BRASÍLIA – Nas defesas prévias, enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) até a noite desta quinta-feira (6), advogados da maioria dos 34 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no inquérito sobre a suposta trama golpista negam participação dos clientes e tentam desqualificar a investigação da Polícia Federal (PF). 

A defesa dos acusados, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e os ex-ministros Anderson Torres (Justiça) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), alegam que, na condição de suposta vítima, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, não poderia ser o relator do inquérito. 

Eles pedem que caso vá para primeira instância ou plenário do Supremo. Também reclamam de falta de acesso a todas as provas e negam qualquer envolvimento dessas autoridades com os mentores do plano para evitar a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com assassinatos do petista e de Moraes.

Esta sexta-feira (7) ainda é o último dia para que o ex-ministro Walter Braga Netto e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos apresentem defesa prévia ao Supremo. O prazo para eles é diferente do dos outros 32 denunciados, pois foram intimados um dia depois.

Ainda na quinta-feira, Alexandre de Moraes negou um novo pedido da defesa de Braga Netto para ampliar o prazo de resposta. A defesa do militar alegou que não tinha tido acesso à íntegra da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro.

Moraes, no entanto, rebateu o argumento e destacou que os advogados tiveram “amplo acesso aos elementos de prova já documentados”. De acordo com a denúncia da PGR, Bolsonaro e Braga Netto lideravam a suposta organização criminosa que planejou impedir a posse de Lula.

Advogados de Bolsonaro acusa ‘inacreditável pescaria probatória’

Os advogados de Jair Bolsonaro pediram a anulação da delação de Mauro Cid. Eles disseram que não há “falta de voluntariedade” no acordo do tenente-coronel.

“Verificou-se, então, tratar-se de colaboração premiada viciada pela absoluta falta de voluntariedade e de uma colaboração marcada pelas mentiras, omissões e contradições”, diz a defesa no documento enviado a Moraes.

Os advogados afirmam ainda que o ministro permitiu uma “inacreditável pescaria probatória”. Segundo eles, a vida de diversas pessoas físicas e jurídicas foi “vasculhada” sobre os mais diversos fatos. 

“A pescaria probatória, assim, prosseguiu, por meses e meses, tendo a Polícia Federal alterado o objeto da investigação e os alvos de suas medidas cautelares diversas vezes”, escrevem.

Eles pediram que o ministro do STF deixe a relatoria da denúncia. Para os defensores, Moraes não pode continuar na função pelo mecanismo do juiz de garantias, segundo o qual o juiz que instruiu o processo não pode proferir a sentença.

“Diante do exposto, requer-se que se reconheça a necessidade de distribuir os autos a um novo relator, antes do recebimento da denúncia, a fim de que sejam aplicadas, respeitadas as diferenças de rito, as regras do juízo de garantias nas ações penais originárias desse STF”, pediram os advogados.

A defesa também alegou que não teve acesso total às provas e pede que o julgamento seja feito pelo plenário, e não pela Primeira Turma.

Sobre a denúncia, a defesa de Bolsonaro afirma que a PGR “esmerou-se em contar uma boa ‘estória’, que alimenta boas manchetes e anima o imaginário popular, mas que não sustenta uma ação penal”.

“Com todo o respeito, a complexidade da ruptura institucional não demanda um iter criminis distendido. De acordo com o Código Penal, ela demanda emprego de violência ou grave ameaça, aptas a impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais”, escreveram os advogados do ex-presidente.

Mauro Cid alega que apenas cumpria ‘dever legal’ como ajudante de ordens

A defesa de Mauro Cid também pediu absolvição sumária das acusações que constam na denúncia sobre a trama golpista. Na manifestação enviada ao STF, os advogados do militar solicitaram a manutenção do acordo de delação e disseram que o militar não pode ser acusado de crimes porque cumpria sua função de ajudante de ordens.

“Mauro Cid estava desempenhando sua função na ajudância de ordem da Presidência da República, cumprindo, portanto, seu dever legal regulado. Essa conduta de porta-voz que lhe é atribuída pela Procuradoria Geral da República, era sua obrigação legal vinculada ao estrito cumprimento de seu ofício, e como tal, abrigada por uma excludente de ilicitude devidamente prevista no Código Penal”, alega a defesa.

Os advogados do tenente-coronel negaram a possibilidade de coação durante a colaboração feita à PF, alegando que em nenhum momento Cid esteve desacompanhado e que todos os atos da delação foram feitos sob a presença e aval dos defensores. 

“Jamais a defesa constituída admitiria qualquer espécie de coação ou induzimento na prestação de informações por Mauro Cid; a defesa jamais admitiria ou se submeteria a qualquer ato de coação ou na negociação de um acordo que comprometesse o seu mais amplo direito de defesa, um contraditório legalista, elementos do devido processo legal garantido pela Carta Maior.”

