A três meses do Carnaval e ainda sem empresas interessadas em apoiar o evento, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) se prepara para publicar na próxima semana o terceiro edital de patrocínio para a folia do próximo ano. Em meio a críticas de falta de atratividade mercadológica do certame, uma “disputa” de patrocínios tem gerado mal-estar nos bastidores entre Executivos municipal e estadual. Esse é o segundo ano consecutivo que a PBH tem tido dificuldades em viabilizar recursos privados para a festa.

De um lado, interlocutores argumentam que a gestão e o modelo adotado pela Empresa Municipal de Turismo da capital (Belotur) para captação de recursos é ineficiente e impõe muitos empecilhos para atração de investidores. Do outro lado, há quem diga que os editais de incentivo a cultura lançados pelo governo do Estado para o patrocínio de projetos artísticos desde o último Carnaval têm gerado concorrência para que a prefeitura de BH consiga atrair patrocínios diretos para a festa, já que com o instrumento estadual as empresas obtém incentivos fiscais para o pagamento de tributos.

O secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, rebate e diz que o governo busca somar esforços para auxiliar o Carnaval e os grupos da cidade. O Estado está, inclusive, segundo ele, disposto a investir recursos próprios para a festa na cidade. 

Já o presidente da Belotur, Gilberto Castro, admite que há, sim, conflitos para a prefeitura na atração de patrocínio em decorrência da lei de incentivo estadual. Ele garante, no entanto, que a folia do próximo ano irá acontecer independentemente de eventuais dificuldades. 

Questionado sobre as críticas de falta de atratividade do certame, Castro rebate as acusações de que a gestão não tem sido eficiente. Nos bastidores, interlocutores do Executivo municipal avaliam que a falta de investimentos acontecem mais por falta de visão da Belotur do que por uma concorrência do Estado, já que na avaliação de fontes ouvidas pela reportagem, a lei de incentivo estadual, apesar de garantir benefícios às empresas, não traz a ativação e publicidade para as marcas.

Por outro lado, há quem defenda que a prefeitura utilize da lei de incentivo à cultura municipal para captar recursos para a folia, o que Castro afirma não ser possível pois, segundo ele, há proibições na legislação para que a prefeitura use de isenção fiscal para eventos próprios.

Verba. Outro ponto questionado por empresários ouvidos pela reportagem seria uma resistência da prefeitura quanto à lei de incentivo. Para alguns, o motivo disso se dá pelo fato da prefeitura querer supostamente controlar a maior parte do dinheiro e ela mesmo distribuir os recursos conforme seus critérios. O presidente da Belotur nega e diz que o patrocínio direto é uma forma das empresas apoiarem a cidade, já que dessa forma os investimentos vão para todos os blocos e não só para alguns grupos. 

“Não diria que seria empecilho (a lei de incentivo do Estado), mas a gente entende que gera uma dificuldade, uma concorrência, infelizmente. Um patrocínio não exclui o outro, claro que esses editais de incentivo, como os da Cemig, são bons, ajuda as escolas de samba, os blocos, melhora a qualidade do evento, é positivo, nada contra. A lei de incentivo pode ser usada, mas essas empresas têm faturamento bilionário durante o período do Carnaval, tem um retorno comercial gigante. Acho que o investimento deveria ser feito na mesma proporção e com o mesmo olhar para a cidade, não deveria ser patrocínio só via lei de incentivo, esse recursos deveriam vir também junto com investimento direto para viabilizar toda a estrutura que a cidade merece ter para o Carnaval”, pontuou Castro.

Ele ainda lamentou a saída de grandes patrocinadores do Carnaval da cidade, que optaram por fazer o apoio através de incentivos fiscais. Desde o ano passado, grandes marcas têm patrocinado a folia por meio da lei de incentivo à cultura apenas. “Não posso dizer que grandes cervejarias, por exemplo, não vem por isso, mas para a gente isso é ruim. A gente gostaria de ter uma grande cervejaria parceira da cidade investindo no edital da prefeitura e não em lei de incentivo apenas”, acrescentou.

Gilberto diz ainda não ter a resposta para a falta de interessados nos editais. “É difícil conseguir entender. Abrimos consultas públicas, acatamos as sugestões do setor, diminuímos os valores das cotas, incluímos também a possibilidade de se ter agente captador, porque as marcas têm agências que fazem essa questão por elas, ampliamos a concorrência para entidades. Colocamos a exclusividade do patrocinador, tudo que está ao nosso alcance para ser mais atrativo vem sendo feito, estamos com escuta ativa para o mercado”, argumentou Castro ao rebater as críticas de alguns interlocutores de que em gestões passadas havia mais resultados.

