BRASÍLIA – Os embates do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com as plataformas X e Rumble têm um personagem em comum: Allan dos Santos, 41 anos. O blogueiro brasileiro está foragido desde 2021. Desde então ele mora nos Estados Unidos. 

Por causa das publicações nas redes sociais, baseadas nos EUA, ele foi condenado no Brasil. Mas as empresas não cumpriram todas as ordens do STF, que incluíam nomeação de representantes legais no país e remoções de posts do brasileiro.

No caso mais recente, do Rumble, depois de ignorar um pedido de Moraes para suspender o perfil de Santos, a plataforma de vídeos aliou-se com a empresa Trump Media, ligada ao presidente Donald Trump, em uma ação civil contra o magistrado brasileiro em um tribunal de Justiça Federal da Flórida, nos Estados Unidos.

As empresas alegam que a ordem de Moraes violou a soberania norte-americana. Elas acusam censura ao posicionamento político nos EUA e infração à Primeira Emenda do país, ao ordenar a remoção das contas de personalidades brasileiras da direita. Elas pediram uma decisão liminar contra Moraes.

Mas uma juíza dos EUA afirma que as empresas autoras do processo não apresentaram nenhuma alegação que mereça revisão judicial por um tribunal norte-americano. A magistrada entendeu que as decisões tomadas pelo ministro do STF contra a Rumble têm sido executadas somente em território brasileiro.

Mas, pela legislação brasileira, qualquer empresa atuante no país precisa seguir as leis nacionais e ter um representante legal constituído – o mesmo vale para as empresas de outros países atuantes nos EUA, como é também em quase todos os países.

Já em julho do ano passado, Moraes intimou o X a suspender a conta de Santos, além de fornecer informações sobre o blogueiro. A rede social nada fez. O ministro mandou suspender o X, pelo descumprimento de decisões e por falta de um representante legal

O acesso ao X foi restabelecido 39 dias depois, quando a empresa concordou com as determinações do STF. Mas, em 20 de fevereiro, Alexandre de Moraes intimou a empresa a pagar uma multa de R$ 8 milhões, por descumprir outras decisões. 

O mesmo foi feito por Moraes ao Rumble. O magistrado pediu o bloqueio do aplicativo no Brasil, após verificar a falta de um representante da plataforma no país, ao tentar intimar o Rumble para bloquear o canal de Allan dos Santos. 

O que pesa contra Allan dos Santos no Brasil?

No Brasil, Allan dos Santos é investigado pelos crimes de organização criminosa, contra a honra, incitação, preconceito e lavagem de dinheiro. Ele é alvo em dois inquéritos que tramitam no STF: o das fake news e o de milícias digitais.

O primeiro apura a disseminação de mentiras pela internet, de forma organizada e por parte de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para atacar as instituições brasileiras, principalmente o Supremo.

O outro investiga suposta organização e financiamento de atos contra a democracia, ao abrigo da Lei de Segurança Nacional, o qual identificou a atuação de uma milícia digital que trabalha contra a democracia e as instituições no país.

A Polícia Federal (PF) e a CPMI das Fake News apontaram Santos como um dos líderes do chamado “gabinete do ódio”, que também seria liderado pelo vereador Carlos Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro. 

Santos foi ainda denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) a Luís Roberto Barroso, ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Em 27 de maio de 2020,  a PF fez busca e apreensão na casa do blogueiro, no Lago Sul, área nobre de Brasília, no âmbito do inquérito das fake news do STF. Relator da ação, Alexandre de Moraes emitiu outras ordens.

O ministro mandou suspender o perfil do Twitter (atual X) de Santos e de outros investigados, como a extremista Sara Giromini – que se denominava Sara Winter – e o empresário Luciano Hang, justificando a medida pela necessidade de “interromper discursos criminosos de ódio”. 

Moraes apontou “sérios indícios” de que o grupo praticou crimes de calúnia, difamação, injúria, associação criminosa e contra a Segurança Nacional. Sara chegou a liderar uma marcha de seguidores com tochas pela Praça dos Três Poderes, rumo ao STF, pedindo a destituição de ministros da Corte. Na ocasião, rojões foram lançados contra a sede do Supremo.

Em 16 de junho de 2020, Allan dos Santos foi novamente alvo de buscas da PF. Santos reagiu com publicações nas redes sociais, chamando Alexandre de Moraes, que autorizou a operação, e é relator dos inquéritos no STF, de “verme imoral” e “lixo”, comparando-o a Hitler, Stalin e Mao Tsé-Tung, e pedindo auxílio a Bolsonaro.

Em setembro de 2020, o Estadão revelou conversas trocadas entre Santos e o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, nas quais Santos defendia que “as Forças Armadas precisam entrar urgentemente”. 

Quando Allan dos Santos deixou o Brasil e como está nos EUA?

Após as buscas domiciliares e apreensão pela PF, em julho de 2020, Allan dos Santos deixou o Brasil, fugindo com a família para os EUA. Ele entrou no país com um visto de turista e pediu asilo político. 

Segundo o STF, a data provável do embarque de Allan aos Estados Unidos é 27 de julho. Na época, apesar das operações da PF, ainda não havia mandado de prisão expedido contra o blogueiro.

Santos permanece legalmente nos EUA graças ao pedido de asilo político. Enquanto espera uma resposta da solicitação, o blogueiro pode permanecer no país. Ele afirma trabalhar como motorista de aplicativo em Orlando, na Flórida.

Conforme relatório da PF relativo à buscas e apreensões na casa dele, Santos recebia cerca de R$ 100 mil por mês, destinados à manutenção do canal Terça Livre, tendo sido encontrada uma planilha de doadores com mais de 1700 linhas.

