Pode parecer surreal ou exagero uma discussão, ainda no fim de agosto de 2019, sobre a disputa presidencial no distante ano de 2022. Porém, com crises internas e externas, polêmicas e com discurso que remete ao período eleitoral do ano passado, como cita o professor do Departamento de Ciências Políticas da USP, Glauco Peres, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) já vê surgirem nomes e especulações a respeito da próxima disputa presidencial.

Cada vez mais na extrema-direita, Bolsonaro já percebe aliados do ano passado se colocarem como vias para 2022. O exemplo mais evidente é o do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que colou sua imagem à do capitão a fim de desbancar Marcio França no segundo turno da eleição estadual. Atualmente, ele faz críticas ao chefe do Executivo e se coloca como opção. “Quero ser estimulador e defensor dessa linha mais de centro. Uma linha de equilíbrio, entendimento, que saiba dialogar com a esquerda e com a direita, ouvir, ter humildade. Os extremos são nocivos”, afirmou em entrevista recente ao site UOL.

Esta via que Doria tenta pavimentar tem mais nomes que almejam assumir o papel de liderança e aposta para 2022. Caso do presidente da Câmara Rodrigo Maia, e até mesmo do apresentador de TV Luciano Huck. E é justamente isso que deve ser evitado para o resultado ser positivo para um deles, argumenta o presidente tucano de Minas Gerais, o deputado federal Paulo Abi Ackel.

“Vejo uma enorme chance de o centro se reorganizar e vencer as eleições. Se realmente os principais líderes dos partidos conseguirem fazer uma aliança. O que não pode haver é divisão, com projetos pessoais colocados acima do projeto nacional. Se saírem Luciano Huck e Doria, por exemplo, o centro estará dando a oportunidade de ganhar qualquer candidatura exótica, como já aconteceu, ou permitir a continuidade”, ponderou.

Outro campo já estabelecido, o da esquerda, mas que segue desorganizado por se prender às questões do ex-presidente Lula, ainda busca um rumo. Para o deputado federal Rogério Correia (PT), antes de se pensar em um nome é preciso formar uma base coesa de oposição com os partidos de linha ideológica semelhante como PSOL, PCdoB, PSB e até o PDT do também pré-candidato Ciro Gomes.

“Agora estamos preocupados em formar uma união dessa esquerda, para primeiro resistir às medidas que ele (Bolsonaro) tem anunciado sobre privatização, recessão econômica, armamento de milícias, ofensas ao mundo democrático, desmatamento da Amazônia... Precisamos fazer uma frente com plataforma de resistência e a partir disso vamos vendo os rumos a serem tomados, inclusive eleitoral”, explicou.

Já Ciro Gomes, após ter obtido quase 14 milhões de votos em 2018, continua a viajar pelo país para se firmar como um nome na próxima disputa, apesar de não confirmar o desejo abertamente.

“Tive quase 14 milhões de votos, então minha tarefa é fiscalizar, cobrar, exigir a resposta das promessas que o governo fez. E é a essa tarefa que eu estou dando cabimento. Se a consequência disso for uma candidatura, não posso andar mentindo. Já disputei três vezes a Presidência, já revelei que quero muito servir a essa grande nação, mas não necessariamente preciso ser mais candidato, o tempo vai dizer”, disse em entrevista à rádio Super 91,7 FM na última quinta-feira.

'Doria não é aliado'

Aliado e defensor de Jair Bolsonaro, o deputado federal mineiro cabo Junio Amaral (PSL) vê o presidente seguindo o caminho a que se propôs baseado em sua plataforma eleitoral.
Amaral ainda sai em defesa do presidente quando o assunto é o antigo aliado, João Doria, nome que mais se destaca por mudar a postura com relação ao atual chefe do Executivo.

“Joao Doria nunca foi aliado, foi apenas oportunista, quando percebeu que só venceria a eleição para o governo de São Paulo se vinculasse sua imagem ao Bolsonaro. Agora, vendo o vácuo de figuras viáveis no PSDB, está se oferecendo como opção”, disparou o deputado federal.

Para ele, a precocidade nas especulações se deve à mudança imposta por Bolsonaro, que, segundo ele, se soltou de amarras antigas.

“O sistema está agonizando, pois o presidente rompeu com a velha forma de governar, que era aparelhando o Estado com a base. O Brasil está batendo sucessivos recordes na economia, quase meio milhão de empregos criados, a reforma da Previdência acabou de ser aprovada e o país fechou o acordo econômico do século com a União Europeia. O povo votou em Jair Bolsonaro para ser exatamente o que ele é”, completou.

Discurso acelera debate

Os especialistas ouvidos pela reportagem de O TEMPO concordam com a precocidade na abertura da corrida eleitoral de 2022. O professor do Departamento de Ciências Políticas da USP, Glauco Peres afirma que o estilo de Jair Bolsonaro e o modo como ele governa contribuem para este cenário.

“Ele é muito polêmico e o ponto é que continua em campanha, falando só para o eleitorado dele. Não governa para o brasileiro médio, não tenta um discurso moderado, todas as atitudes e falas são para um público muito particular para o qual insiste em continuar se direcionando. E isso justifica uma reação nessa direção de se apresentarem candidatos”, disse.

Para o consultor político Gilberto Musto, o estabelecimento das redes sociais contribui para essa precocidade, mas lembra que a disputa pelo poder sempre existiu.

“Vivemos uma maior exposição das opiniões e das divergências pela chegada das redes sociais. A disputa de poder agora está nos grupos. Isso sempre ocorreu e vai ocorrer porque as pessoas têm que se posicionar para que possam alcançá-lo. E a forma mais ilustrada de se chegar é ao divulgar, defender e fazer realmente com que suas opiniões e ações transpareçam como contrárias às que a situação está desempenhando. Se um postulante se mostrar concordante com a situação, ele será um mero coadjuvante. Por isso, há divergências já nesse momento,” explicou.