Segundo ele, desde a pandemia, houve uma mudança do mercado. "A gestão da Belotur continua a mesma (de outros anos), seguimos os mesmos esforços e modelagens de editais de outros grandes Carnavais. Mas depois da pandemia a gente teve uma mudança de mercado, não só no Carnaval de BH.  Algumas cidades conseguiram a captação de patrocínio antes, para mais de um ano, não fizeram editais pós pandemia, então existe essa realidade", completou.

O presidente da Belotur ainda rebateu as críticas de alguns atores envolvidos no Carnaval de que a festa, apesar do crescimento na cidade, não é um produto ainda nacionalizado, o que dificultaria a vinda de mais investimentos para a cidade. Ele também nega a falta de exploração do potencial da festa: “O Carnaval de BH é reconhecido e possui notoriedade, é o Carnaval mais seguro do país e que mais cresce, basta pegar as pesquisas, foram mais de 250 mil turistas, foi o Carnaval mais pesquisado no Google em 2022”. 

Outro ponto criticado por opositores da gestão da Belotur é a falta de diálogo da prefeitura com os blocos, o que tem gerado constantes embates. "O Carnaval de BH é o único a ter edital de fomento a bloco de rua no país, é o único que se discute e respeita o desejo do bloco sobre o seu trajeto, diferentemente de outros locais. Nós tivemos mais de 500 reuniões com eles, não podemos ser acusadas de não dialogar", defende Castro que diz que reclamações de alguns grupos são questões pontuais.

Mal-estar
Multas. No Carnaval deste ano, houve mal-estar entre algumas marcas e até mesmo com o governo do Estado após a Prefeitura Belo Horizonte multar blocos e notificar empresas estatais que patrocinam algumas agremiações na cidade. Segundo Gilberto Castro, presidente da Belotur, a prefeitura continuará atenta ao chamado “marketing de emboscada” na festa do próximo ano.

“Todo e qualquer evento do mundo, Carnaval do país, conta com patrocinadores, cabe (a prefeitura) proteger o outro lado, proteger a marca que está acreditando e apoiando o Carnaval”, disse o presidente da Belotur. "A Cemig não era patrocinadora oficial, automaticamente ela não tinha direito de fazer ativação nas ruas, o que a gente fez é respeitar a legislação. Nós vamos respeitar aqueles que investiram. Terão ações ainda mais duras de proteção a qualquer marca que não for patrocinador oficial", garantiu Castro.  

Para a vereadora Marcela Trópia (Novo) "dinheiro privado para bancar o carnaval de Belo Horizonte não falta", o problema, segundo ela, é a falta de atratividade e atraso na legislação do município.

"Hoje estamos entre os destinos mais procurados do Brasil, as empresas querem fazer parte da festa. Se o edital não está conseguindo fechar um patrocinador, é porque não está sendo atrativo o suficiente. Um dos principais problemas que já identifiquei é que a legislação de Belo Horizonte proíbe o marketing de guerrilha, que são aquelas ações como entrega de brindes, campanha nas ruas, banners, adesivagem de carros; A empresa que patrocina um grande evento, precisa ter um retorno de marketing do investimento feito. Patrocinar o Carnaval sem poder nem exibir sua marca vira caridade", alfinetou.

Novo edital será mais atrativo, garante presidente da Belotur
Previsto para ser publicado na próxima semana, o novo edital de patrocínio para o Carnaval de BH terá mudanças. Segundo o presidente da Belotur, Gilberto Castro, o próximo certame irá prever a participação de entidades e federações, além de alterar os valores das cotas.  

"Revogamos o último edital para ampliar a possibilidade de captação de investimentos da iniciativa privada. A gente entendeu que algumas contrapartidas não eram possíveis de serem realizadas, então, retiramos alguns pontos e inserimos outros para aumentar a atratividade. A nossa intenção é sempre ampliar para ter mais participantes", justificou.

Estado negocia para investir na capital
Apesar da “rivalidade” citada nos bastidores, o Governo do Estado está em negociações avançadas com a Prefeitura de Belo Horizonte para investir recursos diretos também ao Carnaval da cidade de 2024. A expectativa do secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, é que entre recursos da lei de incentivo a cultura e aportes diretos mais de R$ 10 milhões sejam destinados para a folia na capital.

