Incentivo fiscal

Minas Gerais destina 10 vezes menos do que pode para Lei de Incentivo ao Esporte

Apesar de o Conselho Nacional de Política Fazendária permitir até 0,5%, governo limita o teto de captação de recursos a 0,05% da receita líquida do ICMS

Por Gabriel Ferreira Borges
Publicado em 22 de setembro de 2023 | 07:00
 
 
 
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O governo Romeu Zema (Novo) reserva um volume dez vezes menor do que poderia para a captação de recursos por meio da Lei de Incentivo ao Esporte de Minas Gerais. Em 2023, o teto, que poderia ter ultrapassado R$ 260 milhões, foi de apenas R$ 26,1 milhões, esgotados já em julho. Desde então, resta a uma série de executores, que já têm o compromisso de empresas em apoiar os projetos esportivos, aguardar até 2024 para captar recursos.

De acordo com o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), os incentivos fiscais dados através da Lei de Incentivo ao Esporte devem ser limitados a até 0,5% da receita líquida de ICMS do estado no ano anterior. Entretanto, desde 2013, quando o projeto foi regulamentado pelo então governador Antonio Anastasia, o teto de Minas é de 0,05%, ou seja, dez vezes inferior à alíquota máxima estabelecido pelo Confaz - o Rio de Janeiro é o único autorizado a dar até 2% de incentivos via a lei.

O diretor da Associação Natividade, Rafael Diniz, que trabalha com a apresentação de projetos desde o primeiro edital da Lei de Incentivo de Esporte, afirma que, para um estado de 853 municípios, R$ 26 milhões são nada. “O Estado de São Paulo, por exemplo, usa 0,2% do ICMS, o que, neste ano, correspondeu a R$ 60 milhões. São Paulo tem menos municípios (645) do que Minas. Além de ter mais recursos, eles estão sendo distribuídos de uma forma em que há mais chances de chegar a mais municípios”, questiona Diniz.

Lançado em dezembro de 2022, o último edital da Lei de Incentivo ao Esporte determinou que o máximo a ser captado por cada projeto seria de R$ 385 mil, o que, segundo a presidente da Federação Mineira de Xadrez, Luciane Sepúlveda, limita a penetração dos projetos. “O teto fica bastante baixo para a gente executar em todos os municípios que a gente pleiteia. No meu caso, eu tenho dois projetos (direcionados a crianças de baixa renda) de R$ 300 mil com a mesma empresa. É o mesmo projeto, mas dividido em dois (por causa do teto), o que atrapalha a execução”, diz.

Sob reserva, um empresário, que é responsável por elaborar os projetos de captação para associações sem fins lucrativos, aponta que, embora o teto de 0,05% esteja em vigor há dez anos, os problemas começaram no ano passado, quando o limite foi alcançado em outubro. “Admissível, tudo bem, era só esperarmos dois meses para abrir o teto novamente. Mas neste ano foi em julho”, critica ele. “Antes (de 2022), havia muito menos projetos propostos e as empresas desconheciam a Lei de Incentivo. Então, sobrava dinheiro.”

O esgotamento dos R$ 26 milhões já em julho tem levado associações, que têm projetos financiados por editais anteriores ainda em andamento, a se adiantar para evitar problemas. “Se a empresa espera o término do projeto (em andamento) para assinar o termo de compromisso para o ano que vem, (a Lei de Incentivo) já vai ter atingido o teto, porque vários termos de compromisso já vão ter sido assinados (entre outras empresas e associações)”, apontou outro executor a O TEMPO, que pediu para ser mantido em anonimato.

A tendência, como ele mesmo acrescenta, é que, em razão do baixo teto da Lei de Incentivo ao Esporte, os recursos se esgotem cada vez mais rápido ano a ano. “O que vai acontecer no ano que vem? Os que estão saindo na frente já vão ter um termo de compromisso assinado e aqueles menores, os que estão chegando agora, não vão conseguir nunca assinar um termo de compromisso, porque já vai estar tudo esgotado”, projeta o executor.

O que é termo de compromisso? É o documento em que a empresa formaliza o acordo para apoiar determinado projeto. Nele, está o cronograma de repasses de recursos e a autorização da Subsecretaria de Receita Estadual para deduzir o valor no ICMS que ela deve.  

Lei de Incentivo à Cultura é seis vezes maior

O teto vinculado à alíquota de 0,05% de arrecadação do ICMS provocou uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na última terça (19/9). Inclusive, o deputado Cristiano Silveira (PT) planeja apresentar uma proposta para elevar progressivamente a alíquota de 0,05% para 0,5%. “Queremos discutir uma alíquota progressiva para equiparar aos outros estados do Sudeste e também à Lei de Incentivo à Cultura”, afirmou Silveira, que convocou a audiência.

Em termos de comparação, a Lei de Incentivo à Cultura destinou ao setor para captação neste ano cerca de R$ 156 milhões, valor seis vezes superior aos R$ 26 milhões de incentivo fiscal reservado ao esporte. O Sistema de Financiamento de Cultura de Minas fixa um teto de incentivo fiscal de 0,3% da arrecadação líquida do ICMS no exercício anterior - o limite pode chegar a 0,4% a partir de determinadas condicionantes orçamentárias.

Apesar de manter a alíquota da Lei de Incentivo ao Esporte em 0,05%, o governo Zema, recentemente, manteve a desoneração fiscal das locadoras de automóveis em Minas Gerais, que, ao contrário dos demais contribuintes, que pagam um IPVA de 4%, têm um regime especial de tributação de 1%. Apenas em 2022, por exemplo, conforme dados da própria Secretaria de Fazenda, o benefício rendeu perdas de R$ 1,3 bilhão aos cofres do Estado, o que, como defende o Palácio Tiradentes, seria compensado pela manutenção de empregos. 

Em nota, o governo Zema observa que o teto de 0,05% da Lei de Incentivo ao Esporte está em vigor desde 2013 e é definido “levando em consideração a situação fiscal do estado e as vedações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)”. “O governo de Minas, sensível ao tema, segue estudando alternativas para aprimorar o mecanismo”, pontua o Palácio Tiradentes.

Jimi será retomado com apenas uma modalidade

Os questionamentos se estendem para além do teto da Lei de Incentivo ao Esporte e chegam aos Jogos de Interior de Minas (Jimi), que, depois de um hiato de cinco anos, será retomado neste ano apenas com o futsal. “Há uma contestação das (demais) federações esportivas, exceto a de futsal, que foi a única modalidade que o governo preservou, e, curiosamente, a única modalidade que não está no escopo de esportes olímpicos”, critica Silveira.

O governo, por sua vez, defende que o Jimi foi retomado em 2021, “durante a pandemia, com sua versão virtual”. “Com 190 municípios e 2.500 participantes, a competição foi um sucesso nas modalidades basquete, futebol, futsal, handebol e vôlei. Em 2022, o projeto teve a sua continuidade por meio do Jimi Paradesporto. Realizada em Juiz de Fora, a competição contou com a presença de 21 municípios e 240 paratletas das modalidades de atletismo e natação PCD”, argumenta.

Ainda de acordo com o Palácio Tiradentes, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese) optou por utilizar o futsal como critério porque, “nas últimas edições da competição, a modalidade teve o maior número de atletas e municípios participantes”. “A Sedese avalia constantemente o formato do Jimi, visando desenvolver edições diversas e congruentes com a realidade dos jovens”, conclui. De acordo com o Portal da Transparência, o orçamento destinado para o Jimi neste ano é de R$ 361 mil.

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