Ex-esposa do radialista Bubba "the Love Sponge" Clem, Heather Clem esteve no centro da batalha judicial que permitiu ao ex-lutador Hulk Hogan, morto nessa quinta-feira (24) aos 71 anos, obter indenização de US$ 140 milhões (cerca de R$ 775 milhões na cotação atual) contra o Gawker Media, em 2016. O caso envolveu a publicação não autorizada de um vídeo íntimo gravado entre Hogan e Heather, resultando na falência do grupo de mídia americano.

O processo começou após o site Gawker.com divulgar em 2012 um trecho de 1 minuto e 41 segundos de uma gravação íntima de 30 minutos que mostrava Terry Bollea, nome verdadeiro de Hogan, em momento íntimo com Heather Clem. O ex-lutador afirmou desconhecer a filmagem durante o encontro.

Hogan solicitou US$ 100 milhões em indenização por invasão de privacidade, sofrimento emocional e violação de direitos de imagem. O grupo Gawker baseou sua defesa na Primeira Emenda da Constituição dos EUA, alegando proteção à liberdade de imprensa.

Os advogados do veículo argumentaram que o vídeo tinha relevância jornalística porque Hogan havia comentado publicamente sobre sua vida íntima e negado anteriormente ter se relacionado com Heather. Para a empresa, a publicação serviria para "corrigir o discurso público". Hogan, por sua vez, defendeu que o caso tratava da divulgação de um vídeo gravado sem seu consentimento.

Durante o julgamento, o editor A.J. Daulerio prejudicou seriamente a defesa do Gawker ao declarar que "até um vídeo de sexo de uma criança de 4 anos seria notícia". Esta afirmação foi usada pelos advogados de Hogan para "inflamar o júri" e desacreditar o argumento de interesse público.

O comportamento descrito pelo New York Times como "arrogante e desafiador" de Daulerio e do fundador do Gawker, Nick Denton, influenciou significativamente a decisão final. O Gawker Media, fundado em 2002, era conhecido por seu tom provocativo e pela cobertura agressiva da vida de celebridades e figuras do setor tecnológico.

Em março de 2016, o júri decidiu unanimemente a favor de Hulk Hogan. A indenização totalizou US$ 140,1 milhões, sendo US$ 115 milhões em danos compensatórios (US$ 55 milhões por danos econômicos e US$ 60 milhões por sofrimento emocional) e US$ 25 milhões adicionais em danos punitivos.

Sem condições de pagar a indenização, o Gawker Media declarou falência. Em agosto de 2016, o grupo Univision comprou a empresa por US$ 135 milhões. Apesar de planejar recurso, o Gawker fechou acordo de US$ 31 milhões com Hogan em novembro do mesmo ano, encerrando o litígio.

Após o encerramento do caso, descobriu-se que Peter Thiel, cofundador do PayPal, havia financiado secretamente o processo de Hogan. Em entrevista ao "New York Times", Thiel admitiu ter investido aproximadamente US$ 10 milhões para apoiar a ação contra o Gawker Media.

A hostilidade entre Thiel e o Gawker tinha origem anterior. Em 2007, o site publicou informações sobre a orientação sexual de Thiel sem seu consentimento, fato que o empresário citou como justificativa para seu envolvimento. "Se eu não fizesse algo, ninguém mais faria", afirmou o bilionário ao jornal.

O caso criou um precedente no cenário midiático americano. Floyd Abrams, advogado especializado em liberdade de imprensa nos EUA, expressou preocupação com as implicações. "A ideia de um bilionário financiando um processo com o objetivo de tirar um site do ar é profundamente preocupante", declarou Abrams em entrevista ao "Observer".

David Enrich, editor do New York Times, observou aumento no uso de ameaças legais por bilionários após o desfecho do caso. Para Enrich, o episódio representou um "momento seminal e decisivo" no qual pessoas ricas "perceberam que processos judiciais 'armados' eram um mecanismo ideal para punir e deter jornalistas e organizações de notícias cuja cobertura os deixava desconfortáveis".