BRASÍLIA – O ex-ministro do Turismo Gilson Machado (PL) negou participação em plano de fuga do tenente-coronel Mauro Cid, motivo da sua prisão nesta sexta-feira (13). Disse que esteve em consulado português para pedir um passaporte ao pai, e não providenciar documento para o militar, delator da suposta trama golpista.

“Não matei, não trafiquei drogas, não tive contato com traficante. Apenas pedi um passaporte para meu pai, por telefone, ao consulado português do Recife”, afirmou Machado, ao chegar no Instituto de Medicina Legal (IML), no bairro de Santo Amaro, na capital pernambucana, para exame de corpo de delito, após prestar depoimento à Polícia Federal (PF).

“O meu pai tem 85 anos. No outro dia ele foi lá no consulado, com meu irmão. Se ele não recebeu, ele está para receber a renovação do passaporte português dele”, prosseguiu o ex-ministro a jornalistas, na entrada do IML. Ele também falou sobre possíveis mensagens e telefonemas que teria enviado a funcionários do consulado.

“É só pegar lá as ligações que eu fiz com o consulado. O áudio que eu mandei para funcionário dos consulados. Não estive presente em nenhum consulado, nenhuma embaixada. Nem de Portugal nem em qualquer outro lugar. Nem no Brasil, nem fora do Brasil”, completou. Em seguida, ele foi levado para o Centro de Triagem Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima (PE), onde permanecerá preso ao menos até nova decisão do STF.

Ele também negou, no depoimento à PF, qualquer envolvimento em um possível plano de fuga de Mauro Cid. Gilson Machado foi ouvido na Superintendência da PF, no bairro do Pina, na Zona Sul do Recife. O advogado Célio Avelino disse, na unidade policial, que pedirá ao Supremo Tribunal Federal (STF) informações sobre o motivo da prisão do cliente. 

“A PF não trouxe nenhuma prova, apenas o mandado de prisão. E interrogou Gilson apenas e tão somente em relação ao possível pedido de passaporte de Mauro Cid. Não tem mais nada”, afirmou o advogado. Gilson Machado foi preso na residência dele, no bairro de Boa Viagem, área nobre do Recife.

PF apontou possibilidade de Gilson Machado procurar outros consulados

Na terça (10), a PF pediu a abertura de investigação de Gilson, sob suspeita de ter agido para tentar obter um passaporte português para Cid. A PGR se manifestou favorável ao início da apuração e Moraes concedeu a autorização. 

A PF diz haver indícios que o ex-ministro foi em maio ao Consulado de Portugal em Recife, onde mora, para viabilizar o passaporte a Cid, mas sem sucesso. No entanto, a PF apontou a possibilidade de ele procurar outros consulados ou mesmo a embaixada portuguesa, em Brasília, com o mesmo objetivo.

Segundo a PGR, há “elementos sugestivos” de que o ex-ministro tenha atuado para “obstruir a instrução” da ação penal que investiga se Cid, Bolsonaro e outros tentaram aplicar um golpe de Estado no país, além de outras investigações, como o caso das joias.

“Possivelmente para viabilizar a evasão do país do réu MAURO CESAR BARBOSA CID, com o objetivo de se furtar à aplicação da lei penal, tendo em vista a proximidade do encerramento da instrução processual”, completa a PGR.

Viagem de família de Mauro Cid para os EUA levantou suspeitas

A família de Mauro Cid deixou o Brasil no fim de maio, pouco antes do interrogatório dele e de outros sete réus do chamado “núcleo crucial” na ação penal sobre a suposta trama golpista. A mulher e duas das três filhas do militar seguiram para Los Angeles (EUA), em um voo com escala no Panamá.

Em 30 de maio, os pais do ajudante de ordens de Bolsonaro, Agnes Barbosa Cid e o general Mauro Lourena Cid, a mulher, Gabriela Santiago Ribeiro Cid, e uma das filhas viajaram para Los Angeles. Eles não têm restrição para deixar o Brasil. 

