A menos de três meses das eleições, o governo de Romeu Zema (Novo) liberou na quarta-feira (29) a transferência de R$ 88,2 milhões direto para o caixa de 219 prefeituras de Minas Gerais. O dinheiro é uma “sobra” do acordo fechado com a Vale pelo rompimento da barragem em Brumadinho em 2019. O governo não precisou seguir nenhum critério técnico para escolher as cidades que receberam o recurso e atendeu a indicações feitas por deputados.
As transferências foram autorizadas no Diário Oficial do Estado pela Secretaria de Governo (Segov), que realiza a interlocução com as prefeituras e também a articulação política do Palácio Tiradentes com os parlamentares. O secretário da pasta, Igor Eto, é o responsável por negociar e fechar as alianças com os partidos que vão apoiar a reeleição de Zema.
Segundo o governo de Minas, a escolha dos municípios e dos valores que eles receberam “ocorreu a partir de demandas apresentadas pelos representantes locais para ações de melhoria da infraestrutura municipal e dos serviços públicos”.
Ainda de acordo com o governo, o repasse às prefeituras teve a concordância da Coordenação Geral do Comitê Gestor Pró-Brumadinho, que conta com a participação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública Estadual (DPE). (confira a íntegra do posicionamento do governo no final do texto).
Esta foi a segunda rodada de pagamento feita pela Segov. Levando em conta os recursos liberados em novembro de 2021, o governo Zema já transferiu R$ 147,5 milhões das “sobras” dos recursos da Vale a 361 municípios de todas as regiões do Estado. Há ainda mais R$ 24,2 milhões disponíveis para transferência.
Os municípios que mais receberam verba foram Araguari, no Triângulo Mineiro, e Curvelo, na região Central, com R$ 1,5 milhão cada. Araguari é a base eleitoral do ex-líder do bloco do governo na Assembleia Legislativa (ALMG), Raul Belém (Cidadania).
"Mostrei ao governo algumas demandas da cidade e em novembro foi feito esse repasse para Araguari. A prefeitura está utilizando para construção de praça e reforma de ginásio poliesportivo", disse o deputado.
Já Curvelo teve como mais votado em 2018 o deputado estadual Sávio Souza Cruz (MDB), que é crítico à administração de Zema. Ele disse a O TEMPO que, quando o acordo com a Vale foi aprovado na ALMG, ficou combinado com o Palácio Tiradentes que os deputados poderiam definir a destinação de parte dos recursos.
Souza Cruz confirmou que o repasse feito à cidade da região Central foi um pedido dele. “Como o prefeito vai utilizar esse dinheiro, eu não sei. Apenas disse para ele que tem que ser nas mesmas áreas que estão determinadas no acordo com a Vale”, afirmou o parlamentar.
Os prefeitos podem utilizar a verba para construir creches, escolas, unidades de saúde e para asfaltar ou recapear as ruas das cidades. Por outro lado, é proibido comprar ônibus e caminhões ou gastar o dinheiro para pagar salário dos servidores públicos.
O TEMPO confirmou com outros parlamentares, que não quiseram se identificar, a existência de um acordo entre o governo Zema e os deputados para a indicação de como parte dos recursos oriundos da Vale seriam gastos.
Além de deputados aliados de Zema, integrantes do bloco independente e da oposição na ALMG também tiveram direito de escolher quais cidades seriam contempladas.
Se não houve reclamações quanto ao cumprimento do acordo no pagamento feito em novembro de 2021, o clima na quarta-feira no Legislativo estadual era de bronca com o governo.
Um deputado disse a O TEMPO que o Palácio Tiradentes descumpriu o que foi inicialmente acordado e mudou a destinação dos recursos liberados na quarta para priorizar cidades de deputados aliados.
Entenda a origem do dinheiro
No ano passado, o governo de Minas fechou acordo de reparação com a Vale pelos danos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho em 2019. No total, a mineradora vai desembolsar R$ 37 bilhões ao longo dos próximos anos.
