Investigação

Aliados dos Brazão, Paes e Castro mantêm silêncio sobre fim do Caso Marielle

Governador e prefeito do Rio de Janeiro, não se manifestaram publicamente sobre o desfecho de um dos mais crimes de maior repercussão da história da cidade e do Estado

Por Renato Alves
Publicado em 25 de março de 2024 | 13:53
 
 
 
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Passadas mais de 24 horas da operação que resultou na prisão dos acusados de serem os mandantes dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e o prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes (PSD), não se manifestaram publicamente sobre o desfecho de um dos mais crimes de maior repercussão da história da cidade e do Estado.

Adversários no campo político, Castro e Paes também parecem alinhados em suas contas nas redes sociais. Ambos não publicaram nada nesta segunda-feira, até a mais recente atualização desta reportagem. No domingo (24), os dois só fizeram um post com o mesmo assunto: alerta sobre as chuvas que vêm castigando o Rio de Janeiro.

O silêncio do governador e do prefeito e do governador talvez seja explicado pela proximidade de ambos com o deputado federal Chiquinho Brazão (União Brasil-RJ) e o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) Domingos Brazão, presos no domingo com o ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa.

Durante sua vitoriosa campanha ao governo do Rio de Janeiro, em 2022, Cláudio Castro dividiu palanque e caminhões de som com integrantes do clã Brazão, inclusive os dois presos no domingo. Ao microfone, Castro rasgou elogios aos irmãos e pediu votos para Chiquinho (então candidato a deputado federal) e Pedro Brazão (que conseguiu ser eleito deputado estadual).

Em um dos comícios, Castro afirmou que os Brazão são “representantes legítimos” do Estado do Rio de Janeiro. Vídeos desses momentos da campanha eleitoral de 2022 tomaram as redes sociais após a prisão dos irmãos Brazão, que, além de elegerem deputados, conseguiram nomear apadrinhados para cargos de confiança na Prefeitura do Rio de Janeiro e no governo do estado do Rio de Janeiro, com as vitórias de Eduardo Paes e Cláudio Castro.

Chiquinho Brazão fez parte do secretariado de Eduardo Paes

Chiquinho Brazão se licenciou da Câmara dos Deputados para assumir a Secretaria de Ação Comunitária do município do Rio de Janeiro, na gestão de Eduardo Paes, em 3 de outubro de 2023. Permaneceu no cargo até 1º de fevereiro de 2024. 

A solenidade de nomeação de Chiquinho contou com a presença de integrantes do clã Brazão, influente na política do Rio de Janeiro. Entre outros, o deputado Pedro Brazão e Lucia, presidente do diretório municipal do Republicanos e irmã dos dois presos por suposto envolvimento nas mortes de Marielle e Anderson. Já Kaio Brazão, filho de Domingos, foi saudado por Eduardo Paes como “futuro vereador”. 

Chiquinho Brazão foi nomeado por Paes quando já se sabia que as investigações sobre as mortes de Marielle e Anderson avançavam contra a família dele. Chiquinho deixou o cargo na prefeitura e voltou à Câmara dos Deputados quando o nome do seu irmão Chiquinho já era tido como certo no envolvimento do crime. Na ocasião, Paes não comentou a saída de Chiquinho Brazão. 

Viúva de Marielle criticou Paes por causa da nomeação de Chiquinho

Assim como outros nomes da esquerda, a vereadora Mônica Benício (PSOL), viúva de Marielle, criticou publicamente a nomeação de Chiquinho Brazão por Eduardo Paes. O deputado foi uma indicação política do Republicanos, partido presidido no Rio de Janeiro pelo prefeito Wagner dos Santos Carneiro, de Belford Roxo. O arranjo político fez parte de uma articulação de Eduardo Paes, para ampliar a base política com vistas às eleições municipais deste ano.

“Eduardo Paes nomeou ninguém menos do que Chiquinho Brazão como seu secretário. Me causa náuseas dizer isso. E fez isso na mesma semana em que veio à público a notícia de que a Polícia Federal estava investigando e suspeitava do envolvimento da família Brazão no assassinato de minha esposa, Marielle Franco. Queria dizer que estou surpresa, mas estaria mentindo. Para se manter no poder, o atual prefeito já deixou nítido que vale tudo, até se aliar com quem ele mesmo responsabilizou pela destruição do Rio de Janeiro”, disse Mônica na tribuna da Câmara Municipal do Rio de Janeiro em  12 de dezembro de 2023.