A defesa do ex-auxiliar de Bolsonaro diz que a família foi comemorar a formatura do sobrinho mais velho e a festa de aniversário de 15 anos de outra sobrinha de Mauro Lourena Cid. O irmão dele mora nos EUA desde 2002. A volta está prevista para 20 de junho.

Mauro Lourena Cid, Gabriela e a filha adulta dela são investigados e tiveram processos suspensos após o tenente-coronel Mauro Cid firmar acordo de colaboração premiada. Caso ele descumpra uma das cláusulas, seus parentes voltam à condição de investigados.

Foi a descoberta dessa viagem da família aos EUA que levou o procurador-geral da República, Paulo Gonet, a enviar representação ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, pedindo medidas contra o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Gonet pediu as prisões de Mauro Cid e de Gilson Machado. Moraes expediu mandado de prisão contra Cid, mas revogou a decisão, substituindo-a por mandado de busca e apreensão, cumprindo pela PF na manhã desta sexta, em Brasília.

Apesar da revogação da prisão, o militar foi levado para a sede da PF, para prestar um novo depoimento

STF suspendeu ações contra pai, mulher e filha de Cid por causa de delação

Investigação da PF revelou que Cid transportou para os EUA jóias ganhas por Bolsonaro na condição de presidente da República. O pai do ex-ajudante de ordens, o general Mauro Lourena Cid, seria o responsável por vender as joias nos EUA e guardar o valor obtido com elas.

Pai e filho admitiram as condutas, que configuram, em tese, os crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Mauro Lourena Cid contou ter levado dinheiro vivo, apurado com a venda das joias, a Bolsonaro. 

Já a esposa, Gabriela Santiago Cid, e a filha adulta dela, foram investigadas por causa de esquema de falsificação dos cartões de vacinação comandados por Mauro Cid. Mesmo sem terem tomado vacina contra covid-19, constava no ConecteSUS que o tenente-coronel, a mulher e as três filhas do casal estavam imunizadas contra o coronavírus.

O objetivo de Cid, conforme confessou o militar, era conseguir um documento para que todos conseguissem viajar aos EUA sem ter tomado a vacina, em meio à pandemia de Covid-19, quando o país exigia o comprovante de vacinação para estrangeiros. Antes de a fraude ser descoberta pela PF, Gabriela Cid usou o documento três vezes para entrar nos EUA.

No acordo de delação premiada, o ex-ajudante de ordens pediu pena máxima de prisão de dois anos, e que os benefícios dele acordados com a PF se estendessem para o pai, a esposa e a filha que tem mais de 18 anos. Foi firmado também, pela colaboração, restituição de bens e valores apreendidos em operação da PF, e ação da PF para garantir a segurança dele e dos familiares.

Cid conseguiu cidadania portuguesa em 2024, mas não o passaporte

Em fevereiro, Alexandre de Moraes intimou a defesa de Mauro Cid para esclarecer “por qual razão o colaborador solicitou passaporte português” e se ele já havia obtido o documento.

A defesa comunicou ao STF que o militar deu entrada em um pedido de cidadania portuguesa em 11 de janeiro de 2023, “única e exclusivamente pelo fato de que toda a sua família já possuía cidadania portuguesa”.

Cid conseguiu a carteira de identidade portuguesa em 2024. O documento é válido apenas em Portugal, mas não pode ser usado para cruzar fronteiras.

“O peticionante não solicitou e não possui passaporte português (europeu), esse sim, documento que lhe permitiria, caso possuísse, viagens por qualquer país integrante da União Europeia ou outros países que tenham acordos de livre circulação com a UE”, alegou a defesa na petição.

Já Gilson Machado negou que tivesse tentado obter o documento para Cid. Disse que procurou o consulado para tratar do passaporte de seu pai. Gilson foi ministro do Turismo de 2020 a 2022. Era um auxiliar próximo de Bolsonaro e se tornou conhecido também por tocar sanfona nas lives semanais do então presidente.