Deste valor, R$ 11 bilhões serão transferidos para a conta do governo de Minas, que será o responsável por gastar o dinheiro. Coube à ALMG definir, por meio da lei 23.830 de 2021, que foi sancionada por Zema, como este recurso será utilizado.
A lei alocou R$ 1,67 bilhão em uma ação chamada Programa de Apoio ao Desenvolvimento Municipal, o Padem. Do total alocado no Padem, os deputados determinaram que R$ 1,5 bilhão fosse pago a todas as 853 prefeituras mineiras de maneira proporcional ao tamanho da população de cada município.
Sobraram R$ 171,7 milhões no Padem que a lei não determina para quais cidades devem ser distribuídos e nem qual é o critério que deve ser utilizado.
É esta “sobra” que o governo Zema está distribuindo às prefeituras, primeiro em novembro e agora nesta quarta-feira (29).
A modalidade de transferência de recursos é a transferência direta. Isso significa que o dinheiro não é carimbado e cai direto no caixa das prefeituras. Os prefeitos podem utilizar a verba da maneira que acharem necessário, desde que respeitem as regras colocadas no acordo com a Vale, que proíbe despesas com custeio e com pessoal e também com a compra de veículos.
Governo afirma que repasses são legais
Na nota enviada à reportagem, o governo Zema destacou que os repasses aos municípios a partir das “sobras” do Padem no acordo com a Vale são legais.
“Importante destacar que tais demandas condizem com o projeto de 'melhoria da infraestrutura dos municípios' na ação de execução do PADEM, constante nos Anexos I e II da Lei nº 23.830/2021, bem como com o rol de objetos previstos no seu Anexo V”, disse o Palácio Tiradentes, em nota.
“A partir das demandas apresentadas por municípios, estão sendo planejadas outras intervenções para outros beneficiários, com a devida participação de todos os signatários do Acordo Judicial”, continuou o texto.
O governo de Minas informou também que quitou a terceira e última parcela do repasse proporcional aos municípios, no valor de R$ 449,45 milhões, conforme previsto na lei 23.830/2021 que trata do acordo com a Vale. “Assim, os 853 municípios do Estado foram beneficiados com o valor de quase R$ 1,5 bilhão”, diz a nota.
Confira a nota do governo na íntegra:
"O Governo de Minas pagou hoje (29/6) a terceira e última parcela da Lei 23.830/2021, cujo prazo final vence no dia 1° de julho, no valor de R$ 449,45 milhões. Assim, os 853 municípios do Estado foram beneficiados com o valor de quase R$ 1,5 bilhão.
Com relação à execução do restante dos recursos alocados no Programa de Apoio ao Desenvolvimento Municipal (PADEM), conforme a Lei nº 23.830/2021, a escolha dos municípios e seus respectivos valores ocorreu a partir de demandas apresentadas pelos representantes locais para ações de melhoria da infraestrutura municipal e dos serviços públicos. Importante destacar que tais demandas condizem com o projeto de “melhoria da infraestrutura dos municípios” na ação de execução do PADEM, constante nos Anexos I e II da Lei nº 23.830/2021, bem como com o rol de objetos previstos no seu Anexo V.
Podemos destacar a discricionariedade do Poder Executivo Estadual na execução dos recursos repassados por meio da Resolução SEGOV n° 28/2022, com anuência da Coordenação Geral do Comitê Gestor Pró-Brumadinho, no âmbito de sua atuação prevista pelo Decreto n° 48.183/2021; que conta, também, com a participação de representantes do Ministério Público de Minas Gerais - MPMG, Ministério Público Federal - MPF e Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais - DPE.
Por fim, ainda a partir das demandas apresentadas por municípios, estão sendo planejadas outras intervenções para outros beneficiários, com a devida participação de todos os signatários do Acordo Judicial."