O vereador Waldir Brazão, ex-chefe de gabinete do deputado estadual Manoel Brazão, irmão de Domingos e Chiquinho, saiu em defesa do clã Brazão e disse que a morte de Marielle era a única pauta de Monica. Waldir usa o nome Brazão, apesar de não ser da família, porque conta com o apoio dela, de olho no eleitorado do clã.

“A única pauta que ela tem é a morte da Marielle. Que todo mundo já sabe tudo porque lê no jornal, todo dia, a mesma coisa. Se ela não tiver essa pauta, ela não consegue fomentar o eleitorado do PSOL. (...) Ela dormia do lado de Marielle, mas não sabia de nada. É mais fácil acusar um Brazão do que outro”, afirmou.

A viúva de Marielle rebateu a declaração do aliado dos Brazão e disse que “aos preocupados com a Justiça, ela chegará”.

“Eu não sou delegada, não sou investigadora, não trabalho no Ministério Público. Sou a viúva de Marielle Franco. Quem disse da possibilidade do envolvimento da família Brazão, do Chiquinho Brazão, foi a Polícia Federal. Não fui eu. Há um processo e o final está chegando. E aí os nervosos podem ficar mais nervosos ainda, porque é uma questão de tempo. Aos preocupados com a Justiça, ela chegará. Não existe crime perfeito. Chegaremos ao final desse caso. A execução dela irá transformar a história do Brasil, não só na perda da matéria de seu corpo, mas ao transformar a política e o submundo do Rio de Janeiro quando a revelação dos nomes dos mandantes e todos os envolvidos chegarem ao conhecimento público”, concluiu Mônica.

Os Brazão são apontados como braços políticos de milícias cariocas há quase 20 anos. Em 2008, relatório da CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) apontou Domingos Brazão, então deputado estadual pelo PMDB, como alguém que contava com apoio da milícia de Rio das Pedras. Essa relação foi apontada pelo vereador Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho de Rio das Pedras (DEM), primeiro a depor na CPI, em 9 de setembro de 2008.

Ainda segundo o relatório, Domingos e Chiquinho Brazão teriam influência política na área de atuação da milícia na 15ª região administrativa de Madureira. conforme a conclusão da CPI, o grupo seria formado por civis, policiais civis e policiais militares e teria 14 milicianos, com atuação na exploração de serviços, como sinal de TV a cabo, venda de imóveis, gás e comércio. Apesar das citações, a família Brazão não teve pedido de indiciamento pela CPI.

PF destaca ameaças de Domingos Brazão a adversários

A Polícia Federal lembrou, no relatório final sobre os assassinatos de Marielle e Anderson, o histórico de ameaças a adversários por parte de Domingos Brazão. Os investigadores também destacaram que o conselheiro do TCE-RJ, que foi vereador e deputado estadual, é o mais novo de seis irmãos de uma família com forte influência na política fluminense, mas de origem humilde, que acumulou riquezas após assumir cargos públicos. 

“O líder do Clã Brazão, Domingos Brazão, esteve ao longo dos anos envolto em uma névoa criminal nunca dissipada em razão das relações político-estatais por ele construídas. Cercou-se de policiais, parlamentares, políticos, conselheiros dos Tribunais de Contas e líderes de organizações criminosas, notadamente aquelas que exploram atividades típicas de milícias”, cita a PF no relatório.

Os episódios mais conhecidos protagonizados por Domingos Brazão quando era deputado envolveram Cidinha Campos, que sempre apresentou relatórios sobre supostas ações criminosas do adversário político, mas nunca conseguiu que os casos fossem apurados. 

Durante discussão no plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) em 2014, após ser chamada de “vagabunda e p***”, Cidinha rebateu: “É melhor ser p*** do que matador e ladrão”. E Brazão devolveu: “Mando matar vagabundo mesmo. Sempre mandei. Mas vagabundo. Vagabunda ainda não mandei matar”.

O homicídio ao qual Brazão fez referência teria ocorrido quando ele era jovem. Segundo o ex-deputado, ele foi absolvido porque o caso foi entendido como legítima defesa. “Matei, sim, uma pessoa. Mas isso tem mais de 30 anos, quando eu tinha 22 anos. Foi um marginal que tinha ido à minha rua, em minha casa, no dia do meu aniversário, afrontar a mim e a minha família. A Justiça me deu razão”, contou Brazão à época da briga com Cidinha, em entrevista ao jornal O Globo.

Domingos Brazão também ameaçou conselheiro do TCE-RJ, diz PF

O relatório da PF destaca ainda a suposta ameaça de Domingos Brazão ao conselheiro do TCE-RJ José Maurício Nolasco por causa de um suposto acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal (MPF), que resultaria na Operação Quinto do Ouro.

