O depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, é tido pela Polícia Federal (PF) como uma das principais peças para incriminar Jair Bolsonaro (PL) e militares fiéis ao ex-presidente no inquérito que apura um suposto plano de golpe de Estado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com prisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
No depoimento de sexta-feira (1º), que durou quase 8 horas, Freire Gomes respondeu as 250 perguntas formuladas pelos integrantes da Operação Tempus Veritatis, que apura a suposta trama criminosa. Entre outras coisas, o general confirmou a existência de uma “minuta golpista”, atribuiu a Bolsonaro a manutenção dos acampamentos nos quartéis e corroborou com a delação de Mauro Cid.
Freire Gomes, que comandou o Exército entre março e dezembro de 2022, não é investigado. Ele foi convocado para depor em razão de mensagens de texto e áudio que o tenente-coronel Mauro Cid – o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que agora cumpre papel de delator –, lhe enviou citando a “minuta”. As mensagens teriam sido trocadas após uma reunião de oficiais supostamente simpáticos ao plano golpista em Brasília, no fim de novembro de 2022.
Além dessas mensagens e outras recuperadas por peritos da PF, os investigadores têm entre as provas imagens de reunião oficial de Bolsonaro com seus ministros, no Palácio do Planalto, em julho de 2022, em que o então presidente cobra dos subordinados ações para impedir a vitória “da esquerda” nas eleições de outubro daquele ano. O conteúdo estava em um computador de Mauro Cid.
No desencadeamento da Tempus Veritatis, há quase um mês, investigadores encontraram uma “minuta golpista” no gabinete de Bolsonaro dentro da sede do Partido Liberal (PL) – ele é presidente da honra da sigla. Agentes já haviam encontrado outra “minuta golpista” na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, investigado pela suposta trama e por omissão nos atos de 8 de janeiro.
O depoimento de Freire Gomes é mantido sob sigilo, mas, com base em informações de fontes da PF, o G1, a CNN, o Estadão e o Globo divulgaram trechos. Há a expectativa de Alexandre de Moraes divulgar o seu inteiro teor em breve.
Confira abaixo o que se sabe das informações dadas por Freire Gomes à PF:
Freire Gomes foi o último dos ex-comandantes das Forças Armadas a prestar depoimento à PF depois do desencadeamento da operação Tempus Veritatis. Em depoimento há uma semana, Baptista Júnior deu declarações parecidas com as de Freire Gomes.
O ex-comandante da Aeronáutica também falou sobre a reunião em que Bolsonaro cobrou dos três comandantes participação no suposto plano para impedir a posse de Lula e prender Alexandre de Moraes. Também complicou a situação de Paulo Sérgio Nogueira, colocando o ex-ministro da Defesa no centro das investigações.
Conforme investigação da PF e os depoimentos dos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, a oposição à tentativa de golpe colocou ambos na mira do ex-presidente e seus ministros, em especial o general Walter Braga Netto, candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro à reeleição.
Diálogos captados pela PF e expostos no relatório que baseou a Tempus Veritatis mostram Mauro Cid e Braga Netto atacando Freire Gomes e Baptista Júnior.
Num desses diálogos, Braga Netto criticou Freire Gomes por rejeitar o plano golpista e o chamou de “cagão”. “Oferece a cabeça dele”, escreveu Braga Netto sobre o general, em mensagem endereçada a Ailton Barros, ex-major do Exército que foi candidato a deputado estadual pelo PL.
No mesmo conjunto de mensagens encontradas no celular de Ailton Barros – demitido do Exército por razões disciplinares – Braga Netto afirmou que a “culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do general Freire Gomes”. “Omissão e indecisão não cabem a um combatente”, acrescentou.
Em outras mensagens recuperadas pela PF, Braga Netto orienta ataques a Baptista Júnior e à família do oficial general, bem como ataca o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, vítima de uma campanha de difamação que procurava apresentá-lo como “melancia” – verde por fora e vermelho por dentro –, assim como ao futuro chefe do Estado-Maior do Exército, o general Richard Nunes. Nunes comandava então o Nordeste e Tomás, o Sudeste.
No depoimento à PF, Freire Gomes contou ter se sentido profundamente atingido pela revelação das mensagens de Braga Netto porque, além dos insultos pessoas, na época, estava de luto pela morte de sua mãe, Maria Freire Gomes.