BRASÍLIA - Assassinos confessos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz começam a ser julgados nesta quarta-feira (30) pelo crime ocorrido em 14 de março de 2018.

O julgamento começou pouco depois das 9h no 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, no centro da capital fluminense. A previsão é que ele dure três dias. O Ministério Público Ministério Público (MPRJ) vai pedir a pena máxima. Cada réu pode pegar até 84 anos de prisão.

No entanto, caso sejam condenados, nenhum dos dois passará tanto tempo na cadeia. Além de a legislação brasileira não permitir o encarceramento por mais de 30 anos, ela prevê a progressão da pena mediante uma série de critérios. Ambos também podem ser beneficiados pela delação premiada, em que confessaram participação no crime e apontaram outros nomes.

  • Caso condenado, Élcio de Queiroz ficará preso, no máximo, por 12 anos em regime fechado e Ronnie Lessa, por 18 anos em regime fechado.
  • A conta inclui o tempo que os dois já estão presos: 5 anos e 7 meses. A dupla foi presa dois dias antes de o crime completar 1 ano, em 12 de março de 2019.
  • Eles já ganharam o benefício de deixar os presídios federais de segurança máxima. Foram transferidos para penitenciárias estaduais.
  • Mas os réus podem ter os acordos de delação anulados se ficar comprovado que mentiram nos depoimentos ou que em nada eles ajudaram na solução do crime.

Em suas delações, Ronnie e Élcio disseram que foram contratados para matar Marielle porque era vista como obstáculo em um esquema para loteamentos irregulares, grilagem de terras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, que teriam como beneficiários os irmãos Chiquinho e Domingos Brazãodeputado federal e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, respectivamente.

Marielle, que tinha pouco mais de um ano de mandato como vereadora pelo Psol, lutava contra os loteamentos ilegais. Em troca da execução, Ronnie Lessa e outros envolvidos receberiam terrenos em loteamentos, que poderiam ser vendidos para lucrar até R$ 25 milhões, segundo o próprio ex-PM.

Réus e testemunhas devem ser ouvidos por videoconferência

Nesta quarta e na quinta-feira devem ser ouvidas nove testemunhas. Sete delas foram indicadas pelo MPRJ – incluindo Fernanda Chaves, assessora de Marielle e sobrevivente do atentado – e duas pela defesa de Lessa, que confessou ser autor dos disparos. A defesa de Élcio de Queiroz desistiu de ouvir as testemunhas que havia requerido anteriormente.

Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz participarão do júri popular por videoconferência diretamente das unidades onde estão presos. Ronnie Lessa está na Penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo. Já Élcio está no Centro de Inclusão e Reabilitação, em Brasília. 

Algumas testemunhas também poderão participar de forma virtual da sessão do júri. O tribunal pediu aos advogados que apenas compareçam em plenário as pessoas que efetivamente participarão do júri. A medida visa evitar aglomeração e tumulto, por causa da grande repercussão pública do caso.

Sete entre 21 pessoas comuns serão escolhidas, por meio de sorteio, para participar do júri. Eles é que vão dizer se Lessa e Élcio são culpados ou inocentes pelo crime. Caberá à juíza Lúcia Glioche definir o tamanho da pena. Ela determina o número de anos inicial e depois considera os agravantes (motivo torpe e sem direito a defesa, por exemplo) e os atenuantes (a delação de ambos, por exemplo).

Irmãos Brazão e ex-chefe da Polícia Civil respondem a processo no STF

Ainda não há previsão para o julgamento dos supostos mandantes, os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, nem do chefe da Polícia Civil na época da morte, o delegado Rivaldo Barbosa, apontado como mentor do crime.

Eles foram presos apenas neste ano, com base na delação de Ronnie Lessa. O processo que envolve o trio está no Supremo Tribunal Federal (STF), pois Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) é deputado federal. O irmão dele é conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro.

Rivaldo Barbosa, que está preso no presídio federal de Mossoró (RN), prestou depoimento virtual ao STF em 24 de outubro. Ele negou ter participado do assassinato da vereadora. “Eu não mato nem uma formiga, vou matar uma pessoa?” indagou.