A PF suspeita que as ações de Santos contra a democracia possam ter sido financiadas com recursos públicos, pois ele é bastante próximo da família do ex-presidente Jair Bolsonaro e de parlamentares da base bolsonarista.

Na representação encaminhada ao STF, a delegada da PF, Denisse Dias Rosas Ribeiro, pediu a prisão preventiva de Allan, com base na prática frequente dos crimes de ameaça, ataques contra a honra e incitação à prática de crime, assim como a participação de organização criminosa.

Quando foi expedido o mandado de prisão contra Allan dos Santos?

Em 5 de outubro de 2021, Alexandre de Moraes determinou a prisão preventiva e a extradição de Allan dos Santos. Moraes atendeu a um pedido da PF

Moraes ordenou ao Ministério da Justiça que iniciasse imediatamente o processo de extradição, assim como a inclusão do mandado de prisão pela PF na lista da Difusão Vermelha da Interpol.

Com a medida, Moraes tenta impedir nova fuga e assegurar que Santos seja detido e enviado de volta ao Brasil, tendo ainda acionado a embaixada brasileira nos EUA, para garantir a extradição.

Já no fim de outubro de 2021, surgiu ainda a denúncia de que uma antiga estagiária do ministro Ricardo Lewandowski, também do STF, teria atuado como informante de Santos no Supremo. A PF fez uma operação de busca e apreensão na casa dela.

Como está o pedido de extradição de Allan dos Santos?

Apesar da ordem do STF, a inclusão do nome de Allan dos Santos  na lista de foragidos internacionais da Interpol não ocorreu de forma imediata. 

Na época, Bolsonaro ainda era o presidente. Ele era investigado nos mesmos inquéritos de Allan dos Santos e defendia publicamente o blogueiro. O presidente alegava perseguição política.

Quando houve intenção de cumprir a ordem de Moraes, servidores foram exonerados no Ministério da Justiça. Também houve intervenções no Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão da pasta responsável pelos trâmites burocráticos de pedidos de extradição.

O nome de Allan dos Santos ficou fora da lista de procurados pela Interpol até o fim do governo Bolsonaro, em dezembro de 2022. 

Com o início do governo Lula, o novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, enviou em janeiro de 2023 a documentação que faltava para incluir Santos na lista da Interpol.

Os EUA têm um tratado de extradição com o Brasil. No entanto, as acusações contra Santos, que no Código Penal brasileiro são tratadas como crimes, nos EUA são encaradas como liberdade de expressão. 

Em março de 2024, o Departamento de Estado dos EUA arquivou o pedido de extradição do blogueiro por “crimes de opinião”.

Quanto a outras imputações, houve um pedido para mais esclarecimentos. As autoridades norte-americanas disseram estar dispostas a dar prosseguimento ao caso em relação a outros crimes.

Como Allan dos Santos segue atuante nos EUA, acessando redes sociais?

Mesmo após deixar o Brasil e ter suas contas nas redes sociais bloqueadas, Allan dos Santos continuou ativo na internet, usando diferentes artifícios. Um deles, a criação sucessiva de contas numa mesma plataforma – cria uma nova sempre que a Justiça brasileira ordena a suspensão da anterior.

Primeiro, ele se tornou correspondente do seu próprio portal, o Terça Livre. Em novembro de 2020, viralizou ao defender no antigo Twitter a teoria da conspiração de que Donald Trump teria ganho as eleições presidenciais contra Joe Biden, mas estaria “deixando o inimigo agir”, para o provar. O post foi bloqueado, por divulgação de “informações incorretas”.

Já em janeiro de 2021, Santos foi acusado de ter se associado a pessoas ligadas à invasão do Capitólio, sede do Congresso norte-americano, tentando reverter à força o resultado das eleições presidenciais.

Durante a pandemia de Covid-19, Santos compartilhou conteúdo negacionista, tendo a conta suspensa por determinação judicial. Ele comparou o vírus e a pandemia à “terra plana da saúde”, e a “omissão do uso da cloroquina a deixar judeus na dúvida entre o chuveiro e a câmara de gás”.

Nos pedidos ao X para suspender a conta de Santos, Moraes disse que a permanência nos EUA “tem conferido a Allan Lopes dos Santos uma verdadeira cláusula de indenidade penal para a manutenção do cometimento dos crimes já indicados pela Polícia Federal, não demonstrando o investigado qualquer restrição em propagar os seus discursos criminosos”.

Em 7 janeiro de 2022, Allan dos Santos participou de um participou de um encontro evangélico e conservador na Flórida, ao lado do então ministro das Comunicações, Fábio Faria, de Nikolas Ferreira (então vereador de Belo Horizonte), do deputado federal Lucas Gonzalez (Novo-MG) e de Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, neto de João Baptista Figueiredo, último presidente da ditadura militar.

Após o banimento do Facebook e do Twitter, Santos manteve-se ativo em outras plataformas, como o Telegram e o Gettr, com mais de 100 mil seguidores em cada uma. Em 12 de janeiro de 2022, reproduziu nas redes sociais um vídeo com críticas de Bolsonaro ao STF, aconselhando-o a lutar para combater a “corja” deste tribunal. 

Já em 11 de junho de 2022, Santos participou da motociata de Jair Bolsonaro com apoiadores em Orlando, nos Estados Unidos. no mesmo dia, concedeu entrevista para Monark no podcast Monark Talks. Ambos estavam proibidos de conceder entrevistas no Brasil, por determinação do STF.