Investigação do MPF e da PF apontava para um esquema de corrupção na Alerj e no TCE-RJ. Conselheiros do Tribunal de Contas recebiam 15% dos valores liberados pelo Fundo de Modernização da Corte para pagamentos de faturas vencidas de fornecedores de alimentação para presos e adolescentes submetidos a medidas de internação, além de favorecer as empresas de transporte em atos de fiscalização, segundo a investigação.

Operação desencadeada em 2017 resultou nas prisões de Aloysio Neves (presidente do TCE-RJ na época), Domingos Brazão, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e José Maurício Nolasco. 

Em delação premiada, José Lopes de Carvalho Júnior (outro conselheiro do TCE-RJ), contou que num almoço anterior à prisão foi cogitada a possibilidade de Nolasco firmar acordo de delação premiada após ter reportagem apontar que ele tinha recebido de um executivo da construtora Andrade Gutierrez vantagens indevidas.

“Se ele fizer isso ele morre. Eu começo por um neto, depois um filho, faço ele sofrer muito, e por último ele morre”, teria dito Domingo Brazão.

STF mantém prisão de delegado e irmãos Brazão

Na manhã desta segunda-feira (25), a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, de forma unânime, as prisões dos três suspeitos de serem os mandantes dos assassinatos de Marielle e Anderson, ocorridos em março de 2018. 

Além de Alexandre de Moraes, que expediu as ordens de prisão, votaram para manter a decisão os ministros Cristiano Zanin, Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux. O caso foi analisado em plenário virtual. Os integrantes do colegiado tinham até 23h59 desta segunda-feira para se manifestar. 

Os mandados de prisão preventiva foram expedidos por Alexandre de Moraes, diante de relatório da PF que apontou crime político, motivado pelo fato de Marielle contrariar interesses da milícia e a grilagem de terras na zona oeste do Rio.

“Os indícios de autoria mediata que recaem sobre os irmãos Domingos Inácio Brazão e José Francisco Brazão são eloquentes. Com base na dinâmica narrada pelo executor Ronnie Lessa e pelos elementos de convicção angariados durante a fase de corroboração de suas declarações, extrai-se que os irmãos contrataram dois serviços para a consecução do homicídio da então vereadora Marielle Franco”, diz a PF no relatório. 

Com 479 páginas, o documento revela detalhes do funcionamento de uma rede de autoridades públicas suspeitas de estar por trás do crime praticado em 14 de março de 2018. As prisões ocorreram cinco dias após o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, anunciar a homologação da delação premiada de Ronnie Lessa, ex-policial militar que confessou ter executado Marielle e Anderson, com parceria de Élcio Queiroz, que dirigia o carro usado no crime.

A maior surpresa, para os familiares e amigos das vítimas, foi a inclusão do nome do ex-chefe da Polícia Civil, que até então nunca havia sido citado. No relatório, os investigadores afirmam que Rivaldo Barbosa “planejou meticulosamente” o crime. A mulher dele, Erica Andrade, foi alvo de buscas e apreensão. Ela é apontada como responsável por lavar dinheiro que o marido ganhou por meio de propinas quando era chefe da Delegacia de Homicídios do Rio e diretor da Polícia Civil fluminense.

“Se mostra indubitável a conclusão de que Rivaldo Barbosa instalou na diretoria de divisão de homicídios um verdadeiro balcão de negócios destinado a negociatas que envolviam a omissão deliberada ou o direcionamento de investigações para pessoas que se sabiam inocentes. Para tanto, Rivaldo fez negócio com contraventores, milicianos e, como se vê no caso em tela, políticos, no afã de se locupletar financeira e politicamente”, afirmam os investigadores. 

Os presos foram levados pela manhã para a Superintendência da Polícia Federal, no Rio de Janeiro Eles passaram por audiência de custódia. À tarde, foram transferidos para Brasília.

Outros investigados têm bens bloqueados 

Além das prisões e das buscas, Moraes também determinou bloqueio de bens; afastamento das funções públicas; e outras medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno, entrega de passaporte e suspensão de porte de armas.

Policiais federais vasculharam o gabinete de Domingos Brazão no TCE-RJ, na manhã de domingo, para cumprir o mandado de busca e apreensão contra o conselheiro. 

Também foram alvos de medidas cautelares Erica Andrade, esposa de Rivaldo Barbosa; Giniton Lages, delegado da Polícia Civil e ex-chefe do Departamento de Homicídios; Marco Antonio Barros, comissário de Polícia Civil; e Robson Calixto Fonseca, assessor do TCE-RJ.

 

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