O ex-chefe da Polícia Civil afirmou que foi apresentado a Marielle pelo ex-deputado estadual Marcelo Freixo, de quem a vereadora foi assessora na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Segundo Rivaldo, por ter atuação no campo dos direitos humanos, Marielle era o elo entre ele e Freixo para receber em audiência pessoas que tiveram parentes assassinados e buscavam informações sobre as investigações.

Domingos Brazão, que está preso na penitenciária federal em Porto Velho, prestou depoimento em 22 de outubro ao STF, também por videoconferência. Ele negou qualquer participação no crime. Também disse que não conhece Ronnie Lessa pessoalmente. 

Perguntado pelo juiz Airton Vieira, responsável pela oitiva, o motivo pelo qual um desconhecido o incriminaria, o conselheiro disse que Ronnie estava se sentindo encurralado e queria incriminá-lo após a imprensa publicar que os Brazão foram citados nas investigações.

Preso na penitenciária federal de Campo Grande, Chiquinho Brazão prestou depoimento em 21 de outubro, também de forma virtual. Ele também negou participação no crime e afirmou que nunca teve contato pessoal com Lessa.

“Não tenho dúvida de que ele poderia me conhecer, mas eu não tenho lembrança de ter estado com essa pessoa”, afirmou. Sobre Marielle Franco, o parlamentar disse que tinha “excelente” relação com a vereadora. Segundo ele, ela tinha um “futuro brilhante”.

Marielle e Anderson foram alvos de emboscada com 13 tiros

Marielle foi assassinada, no bairro do Estácio, na cidade do Rio de Janeiro. Ela voltava de um encontro de mulheres negras na Lapa, quando seu carro foi alvejado, atingindo fatalmente também o motorista dela, Anderson Gomes. 

Marielle levou quatro tiros, sendo três na cabeça e um no pescoço, enquanto Anderson foi atingido com três tiros nas costas. Fernanda Chaves sobreviveu, sendo atingida apenas por estilhaços. 

Os assassinos estavam em Cobalt prata e seguiram Marielle desde a Casa das Pretas, na Lapa, onde ela participara de um evento em uma distância de cerca de 4 quilômetros. A dupla emparelhou ao lado do veículo onde estava a vereadora e disparou.

O ex-PM Ronnie Lessa confessou ser o autor dos 13 disparos que atingiram o carro onde estavam Marielle, Anderson e Fernanda. Ele estava no banco de trás do Cobalt que perseguiu o carro da vereadora. O também ex-PM Élcio de Queiroz confessou ser o motorista do Cobalt usado no crime.

“Os 13 tiros disparados naquela noite cruzaram os limites da cidade, e a atenção internacional voltou-se para o Rio de Janeiro. A morte de uma representante eleita pelo povo foi entendida por setores da sociedade como um ataque à democracia”, diz o TJRJ na decisão para levar o caso a júri popular.

Ex-PMs, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz tinham relação com milícia

Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram presos em 12 de março de 2019, quando saíam de casa. Nenhum deles resistiu. Ronnie morava no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca – o mesmo onde o ex-presidente Jair Bolsonaro tem residência. Élcio morava na Rua Eulina Ribeiro, no Engenho de Dentro.

Conhecido na PM do Rio como bom atirador, Ronnie Lessa integrou o Batalhão de Operações Especiais (Bope) e outras unidades. Recebeu uma série de premiações por bravura. Em 2003, foi cedido à Polícia Civil. 

Lessa foi afastado em 2009, após sofrer um atentado a bomba que lhe causou sérias lesões nas pernas. Ele já era suspeito de envolvimento com milícias, faturando com extorsão, jogos ilegais e outras atividades criminosas. Também foi acusado de integrar grupo de extermínio.

Ronnie Lessa responde a outro processo por homicídio. É acusado de ter assassinado o ex-policial André Henrique da Silva Souza, o André Zóio, em junho de 2014, na Gardênia Azul, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Já Élcio de Queiroz, que entrou para a PM em 1995, foi expulso em 2015 por envolvimento com atividades ilegais, como segurança clandestina em uma casa de jogos. Também tem um histórico de participação em milícias. Foi alvo da Operação Guilhotina, que investigou corrupção e desvio de armas dentro das forças de segurança do Rio.