BRASÍLIA - O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), irá depor ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta segunda-feira (14). Esse é o primeiro dia dos depoimentos de testemunhas dos núcleos 2, 3 e 4 da suposta trama golpista. Ele será ouvido na condição de delator.
Em tese, podem ser ouvidas, no total, mais de 100 testemunhas indicadas pela Procuradoria Geral da República (PGR), que faz a acusação, e pelas defesas dos acusados. Os depoimentos serão por videoconferência e acontecerão até o dia 23 de julho.
O núcleo 2, chamado de "núcleo gerencial", é formado por aliados de Bolsonaro, como Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), e Filipe Martins, ex-assessor da Presidência.
De acordo com denúncia apresentada pela PGR, eles são acusados de elaborar a chamada "minuta do golpe", de monitorar o ministro do STF Alexandre de Moraes e de articular ações com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para dificultar o voto de eleitores do Nordeste no segundo turno das eleições de 2022.
O núcleo 3, composto basicamente por militares, seria responsável pelo plano Punhal Verde e Amarelo, que incluía o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes, do STF e até a morte do presidente da República eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Já o núcleo 4 foi formado por pessoas acusadas de espalhar notícias falsas e atacar autoridades e instituições, incluindo o sistema eleitoral brasileiro.
Quem é Mauro Cid
Mauro Cid foi assessor direto de Bolsonaro entre 2019 e 2022. Na função, ele era o “braço direito” do ex-presidente e atuava como um secretário, atendendo, inclusive, a interesses pessoais de Bolsonaro. Ele circulava tanto no Palácio do Planalto, que é a sede administrativa do governo federal, quanto no Palácio da Alvorada, a residência oficial em Brasília.
O militar foi preso pela primeira vez em maio de 2023, em uma operação pelo esquema da suposta fraude em cartões de vacinação. O militar foi solto em setembro do mesmo ano, após assinar acordo de delação premiada, mas voltou para a prisão em março de 2024 após o vazamento de áudios atribuídos a ele com críticas ao seu processo de colaboração (até então, sigiloso).
Ele está em liberdade provisória desde maio de 2024, mas tem que cumprir medidas cautelares. Entre elas, o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de sair do país e de se comunicar com outros investigados. Na mesma época, o acordo de delação premiada de Cid foi questionado por suposta obstrução à Justiça, mas mantido pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Agentes da investigação usaram a colaboração de Cid para entender a articulação da suposta trama golpista. Um vídeo encontrado no computador do militar apreendido pela PF revelou, por exemplo, uma reunião em julho de 2022 em que Bolsonaro disse a seus ministros que era preciso “fazer alguma coisa” antes da ida dos eleitores às urnas.
O tenente-coronel virou réu em 26 de março, no recebimento da denúncia do chamado “núcleo crucial” da trama, que inclui Bolsonaro. Na ocasião, o advogado dele, Cezar Bittencourt, disse “como assessor do ex-presidente, ele tinha conhecimento dos fatos” e “cumpriu com o seu dever” de delator.
Depoimento de testemunhas
Na lista de pessoas que serão ouvidas, estão o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que integra o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Outros nomes são os dos ex-comandantes das Forças Armadas Marco Antônio Freire Gomes, do Exército, e Carlos de Almeida Baptista Júnior, da Aeronáutica.
Filipe Martins, que era um dos principais auxiliares de Bolsonaro durante seu governo, indicou nomes como os senadores Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é ex-presidente do Senado, e Eduardo Girão (Novo-CE), além dos deputados federais Marcel Van Hattem (Novo-RS) e Hélio Lopes (PL-RJ).
O ministro Alexandre de Moraes cancelou os depoimentos do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) previstos no inquérito. Na decisão, o relator afirmou que ambos são filhos de Jair Bolsonaro, réu no "núcleo crucial" da suposta trama golpista, e já investigados em outras ações penais.
“Todas as investigações são conexas. Ambos, também são filhos de um dos investigados em ação penal conexa, portanto, não podem ser ouvidos como testemunhas”, explicou o ministro.
Os dois filhos de Jair Bolsonaro foram indicados pela defesa de Filipe Martins e estavam previstos para serem ouvidos na manhã de 16 de julho.
Serão ouvidos também, entre outros, três ex-ministros do governo Bolsonaro: Onyx Lorenzoni, pela defesa de Martins; Ciro Nogueira e Eduardo Pazuello, indicados pelo ex-ajudante de ordens da Presidência Marcelo Câmara.
Os depoimentos serão comandados pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, e não poderão ser gravados pela imprensa e pelos advogados que vão acompanhar as audiências. Testemunhas com prerrogativa de foro (senadores, deputados e outras autoridades) podem escolher o dia e o horário.
Após os depoimentos das testemunhas, os réus serão convocados para o interrogatório. A data ainda não foi definida.
Saiba quem são os acusados do núcleo 2
Os réus do chamado "núcleo gerencial" fazem parte do segundo dos cinco núcleos de envolvidos na suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. Eles são apontados como responsáveis por coordenar e dar suporte ao planejamento do suposto plano golpista.
Formado por aliados do ex-presidente, o grupo é acusado na denúncia apresentada pela PGR de elaborar a chamada "minuta do golpe", de monitorar o ministro do STF Alexandre de Moraes e de articular ações com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para dificultar o voto de eleitores do Nordeste no segundo turno das eleições de 2022.
Saiba quem são:
- Fernando de Sousa Oliveira, delegado da Polícia Federal (PF)
Na época, era diretor de Operações do Ministério da Justiça. Segundo a PGR, ele teria coordenado, em conjunto com outros denunciados, ações para dificultar o voto de eleitores de Lula, especialmente no Nordeste, utilizando a estrutura da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Uma das ações teria sido o bloqueio de rodovias.
- Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República
Segundo a denúncia assinada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, o ex-assessor teria redigido uma minuta do decreto golpista e apresentado o texto a Jair Bolsonaro. O então presidente teria sugerido alterações para obter respaldo das Forças Armadas para consumar o plano.
- Marcelo Câmara, coronel da reserva do Exército e ex-assessor da Presidência da República
Foi denunciado por supostamente integrar o núcleo de planejamento do golpe de Estado, tendo participado de reuniões sobre a minuta. Teria ainda monitorado o ministro Alexandre de Moraes. Chegou a ser preso preventivamente durante a operação Tempus Veritatis em fevereiro de 2024, mas foi solto em maio. Foi preso novamente no final de junho, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, por suspeita de tentativa de obstrução das investigações.
- Marília Ferreira de Alencar, delegada da Polícia Federal (PF)
Única mulher entre os denunciados, é acusada por Gonet de coordenar ações para dificultar o voto de eleitores de Lula no segundo turno das eleições de 2022. Como diretora de Inteligência do Ministério da Justiça, teria solicitado mapas de municípios onde o petista teve maior votação para direcionar operações da PRF.
- Mário Fernandes, general da reserva do Exército
A PGR aponta o militar como um dos principais incentivadores da tentativa de golpe de Estado. Cita que ele teria coordenado ações de monitoramento e planejado o assassinato de autoridades, incluindo Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes. Está preso desde novembro de 2024.
- Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF)
É acusado de utilizar a estrutura da PRF para interferir no resultado das eleições de 2022, especialmente no segundo turno. Entre as ações, estavam a realização de blitzes em regiões onde Lula tinha maior apoio, contrariando ordens do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Chegou a ser preso em agosto de 2023, mas foi liberado posteriormente por Moraes.
Saiba quem são os acusados do núcleo 3
O núcleo 3 é composto basicamente por militares, entre eles, os chamados "Kids pretos", do Batalhão de Comandos Especiais do Exército. Entre as ações do grupo estava o plano de atentado contra autoridades, chamado de “Punhal Verde e Amarelo”, que seria executado após as eleições presidenciais de 2022.
Além disso, teriam atuado para pressionar o Comandante do Exército e o Alto Comando a aderir à suposta trama golpista. De acordo com a denúncia da PGR, são eles:
Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, como comandante do Comando de Operações Terrestres (COTER), teria aceitado coordenar o emprego das forças terrestres conforme as diretrizes do grupo.
Os "kids pretos" Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira e Rodrigo Bezerra de Azevedo e o policial federal Wladimir Matos Soares teriam liderado ações de campo voltadas ao monitoramento e neutralização de autoridades.
Bernardo Romão Correa Netto, Cleverson Ney Magalhães, Fabrício Moreira de Bastos, Márcio Nunes de Resende Júnior, Nilton Diniz Rodrigues, Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros e Ronald Ferreira de Araujo Junior teriam promovido ações táticas para convencer e pressionar o Alto Comando do Exército a consolidar o golpe.
Saiba quem são os acusados do núcleo 4
Já o núcleo 4 foi formado, de acordo com o processo, por pessoas acusadas de espalhar notícias falsas e atacar autoridades e instituições, incluindo o sistema eleitoral brasileiro.
Essa lista também tem como réus militares do Exército, como o ex-major Ailton Moraes Barros, o major da reserva Ângelo Denicoli, o subtenente Giancarlo Rodrigues, o tenente-coronel Guilherme Almeida e o coronel Reginaldo Abreu.
Ainda, o agente da Polícia Federal Marcelo Bormevet e o presidente do Instituto Voto Legal Carlos Cesar Moretzsohn Rocha.
Crimes listados pela PGR
A denúncia, assinada pelo procurador Paulo Gonet, foi embasada no indiciamento feito pela PF em novembro do ano passado. A investigação teve como base a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
Além disso, por meio de operações policiais, os agentes recolheram outros materiais que, segundo a denúncia, comprovam a veracidade do esquema. Entre os itens, estão manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens.
Eles respondem pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado. As penas somadas podem chegar até 43 anos e quatro meses de prisão por conta de agravantes.
Confira os principais depoimentos previstos
- General Marco Antônio Freire Gomes - comandante do Exército no governo Bolsonaro, não aderiu à suposta trama golpista e, de acordo com as investigações, teria ameaçado dar voz de prisão ao ex-presidente após receber a sugestão para que as tropas aderissem à trama golpista.
- Brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior - comandante da Aeronáutica no governo Bolsonaro, não teria aderido à suposta trama golpista. Em depoimento, o militar confirmou ter presenciado o então comandante do Exército, Marco Antonio Freire Gomes, ameaçar o ex-presidente de prisão caso levasse seu plano de golpe adiante.
- Ibaneis Rocha Barros Júnior - governador do Distrito Federal. Ele chegou a ser investigado pela Polícia Federal por omissão durante os atos de 8 de janeiro de 2023, mas o STF arquivou o inquérito.
- Tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid - ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro e réu no inquérito que apura suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. Ele faz parte do núcleo 1, chamado de "núcleo crucial" e firmou acordo de delação premiada.
- Valdemar da Costa Neto – presidente nacional do PL. Embora tenha sido indiciado pela Polícia Federal (PF) por suposta participação em tentativa de golpe, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não apresentou denúncia contra ele, por não ver provas da participação dele na trama golpista. Em entrevistas, o ex-deputado teria dito que recebeu várias propostas, documentos que supostamente poderiam alterar no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o resultado eleitoral e que teve o cuidado de triturar esses documentos.