Polêmica

Vereador quer que vítimas de estupro grávidas ouçam batimentos de bebê

O projeto de lei determina ainda que nos casos em que a gestante opte pelo fim da gravidez, o médico responsável pelo procedimento sugira a realização de uma ultrassonografia prévia ao procedimento.

Por Letícia Fontes
Publicado em 22 de fevereiro de 2023 | 03:00
 
 
 
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O vereador de Belo Horizonte Uner Augusto (PRTB) protocolou na Câmara Municipal da capital (CMBH) um projeto de lei que propõe que mulheres que ficaram grávidas por causa de abuso sexual, possam escutar os batimentos cardíacos do feto antes de decidir pelo aborto. Segundo a proposta, mulheres que optarem pelo aborto em razão de violência sexual, devem ter "situação equiparada às gestações de risco, tendo igual acesso e prioridade na marcação e realização" de exames.

O projeto de lei determina ainda que nos casos em que a gestante opte pelo fim da gravidez, o médico responsável pelo procedimento sugira a realização de uma ultrassonografia prévia ao procedimento. No exame, o profissional deverá também perguntar se a gestante quer escutar os batimentos cardíacos do nascituro. No Brasil, o aborto é permitido em três casos: se a gravidez é decorrente de estupro; se a gestação representa risco de vida para a mãe; ou em caso de bebês com diagnóstico de anencefalia (sem cérebro viável).

Na justificativa do projeto, o vereador argumentou que "por meio das ultrassonografias", a gestante, vitima de abuso sexual, pode ter "mais recursos para que sua escolha pela manutenção ou não da gravidez seja feita com a maior lucidez possível". "O objetivo do projeto é proteger as duas vidas, a da mãe e a do filho, visto que, por meio do procedimento abortivo, é morto um bebê inocente e indefeso e a mulher é submetida a um sofrimento físico e psicológico. É um absurdo que uma gestante vítima de abuso sexual não receba um tratamento diferenciado no sistema público de saúde, tendo em vista o trauma irreparável que ela sofreu", pontuou o parlamentar a O TEMPO.

Na avaliação do advogado, especialista em Direito Administrativo e Constitucional, Caio Mário, o projeto pode suscitar discussões sobre inconstitucionalidade, uma vez que a matéria é de competência da União. "O tema do estupro e, consequentemente, do aborto é uma matéria que envolve direito penal e a competência para legislar sobre direito penal é da União. Além disso, ainda que se compreenda que a matéria seria de competência concorrente, ainda sim essa sugestão tem caráter de norma geral e as normas gerais também são de competência da União. Cabe ao município somente complementar a legislação federal ou estadual. Para mim, essa questão é de interesse regional ou nacional, então, exorbita um pouco a competência dos municípios", explicou o especialista.

Advogado, especialista em direito público, o vereador Uner Augusto defende a constitucionalidade da proposta  e diz que analisou "minuciosamente o projeto" e concluiu que não viola nenhum direito fundamental. "Abarca a competência legislativa do vereador, nos termos do art. 30, inciso II, da CF/88. Caso contrário, não protocolaria algo que pudesse movimentar a máquina pública desnecessariamente", argumentou o parlamentar.

Na avaliação da psicóloga Enylda Motta fazer com que uma mulher grávida, vítima de estupro, ouça os batimentos do bebê é mais um tipo de violência. "Se essa vítima for tomar alguma decisão através de um ultrassom vai ser uma decisão no impulso, não uma decisão pensada e analisada, vai ser algo feito na emoção e não com a razão. Essa é uma decisão muito particular e difícil que precisa ser muito bem analisada, mas acima de tudo é importante que se respeite a decisão da mulher", afirma Enylda, que destaca as consequências da proposta para a vida de uma mulher que já foi abusada.

"Abortar ou não nesses casos previstos em lei já é uma decisão que a mulher vai carregar para o resto da vida, é uma marca. Por quê provocar então mais uma violência nessa vítima? Isso pode trazer trauma, culpa, medo, depressão, é mais uma violência sofrida", completa. 

Entenda

No último mês, o Ministério da Saúde revogou uma série de portarias da gestão de Jair Bolsonaro (PL). Uma das medidas obrigava médicos a avisarem a polícia sobre pedidos de aborto por estupro. O texto incluía também proposta semelhante a do vereador de Belo Horizonte, que sugeria a oferta às gestantes de poderem ver imagens do feto, em ultrassonografia.  

Na época, o governo federal afirmou  que o objetivo era extinguir "políticas contrárias às diretrizes do Sistema Único de Saúde". “Essas revogações envolvem medidas sem base científica, sem amparo legal, que contrariam princípios do SUS”, esclareceu a ministra Nísia Trindade ainda durante sua posse.

Segundo a legislação brasileira, em casos de gravidez decorrente de violência sexual não é necessário apresentar um Boletim de Ocorrência ou laudo do Instituto Médico Legal (IML), basta o consentimento da mulher ou de seu responsável legal. A norma técnica do Ministério da Saúde recomenda que a mulher seja atendida por uma equipe multidisciplinar e que pelo menos três profissionais de saúde participem da reunião para definir se a mulher pode realizar o aborto ou não.

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