Os recursos oriundos do Estado devem ser a menor parte deste valor e vão ser destinados para ajudar no financiamento da estrutura física do evento, como aluguel de banheiros químicos, gradis e palcos. Com isso, eventuais mal-estares de ações de marketing de estatais estariam sanadas, já que o Estado seria um patrocinador oficial da festa.

Segundo o secretário, a ideia do Estado em lançar a lei de incentivo a cultura destinada especificamente para o Carnaval surgiu após integrantes dos blocos e escolas de samba de BH o procurarem. “O que se fazia tradicionalmente com a abertura de licitações de cotas parecia estar passando por um esgotamento do modelo. Então, as ligas, os grupos e os blocos me procuraram para ver se a gente conseguia auxiliar. Nós, então, organizamos abrimos (neste ano) um edital com o apoio da Cemig e da Ambev e demos um empurrão muito bom no Carnaval de BH e no interior do Estado, sendo que a maior parte devido até ao volume ficou na capital”, afirmou.

O presidente da Belotur, Gilberto Castro, diz acreditar que a parceria entre prefeitura e Estado é um avanço positivo. Para este ano, além do aporte de direito para a capital, o Governo de Minas ainda prevê R$ 5 milhões de investimentos para todo o Estado por meio de edital. 

"Há um compromisso do governo do Estado com a Prefeitura de BH e com os blocos de rua de ajudarmos com patrocínio direto também, pensando que o Carnaval é uma festa muito barata levando em consideração o que gera de retorno financeiro para a economia da cidade. Será por recurso direito também para fazer um Carnaval amplo, descentralizado. Então, para aqueles lugares onde a lei de incentivo não for, iremos ocupar esses locais com infraestrutura para que a festa seja para todo mundo", explicou Leônidas.

Para o secretário estadual, o que o Estado faz não é concorrência, mas sim parceria. "Não é intenção do governo de Minas concorrer e sim somar para termos um belo Carnaval, onde prevaleça a Cidade de Belo Horizonte na expressão cultural que já é a maior festa do nosso Estado. O Governo de Minas quer união com os municípios visando, no caso do Carnaval gerar emprego, renda e a cultura da paz", completou o secretário que elogiou a postura do prefeito Fuad Noman (PSD).

"Nesse momento de crise é importante falar, eu gostei muito da postura do prefeito, ele está preocupado e pediu que caminhássemos juntos para a festa dar certo, é o momento do Estado e da prefeitura se unirem para que esse seja um espírito único", disse o secretário. 

Para este ano, segundo Leônidas, a Ambev já sinalizou interesse em participar dos editais da lei de incentivo à cultura. Desde o ano passado a cervejaria não tem feito patrocínios diretos para folia em BH. Neste ano, a empresa ainda não demonstrou interesse em oferecer patrocínio direto para a prefeitura da capital. 

A meta do Estado, de acordo com o secretário, é ampliar em 30% a vinda de turistas de outros Estados e países durante o Carnaval no Estado. Na última semana, o vice-governador, Mateus Simões (Novo), e o diretor de Produtos Nacionais da CVC Corp, Rodrigo Galvão, anunciaram que a operadora vai vender pacotes turísticos pela primeira vez para o Carnaval de Belo Horizonte. 

Ensaio. Segundo a secretaria adjunta de comunicação do Estado, Bárbara Botega, o governo do Estado está organizando ainda para dezembro um ensaio geral com os blocos com um novo sistema de sonorização que promete ser mais eficaz que os trios elétricos. Os recursos para o evento virão através de lei de incentivo à cultura. Nos bastidores, segundo interlocutores, houve mal-estar, inclusive, para a viabilidade do ensaio. Estado e prefeitura negam. Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que o licenciamento do evento está em fase de análise já que a solicitação para o ensaio foi feita no início deste mês. 

"A gente vai dar de presente para Belo Horizonte esse ensaio gratuito, vamos fazer um teste de um sistema de som mais tecnológico, tentando que isso se viabilize já no Carnaval. Estamos colocando o bloco na rua, vão ser mais de dez blocos, é como se fosse já pré-Carnaval anunciando o que vem para o ano que vem. O Estado acredita muito no Carnaval em relação ao potencial de geração de emprego e renda", pontuou Bárbara.

Segundo ela, o Estado está empenhado na viabilização da folia no próximo ano na capital. " =O clima de incerteza não é favorável para ninguém, muito menos para o turismo e para a geração de negócios. Estamos em fase final (de negociação) e em um muito breve iremos anunciar essa parceria do Estado com a prefeitura. O Estado está sensível ao Carnaval e às demandas dos blocos", completou a secretária ao citar as demais iniciativas focadas também para o interior do Estado.