Além disso, a defesa levantou argumentos com relação às acusações de tentativa de golpe de Estado e de organização criminosa. Segundo os defensores, Cid não tinha intenção de tramar uma ação golpista, e se limitava estritamente a atuar cumprindo as funções de um “assessor” sem poder de decisão.

“A atuação de Mauro Cid se reserva, e a acusação assim também entende, na ‘comunicação’ a fim de ‘repassar’ às autoridades próximas à Presidência informações que chegavam até si’”, diz o documento encaminhado ao STF.

Defensores de Augusto Heleno falam em ‘terraplanismo argumentativo’ 

O general do Exército Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) no governo de Jair Bolsonaro, também pediu absolvição sumária na manifestação enviada pelos seus advogados ao STF.

De acordo com a defesa do general, não há “elementos mínimos” que apontem envolvimento direto ou indireto dele com os fatos citados na acusação. Os advogados de Heleno afirmam que a PGR realiza “verdadeiro terraplanismo argumentativo” na denúncia sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado.

“Não há uma testemunha que aponte seu envolvimento, não há uma conversa de Whatsapp sua para qualquer pessoa que o seja tratando da empreitada criminosa aqui denunciada. Requer que a presente denúncia seja julgada inepta pelos motivos e razões acima expostos e, caso recebida, seja o denunciado absolvido sumariamente por estas exatas razões”, pediu a defesa.

Defesa de Anderson Torres chama denúncia da PGR de ‘obra de ficção’

A defesa de Anderson Torres, ministro da Justiça no governo Bolsonaro e secretário de Segurança Pública na administração Ibaneis Rocha (MDB) durante os atos de 8 janeiro de 2023, chamou a denúncia da PGR contra ele de “uma verdadeira obra de ficção”, “fruto de um roteiro imaginário" e “permeada de falsas ilações”. A manifestação foi feita na defesa prévia dele ao STF.

Os advogados de Torres argumentaram que é preciso “evitar o oferecimento de denúncia em face de pessoas sabidamente inocentes” citando “efeitos deletérios de uma denúncia açodada” e “desprovida de lastro probatório mínimo”. “Em um Estado Democrático de Direito, não se pode admitir como natural o cumprimento antecipado de pena, tampouco o uso da ação penal como instrumento de vingança”. 

“Ao que parece, Anderson Torres está sendo denunciado, apenas e tão somente, pelo fato de ter integrado o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Esse fato, contudo, não configura, por óbvio, qualquer ilícito penal. De igual forma, eventual espírito de corpo ou mesmo o desejo do denunciado de que o ex-presidente Bolsonaro permanecesse no poder não possui enquadramento penal”, alegou. 

Na defesa prévia, os advogados questionam “como poderia Anderson Torres, cerca de três meses antes das eleições, tramar um ‘golpe de estado’ ou mesmo abolir ‘violentamente’ o regime democrático, se o governo estava sendo exercido pelo presidente Jair Bolsonaro”. 

“Seria uma espécie de autogolpe ou mesmo de tentativa de golpe ‘condicional’??? A denúncia, também no particular, peca pela atecnia, imputando ao denunciado um fato que sabidamente não constitui crime”, frisou, dizendo que Torres, inclusive “facilitou” a transição do Ministério da Justiça para seu sucessor, Flávio Dino (atual ministro do STF). 

Além de pedir a rejeição da denúncia da PGR, a defesa de Torres solicitou que o caso saia do STF e seja enviado para a primeira instância da Justiça, em uma vara criminal da do Distrito Federal. Em último caso, que ela seja julgada pelo plenário do Supremo, que reúne os 11 ministros, e não pela Primeira Turma, que tem cinco integrantes.  

Ramagem diz que ‘assistiu consternado aos eventos’ de 8 de janeiro de 2023

A defesa do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que era chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo de Jair Bolsonaro, também negou a participação dele na suposta tentativa de golpe de Estado.

Em documento encaminhado a Alexandre de Moraes, os advogados lembraram que Ramagem deixou de integrar o governo Bolsonaro em março de 2022 e destacaram que ele foi eleito deputado federal.

“Como se vê, a narrativa apresentada na denúncia demonstra claramente uma radicalização de falas e atos a partir do ano de 2022, mais precisamente a partir de julho de 2022, momento em que Alexandre Ramagem Rodrigues não mais integrava o Governo Federal, já tendo sua atenção há meses voltada à disputa eleitoral que se avizinhava, disputa para a qual arduamente se empenhou, tanto que foi eleito deputado federal nas Eleições de 2022”, diz a defesa.

Eles também ressaltaram que o parlamentar não participou dos atos do 8 de janeiro de 2023 e “assistiu consternado aos eventos ocorridos na capital federal”. “E é importante ressaltar: com especial consternação, pois a Casa para a qual tanto lutou para democraticamente pertencer, era vítima do descontrole de pessoas que por certo não tinham a dimensão da gravidade dos atos que praticavam”, afirma o documento.