BRASÍLIA – A Justiça Federal determinou que a União pague uma pensão vitalícia de R$ 34,5 mil mensais à publicitária Clarice Herzog, de 83 anos, viúva do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado por agentes da ditadura militar em 1975. O valor deve ser pago como reparação econômica pelo eventual reconhecimento de Herzog como anistiado político. 

"Em suma, diante das fartas evidências a respeito da detenção arbitrária, da tortura e da execução extrajudicial de Vladimir Herzog, o pedido autoral de reconhecimento da sua condição de anistiado político, com as suas consequências legais, apresenta plausibilidade jurídica", escreveu o juiz Anderson Santos da Silva, da 2ª Vara Federal Cível de Brasília.

O reconhecimento de Vladimir Herzog como anistiado político não ocorreu, apesar da constatação da perseguição sofrida pelo jornalista, conforme processos conduzidos pelas Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e Comissão Nacional da Verdade. A pensão foi dada no âmbito da ação que, além da reparação econômica, busca a declaração de anistiado político post-mortem de Herzog.

O juiz  Anderson da Silva fundamentou sua decisão na Constituição de 1988 e na Lei nº 10.559, de 2002, que regulamenta a anistia política no Brasil. Também citou a Convenção Americana de Direitos Humanos, que obriga o Estado brasileiro a cumprir decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

O assassinato de Vladimir Herzog pelas mãos de agentes da repressão estatal foi reconhecido pela CIDH em 2018, quando o Brasil foi condenado por não ter esclarecido a contento as circunstâncias da morte do jornalista.

A decisão do juiz de Brasília é liminar e urgente. Ele levou em consideração que Clarice foi diagnosticada com Alzheimer em estágio avançado. Não há prazo para o julgamento de mérito, definitivo, sobre o caso, que tramita no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Segundo os advogados Beatriz Cruz e Paulo Abrão, integrantes do escritório autor da ação, "ainda há um longo caminho até a decisão de mérito", mas a concessão da medida liminar "é um importante marco que garante o imediato pagamento da prestação mensal devida à viúva".

O valor estipulado para a pensão corresponde ao salário que Vladimir recebia como diretor do Departamento de Jornalismo da TV Cultura, quando foi morto.

A defesa de Clarice requereu também mais de R$ 2 milhões em pagamentos retroativos dos últimos cinco anos, mas esse pedido ainda não foi analisado pelo juiz. Ele afirmou que mesmo o valor da pensão mensal poderá ser reavaliado após a instrução regular do processo. 

Suicídio forjado dentro de unidade do Doi-Codi

Vladimir Herzog foi intimado pelo Exército para prestar depoimento sobre suas ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Ele saiu de casa em 25 de outubro de 1975 e foi até uma unidade do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (antigo Doi-Codi), órgão de repressão e da prática de torturas na ditadura militar.

O jornalista foi torturado e morto em uma cela das dependências do Doi-Codi. A alegação oficial foi a de que ele se enforcou com um cinto em sua cela. Fotos forjadas foram divulgadas, mas acabaram sendo usadas como provas de que o suicídio era uma fraude. Testemunhas confirmaram a violência sofrida por Herzog nas mãos de agentes da ditadura.

Em 1978, a Justiça brasileira decidiu pela condenação da União pelo crime. Em 2013, a Justiça de São Paulo determinou a retificação da causa da morte no atestado de óbito de Vladimir Herzog. A nova versão substituiu “asfixia mecânica por enforcamento” por “lesões e maus-tratos sofridos durante interrogatório em dependência do 2º Exército (Doi-Codi)”.

Vlado Herzog nasceu em 1937, na Croácia (antiga Iugoslávia), morou na Itália e se mudou para o Brasil em 1942. Naturalizou-se brasileiro, mudou seu nome para Vladimir, morou em São Paulo e começou a trabalhar como jornalista em 1959. Passou por veículos como BBC, quando morou em Londres, pelo jornal O Estado de São Paulo e pela TV Cultura. Também foi professor de telejornalismo na Fundação Armando Álvares Machado (FAAP) e Escola de Comunicações e Artes da USP.