Vítima da ditadura

STJ decide se filhas de Ustra vão indenizar parentes de homem morto em tortura

Jornalista morreu em decorrência de espancamentos e atos de tortura “comandados e praticados por Carlos Alberto Brilhante Ustra

Por Renato Alves
Publicado em 07 de novembro de 2023 | 08:37
 
 
 
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O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retoma, nesta terça-feira (7), o julgamento de um recurso para restabelecer a condenação do ex-coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra a indenizar a família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado em julho de 1971, em meio a uma sessão de tortura, durante a ditadura militar.

O processo começou a ser julgado em junho deste ano, sendo interrompido com o placar de votação em 1 a 1. Após sucessivos adiamentos, o caso voltará a julgamento na Quarta Turma do tribunal.

O colegiado analisa a legalidade da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que derrubou a decisão de primeira instância que condenou os herdeiros de Ustra a pagarem R$ 100 mil para a viúva, Ângela Mendes de Almeida, e a irmã de Merlino, Regina Almeida, além de reconhecer a participação do então coronel nas sessões de tortura que mataram o jornalista.

O relator, ministro Marco Buzzi, votou pela anulação da decisão do tribunal paulista e determinou que a primeira instância julgue o caso novamente. Buzzi entendeu que os crimes atribuídos à Ustra podem ser considerados contra a humanidade. Dessa forma, a pretensão de reparação às vítimas e seus familiares não prescreve.

O ministro acrescentou que a Lei de Anistia, aprovada em 1979 para anistiar crimes cometidos durante a ditadura, não impede o andamento das ações indenizatórias, que são de matéria cível.

Em seguida, a ministra Maria Isabel Galotti votou para manter a decisão da Justiça paulista que considerou o caso prescrito. Faltam os votos dos ministros João Otávio de Noronha, Antonio Carlos Ferreira e Raul Araújo.

Jornalista morreu após 24 horas de torturas comandadas por Ustra

O colegiado analisa um recurso ajuizado pela companheira e pela irmã de Luiz Eduardo Merlino, morto em 1971 nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) em São Paulo. 

Integrante do Partido Operário Comunista à época, Merlino foi preso em 15 de julho de 1971, em Santos, e levado para a sede do DOI-Codi, onde morreu em decorrência de espancamentos e atos de tortura “comandados e praticados” por Ustra, segundo processo na Justiça paulista.

Testemunhas relataram que Merlino foi espancado “durante 24 horas seguidas no ‘pau-de-arara’” e teve complicações circulatórias nas pernas que acabaram levando à morte, por falta de atendimento médico.

Na época, Ustra chefiava o órgão subordinado ao Exército e conhecido por torturar pessoas apontadas como inimigas do regime militar instaurado por meio de um golpe de Estado em 1964 e que só teve fim em 1985. Estima-se que mais de 7 mil pessoas tenham sido torturadas nas instalações do DOI-Codi e ao menos 50 assassinadas sob custódia entre 1969 e 1975.

Primeiro a ser condenado

Em 2008, Ustra tornou-se o primeiro oficial condenado na Justiça brasileira em uma ação declaratória por sequestro e tortura durante o regime militar. A sentença é uma resposta ao pedido de cinco pessoas da família Teles que acusaram Ustra de sequestro e tortura em 1972 e 1973. 

Acusados de subversão, Maria Amélia de Almeida Teles e César Teles e Criméia – irmã de Maria Amélia –, que estava grávida, foram presos no DOI-Codi. Com 5 e 4 anos, Janaína e o irmão foram levados para o presídio como uma forma de pressão. Além de serem ameaçadas pelos agentes, as crianças foram obrigadas a assistir sessões de tortura dos pais.

As testemunhas, que estiveram presas com os Teles, disseram que Ustra comandava as sessões de tortura com espancamento, choques elétricos e tortura psicológica. Das celas,ouviam gritos e choros dos presos.

Filhas de Ustra alegam prescrição

Já o recurso contra os familiares de Ustra que será julgado pelo STJ contesta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que entendeu que o caso já estava prescrito, e derrubou a condenação determinada em primeira instância. 

Em 2012, a juíza Cláudia Lima Menge, da 20ª Vara Cível da capital paulista, condenou Ustra a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais. A defesa de Ustra negou a participação do militar nos atos, argumentou que o caso já estava prescrito e que são inverídicos os relatos feitos por presos políticos.

Ustra morreu em outubro de 2015, e suas filhas – Patrícia Silva Brilhante Ustra e Renata Silva Brilhante Ustra – passaram a constar no processo como herdeiras do militar. Apesar de adultas, as duas recebem pensões do Estado por serem filhas de militar falecido.

Em 2018, a 13ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do TJ-SP anulou a sentença da juíza. Para os desembargadores, o caso já estava prescrito porque a ação foi ajuizada em 2010, 39 anos depois da morte do jornalista e 22 anos depois da Constituição de 1988 – marco temporal para correr o prazo prescricional de 20 anos para propor a ação, conforme voto do desembargador Salles Rossi.

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