Brasília, maio de 2017, sala do Supremo Tribunal Federal (STF). Empunhando uma pistola Taurus, o então procurador geral da República, Rodrigo Janot, engatilhou a arma e foi em direção ao alvo, o ministro do STF Gilmar Mendes, desafeto das antigas. O que aconteceria a partir dali poderia mudar todo o rumo da história do país. O plano de Janot era dar um tiro na cabeça de Gilmar e depois cometer suicídio. Mas “uma mão invisível do bom senso” fez o dedo travar. O procurador chamou alguém e, alegando indisposição, se ausentou da sessão daquele dia.

A declaração dada em entrevista a jornalistas precede outros fatos polêmicos em uma narrativa histórica dos bastidores da República, durante o tempo em que o mineiro de Belo Horizonte comandou o Ministério Público Federal (MPF). “Nada Menos que Tudo” é uma biografia escrita com o auxílio dos jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin e que narra, em primeira pessoa, episódios até então desconhecidos ao longo dos quatro anos em que Rodrigo Janot esteve à frente das investigações dos maiores escândalos políticos do país. 

Na sutileza das entrelinhas, o autor denota o temperamento impetuoso diante de situações polêmicas, como quando o então vice-presidente Michel Temer (PMDB) e o deputado Henrique Alves (PMDB) não pouparam palavras no pedido para que interrompesse as investigações contra o então chefe da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB). Janot soltou o verbo. “Fiz o que tinha que ser feito”. Essa característica remonta à década de 70, no Colégio Estadual Central, escola pública de Belo Horizonte onde Janot estudou e na qual ele já tinha a reputação de arrastar jovens na composição de uma frente estudantil militante e de resistência.

Juventude militante

Nos tempos de colegial, ele era o aluno brilhante e articulado e o primeiro da classe. Junto com Rosana Bittermann e Luiz Antônio Carneiro, formava um trio de amigos inseparáveis: Rodriguinho, Bitterman e Luizão. “Éramos resistentes. Foi uma época dura, de 72 a 74. Já havia acabado a (fase mais crítica da) ditadura, mas sentíamos muito o período de transição de retorno à democracia, foi muito sofrido e dolorido. Rodrigo era muito inteligente e articulado. Mas, também, uma pessoa amorosa. Apesar de militantes, não perdíamos de vista a ternura”, afirma Rosana Bittermann, hoje com 63 anos.

“Ternura” e amorosidade talvez sejam as palavras mais citadas pela amiga de juventude durante a entrevista que a fez relembrar os velhos tempos do colégio. Ela cita várias vezes a relação que Janot tinha com o pai, Otto Barros, o “Barrinhos da Central do Brasil”, a quem o livro do ex-procurador é dedicado. “Certa vez fomos nós três estudar na casa dele. Foi quando constatei o quanto a relação com o pai era amorosa e dedicada. Não haveria de se esperar um perfil diferente do que foi na juventude, de defesa da família. Eu compreendo essa questão de ele querer defender a filha. Confesso que fiquei sabendo da notícia (da intenção de assassinar o ministro Gilmar Mendes) por terceiros. Não tenho subsídio para fazer qualquer julgamento da decisão dele de contar isso no livro. A única coisa que me veio é que de alguma forma ele estava fazendo por amor incondicional à filha. Acho importante não ter julgamento das pessoas pelo que elas possam estar vivendo”, diz.

Bittermann se refere ao que motivou Janot a apontar a arma para Gilmar Mendes. Em maio de 2017, como procurador geral, ele pediu a suspeição de Gilmar em casos relacionados ao empresário Eike Batista, alvo da Lava Jato. Eike era defendido pelo escritório de advocacia do qual a mulher do ministro, Guiomar Feitosa Mendes, é sócia. Na sequência, foram publicadas notícias de que a filha de Janot, Letícia Ladeira Monteiro de Barros, era advogada no escritório que representava empreiteiras envolvidas na operação. O procurador deduziu que a informação teria partido de Gilmar, o que foi a gota d’água para a decisão de matá-lo, que acabou abortada.