Os Estados Unidos anunciaram na quinta-feira (7) exercícios aéreos militares na Guiana, o país sul-americano alvo de investida da Venezuela, por causa da abundância de petróleo na região de Essequibo, que o regime de Nicolás Maduro decidiu anexar. Enquanto isso, o presidente venezuelano deve se encontrar com Vladimir Putin, em Moscou, no domingo (10) ou na segunda-feira (11), em busca de apoio na disputa territorial.
O governo brasileiro já demonstrava preocupação com a decisão da Venezuela de fazer uma consulta popular sobre a anexação de Essequibo, que representa a maior parte do território da Guiana. O temor aumentou após o referendo do último domingo (3), que endossou o desejo de Maduro. Na terça-feira (5), ele deu um passo além, ao anunciar uma lei para Assembleia Nacional criar o Estado de Guiana Essequiba.
A província surgiria da anexação do território de Essequibo, que é rico em petróleo e corresponde a 70% da Guiana. E antes mesmo que parlamentares venezuelanos colocassem em votação sua lei, Maduro criou, também na terça-feira, a Zona de Defesa Integral da Guiana Essequiba, nomeou um general como “única autoridade” da área e e ordenou que a petrolífera estatal PDVSA conceda licenças para a “extração imediata” de recursos naturais na região.
Maduro também pediu a implantação de um plano de “atenção social” para a população da região disputada, “assim como a realização de um censo e a entrega de cédulas de identidade a seus habitantes”. Ou seja, os 125 mil moradores de Essequibo vão se tornar cidadãos venezuelanos. Terceiro menor país sul-americano, que se tornou independente da Inglaterra em 1966, a Guiana tem 800 mil habitantes.
As medidas de Maduro para anexar a região de 160 mil km² – pouco maior que o estado do Ceará –, que a Venezuela reivindica há mais de 200 anos e pertence à Guiana, é vista pela comunidade internacional como ato para acobertar a crise econômica da Venezuela, fomentar o nacionalismo e tirar o foco das próximas eleições presidenciais, marcadas para 2024, que até os países aliados, como o Brasil, cobram para serem mais justas e transparentes que as anteriores.
A disputa pelo Essequibo ganhou força depois que a petroleira norte-americana ExxonMobil descobriu jazidas de petróleo importantes, em 2015. O cenário piorou quando a Guiana autorizou, em outubro, seis empresas petrolíferas – incluindo a Exxon e a francesa TotalEnergy –, a explorarem petróleo na região.
A Guiana tem as maiores reservas de petróleo per capita do mundo, enquanto a Venezuela tem as maiores reservas absolutas, mas sua capacidade de produção caiu de 3,4 milhões de barris para apenas 700 mil por dia devido ao colapso da PDVSA, que viu a capacidade de produção despencar por causa da falta de investimento, com a crise econômica que assola todos os setores do país.
Estima-se que na Guiana haja reservas de 11 bilhões de barris de petróleo. A parte mais significativa é “offshore”, ou seja, no mar, perto de Essequibo. Um consórcio liderado pela Exxon Mobil começou a produzir petróleo na costa da Guiana no fim de 2019, e as exportações começaram em 2020. Isso levou a Guiana a se tornar o país sul-americano que mais cresce nos últimos anos em números econômicos.
A pedido da Guiana, o Conselho de Segurança da ONU se reunirá a portas fechadas nesta sexta-feira para discutir o conflito territorial. Enquanto isso, no âmbito da cúpula do Mercosul, realizada no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs a mediação da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) na disputa e pediu aos seus homólogos da Argentina, Uruguai e Paraguai que chegassem a uma declaração conjunta, o que acabou acatado.
Na quinta-feira, além do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, Chile, Colômbia, Equador e Peru divulgaram um comunicado pedindo diálogo entre Guiana e Venezuela e a busca por uma solução pacífica. “Uma coisa que não queremos aqui na América do Sul é guerra, nós não precisamos de conflito”, disse Lula.
O Brasil reforçou a presença militar nas fronteiras com Guiana e Venezuela. O Exército enviou mais de blindados para Pacaraima (RR), diante da situação na fronteira com a Venezuela que pode se agravar. Se Maduro levar adiante a invasão do território vizinho, militares venezuelanos obrigatoriamente terão que passar por Roraima.
Metade dos 1,6 mil km de fronteira da Guiana com o Brasil estão na região de Essequibo. A região é pouco habitada, com muitos morros e densas florestas, o que torna qualquer tipo de fiscalização difícil. Bonfim (RR), que tem 15 mil habitantes – sendo 6.463 indígenas – é o principal caminho por terra entre Brasil e Guiana , e também entre a Venezuela e a Guiana.
O maior medo do assessor de Lula para assuntos internacionais, o embaixador Celso Amorim, é que a crise entre Guiana e Venezuela sirva de pretexto para a presença de militares estrangeiros na Amazônia. “O que eu mais temo, pra falar a verdade, é que você crie precedentes até para ter bases e tropas estrangeiras na região. Não estamos falando de uma região qualquer. Estamos falando da Amazônia, que é sempre objeto de muita preocupação de nossa parte. Essa é a nossa preocupação maior”, disse em entrevista ao Canal Meio.
Também na quinta-feira, a Embaixada dos Estados Unidos na Guiana informou que, “em colaboração com a Força de Defesa guianense, o Comando Sul conduzirá operações de voo dentro da Guiana em 7 de dezembro”. “Esse exercício se baseia em compromissos e operações de rotina para melhorar a associação de segurança entre os EUA e a Guiana e fortalecer a cooperação regional”, diz o comunicado.
O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, rechaçou os exercícios. “Essa provocação infeliz dos Estados Unidos em favor dos pretorianos da ExxonMobil na Guiana é outro passo na direção incorreta. Advertimos que não nos desviarão de nossas futuras ações para a recuperação do Essequibo. Não se equivoquem!”, escreveu Padrino na rede social X.
Na quarta-feira, o governo da Venezuela acusou o presidente da Guiana, Irfaan Ali, de autorizar bases militares americanas em Essequibo. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, conversou com Ali na quarta-feira “para reafirmar o apoio inabalável dos Estados Unidos à soberania da Guiana”, informou o Departamento de Estado.
O chefe da diplomacia da Grã-Bretanha, David Cameron, afirmou que a Venezuela não tem motivos para justificar uma ação unilateral e chamou de “retrógrada” a reivindicação venezuelana. “Retrógrada é a penúria política, econômica e social em que está o Reino Unido (...) pela qual David Cameron é diretamente responsável”, respondeu a vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, na rede social X.
Em caso de conflito armado, sem apoio de um país como os EUA, a Guiana não teria a mínima chance de combater as forças venezuelanas de forma equilibrada. Suas Forças Armadas são na verdade uma Força de Defesa semelhante a um dispositivo policial, com contingente 40 vezes menor que o de militares do Exército da Venezuela.