Mineração

Vale pode ganhar presente da União, mas não irá investir em Minas

Empresa pode antecipar, sem concorrência, renovação de concessão da ferrovia Vitória-Minas

Por Lucas Ragazzi
Publicado em 25 de março de 2019 | 03:00
 
 
 
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Responsável pela barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho – cujo rompimento completa dois meses nesta segunda-feira (25) e vitimou mais de 300 pessoas, sem contar os prejuízos incalculáveis no meio ambiente da região –, a mineradora Vale pode conseguir um grande presente do governo federal e fazer um investimento bilionário fora de Minas. Nesta terça-feira (26), a diretoria da Associação Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) vota relatório sobre a renovação, antecipada em quase dez anos, de um contrato de concessão que garante à própria mineradora o controle de uma das mais importantes linhas ferroviárias do país, a Estrada de Ferro Vitória a Minas, até 2057. Como contrapartida, a empresa construiria uma outra linha ferroviária no Centro-Oeste do Brasil que, na prática, beneficiaria apenas a própria Vale.

A ação tem sido encarada por técnicos e políticos como uma “desmineirização” da Vale, já que, neste cenário, a empresa deixaria de investir a outorga do contrato no Estado que mais sofreu com as tragédias envolvendo a mineradora. Na avaliação destes interlocutores, o dinheiro da construção da nova ferrovia, cerca de R$ 6 bilhões, deveria ficar em Minas e ser utilizado para diminuir impactos sociais e ambientais, além de serem entregues à prevenção de novos episódios envolvendo as barragens.

Críticas

Para o deputado federal Fred Costa (Patriota-MG), que tem acompanhado o processo na ANTT e no Ministério dos Transportes e Infraestrutura (MTI), o acordo, além de ser prejudicial para Minas Gerais, pode ser ilegal. “A Vale, depois de prestar um desserviço a Minas ceifando o que há de mais valioso e deixando um legado maldito, sairia beneficiada. O Estado ficaria em segundo plano e sendo vítima dos danos”, argumenta o parlamentar.

Ele questiona, ainda, se a renovação precoce, oito anos antes do fim do atual contrato, não seria irregular. “Por que essa renovação assim? Seria o caso de uma nova licitação para o controle da ferrovia Vitória-Minas”, contesta.

A promessa de renovação da concessão começou no ano passado, ainda no governo Michel Temer. Em julho, os governadores do Espírito Santos e do Pará escreveram carta ao então presidente pedindo a suspensão do adiantamento, argumentando ser ilegal a transferência de investimentos para fora destes Estados.

No relatório que será votado na ANTT, feito por equipes técnicas do MTI, o grupo de estudo aponta que os valores apresentados para o acordo, de investimento de cerca de R$ 6 bilhões para a construção da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), entre o Mato Grosso e Goiás, estariam abaixo do que poderia ser arrecadado em caso de uma licitação.

“A prorrogação antecipada limita a concorrência pelo mercado, pois pode levar à realização de rodadas de licitação a intervalos mais longos, limitando a oportunidade de outras empresas disputarem a exploração do serviço público. Reduz, portanto, os incentivos dos agentes privados na disputa por concessões e restringe as oportunidades de entrada de novas empresas”, destaca trecho do relatório.

 

Comprador ficaria refém da mineradora

Com o processo de outorga, caso consiga a renovação do contrato da Vitória-Minas, a Vale construiria com recursos próprios a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico). Concluída a obra, a ferrovia será entregue à União, que, então, realizaria um leilão no mercado.

No entanto, a Fico não se conecta com portos pelo litoral brasileiro e teria uma única ligação-final em seu destino: a Ferrovia Norte-Sul, controlada pela VLI Multimodal – empresa que tem como maior acionista a própria Vale. Assim, qualquer que fosse a concessionária vencedora do leilão, precisaria pagar direitos de passagem à mineradora para ter acesso a um porto. Na avaliação de especialistas e parlamentares, uma operação financeira deste porte desestimularia outros grupos e setores, como o agropecuário, a participarem de uma tentativa de adquirir a Fico – deixando o empreendimento na mira apenas da mineradora.

Em fevereiro deste ano, o Ministério Público de Contas entrou no Tribunal de Contas da União com um pedido para que o leilão fosse suspenso por conta da suspeita de beneficiar e direcionar o processo à VLI e à Vale. As empresas negam qualquer tipo de favorecimento.

 

BR-040 não contou com a mesma sorte

Em outro trecho do relatório que será votado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), técnicos do Ministério dos Transportes e Infraestrutura indicam que a Vale ainda não realizou parte de outras obras que haviam sido combinadas como contrapartida em outras negociações. Mesmo assim, o processo de renovação da concessão tramita no Executivo.

Ao comentar a situação privilegiada da mineradora no acordo, o deputado federal Fred Costa (Patriota-MG) relembra a reação do Tribunal de Contas da União (TCU) com o contrato de administração da rodovia BR-040 em Minas.

“Interromperam as obras de duplicação e aumento de trechos na BR-040 por conta de atrasos, até hoje não se resolveu isso, mas para beneficiar a Vale, eles fecham os olhos para a mesma situação, de não cumprimento de contrato. Não podemos aceitar isso”, diz o parlamentar mineiro. Segundo o TCU, a Via 040, empresa responsável pela estrada, não teria realizado as intervenções acordadas em contratos entre Juiz de Fora, na Zona da Mata, e Brasília.

 

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