-americanos

A disputa pelo Essequibo ganhou força depois que a petroleira norte-americana ExxonMobil descobriu jazidas de petróleo importantes, em 2015. O cenário piorou quando a Guiana autorizou, em outubro, seis empresas petrolíferas – incluindo a Exxon e a francesa TotalEnergy –, a explorarem petróleo na região. 

A Guiana tem as maiores reservas de petróleo per capita do mundo, enquanto a Venezuela tem as maiores reservas absolutas, mas sua capacidade de produção caiu de 3,4 milhões de barris para apenas 700 mil por dia devido ao colapso da PDVSA, que viu a capacidade de produção despencar por causa da falta de investimento, com a crise econômica que assola todos os setores do país.

Estima-se que na Guiana haja reservas de 11 bilhões de barris de petróleo. A parte mais significativa é “offshore”, ou seja, no mar, perto de Essequibo. Um consórcio liderado pela Exxon Mobil começou a produzir petróleo na costa da Guiana no fim de 2019, e as exportações começaram em 2020. Isso levou a Guiana a se tornar o país sul-americano que mais cresce nos últimos anos em números econômicos.

Países vizinhos apelam para improvável diálogo

A pedido da Guiana, o Conselho de Segurança da ONU se reunirá a portas fechadas nesta sexta-feira para discutir o conflito territorial. Enquanto isso, no âmbito da cúpula do Mercosul, realizada no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs a mediação da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) na disputa e pediu aos seus homólogos da Argentina, Uruguai e Paraguai que chegassem a uma declaração conjunta, o que acabou acatado.

Na quinta-feira, além do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, Chile, Colômbia, Equador e Peru divulgaram um comunicado pedindo diálogo entre Guiana e Venezuela e a busca por uma solução pacífica. “Uma coisa que não queremos aqui na América do Sul é guerra, nós não precisamos de conflito”, disse Lula. 

Brasil teme ocupação militar na Amazônia

O Brasil reforçou a presença militar nas fronteiras com Guiana e Venezuela. O Exército enviou mais de blindados para Pacaraima (RR), diante da situação na fronteira com a Venezuela que pode se agravar. Se Maduro levar adiante a invasão do território vizinho, militares venezuelanos obrigatoriamente terão que passar por Roraima. 

Metade dos 1,6 mil km de fronteira da Guiana com o Brasil estão na região de Essequibo. A região é pouco habitada, com muitos morros e densas florestas, o que torna qualquer tipo de fiscalização difícil. Bonfim (RR), que tem 15 mil habitantes – sendo 6.463 indígenas – é o principal caminho por terra entre Brasil e Guiana , e também entre a Venezuela e a Guiana.

O maior medo do assessor de Lula para assuntos internacionais, o embaixador Celso Amorim, é que a crise entre Guiana e Venezuela sirva de pretexto para a presença de militares estrangeiros na Amazônia. “O que eu mais temo, pra falar a verdade, é que você crie precedentes até para ter bases e tropas estrangeiras na região. Não estamos falando de uma região qualquer. Estamos falando da Amazônia, que é sempre objeto de muita preocupação de nossa parte. Essa é a nossa preocupação maior”, disse em entrevista ao Canal Meio.

Venezuela fala em “provocação” dos Estados Unidos

Também na quinta-feira, a Embaixada dos Estados Unidos na Guiana informou que, “em colaboração com a Força de Defesa guianense, o Comando Sul conduzirá operações de voo dentro da Guiana em 7 de dezembro”. “Esse exercício se baseia em compromissos e operações de rotina para melhorar a associação de segurança entre os EUA e a Guiana e fortalecer a cooperação regional”, diz o comunicado.

O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, rechaçou os exercícios. “Essa provocação infeliz dos Estados Unidos em favor dos pretorianos da ExxonMobil na Guiana é outro passo na direção incorreta. Advertimos que não nos desviarão de nossas futuras ações para a recuperação do Essequibo. Não se equivoquem!”, escreveu Padrino na rede social X. 

Na quarta-feira, o governo da Venezuela acusou o presidente da Guiana, Irfaan Ali, de autorizar bases militares americanas em Essequibo. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, conversou com Ali na quarta-feira “para reafirmar o apoio inabalável dos Estados Unidos à soberania da Guiana”, informou o Departamento de Estado. 

O chefe da diplomacia da Grã-Bretanha, David Cameron, afirmou que a Venezuela não tem motivos para justificar uma ação unilateral e chamou de “retrógrada” a reivindicação venezuelana. “Retrógrada é a penúria política, econômica e social em que está o Reino Unido (...) pela qual David Cameron é diretamente responsável”, respondeu a vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, na rede social X.

Exército da Venezuela é quase 40 vezes maior do que o da Guiana

Em caso de conflito armado, sem apoio de um país como os EUA, a Guiana não teria a mínima chance de combater as forças venezuelanas de forma equilibrada. Suas Forças Armadas são na verdade uma Força de Defesa semelhante a um dispositivo policial, com contingente 40 vezes menor que o de militares do Exército da Venezuela.

  • A diferença entre os orçamentos militares dos dois países também é enorme. Os gastos militares da Guiana não passam de US$ 90 milhões anuais. Os venezuelanos gastam o equivalente a US$ 4,8 bilhões por ano.
  • A Venezuela tem cerca de 140 mil militares na ativa, somando o contingente do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Há ainda mais 30 mil na reserva, segundo o relatório Global Firepower 2023. 
  • O regime de Nicolás Maduro ainda conta com 220 mil milicianos, de acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres.
  • Desde 1998, quando Hugo Chávez assumiu o poder, a Venezuela passou a receber equipamentos militares russos e chineses. 
  • As Forças Armadas venezuelanas aparecem na 52ª posição no ranking da Global Firepower 2023 das maiores forças militares do planeta. Já as tropas da Guiana nem são listadas.
  • A Força de Defesa da Guiana tem 4.150 soldados espalhados pelo Exército, Corpo Aéreo, Guarda Costeira e Milícia Popular da Guiana, além de reservistas.
  • Desde 2000, a Guiana recebeu pequenas quantidades de equipamento militar do Brasil, China e Reino Unido.

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