BRASÍLIA – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino reagiu nesta quarta-feira (14) à tentativa do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), de levar ao plenário da Corte a análise da decisão da Primeira Turma que manteve parcialmente o processo penal contra o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
O parlamentar é investigado por envolvimento na suposta trama golpista na gestão Bolsonaro, quando era diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin)..
Ao rebater a alegação de Motta de que a decisão da Primeira Turma fere o princípio da separação dos Poderes, Dino afirmou que aceitar esse tipo de argumento seria o mesmo que dissolver a estrutura da República.
“Ora, se assim fosse, nós teríamos uma dissolução da República. Porque aí cada Poder e cada ente federado faz a sua bandeira, o seu hino, emite a sua moeda e aí, supostamente, se atende a separação dos Poderes”, ironizou o ministro durante sessão do STF.
O novo embate entre o STF e a Câmara
O novo embate do Legislativo com o Judiciário teve início após a Primeira Turma do STF decidir na terça-feira (12) que apenas parte da ação penal contra Ramagem poderia ser suspensa com base na imunidade parlamentar – mais precisamente, os crimes que ele teria cometido após ser diplomado deputado, em dezembro de 2022.
A decisão manteve o andamento do processo em relação a outros três crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e organização criminosa – que, segundo a Corte, ocorreram antes da diplomação e, portanto, não estão protegidos pela imunidade parlamentar.
Contrariada, a Câmara aprovou no plenário a suspensão total da ação penal, mesmo sobre os crimes anteriores à posse de Ramagem. Com base nessa decisão, Hugo Motta entrou no STF com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), pedindo liminar para garantir que a posição da Câmara prevaleça integralmente. Ele argumenta que a decisão da Primeira Turma viola a separação de Poderes e o direito à imunidade parlamentar.
Dino afirma que a Câmara não pode tudo
Flávio Dino, ex-ministro da Justiça e recém-empossado no Supremo, classificou como equivocada a interpretação de que o Legislativo pode unilateralmente impedir a atuação do Judiciário. “A ideia de que a Câmara pode suspender qualquer processo penal, sem limites, fere a própria noção de equilíbrio entre os Poderes. A separação de Poderes não é uma blindagem para a impunidade”, disse.
O ministro defendeu o julgamento colegiado da Primeira Turma – presidida por Cristiano Zanin e com relatoria de Alexandre de Moraes – como legítimo e constitucional. Para ele, acatar a tese de Motta abriria caminho para uma fragmentação institucional sem precedentes. “Se um Poder não puder ser controlado pelos limites constitucionais, voltamos à lógica do feudo, não da República”, completou.
Implicações e próximos passos
A ADPF apresentada por Hugo Motta ainda será analisada pelo plenário do STF, mas a decisão da Primeira Turma permanece válida até nova deliberação. Se a liminar for rejeitada, o processo contra Ramagem seguirá normalmente nos pontos considerados fora do alcance da imunidade parlamentar.
Ramagem, ex-diretor da Abin e aliado próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro, é o único parlamentar já tornado réu no inquérito que apura uma rede de articulação para derrubar o resultado das eleições de 2022. Ele é acusado de ter participado ativamente da instrumentalização da inteligência estatal em favor de interesses políticos ilegítimos.
O caso deve marcar mais um capítulo da tensão institucional entre o Legislativo e o Judiciário, em um momento em que o STF tem reforçado o entendimento de que a imunidade parlamentar não é escudo para crimes anteriores ao exercício do mandato