Após a Polícia Federal (PF) indiciar 32 policiais com base em vestígios de tortura e adulteração de provas encontrados pela perícia na operação que matou 26 criminosos do chamado "Novo Cangaço", em Varginha, no Sul de Minas Gerais, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu denunciar à Justiça dez destes agentes envolvidos. Para o órgão de Justiça, os outros 22 policiais teriam agido em "contexto de legítima defesa".
A operação aconteceu no dia 31 de outubro de 2021, com o envolvimento de 16 agentes da Polícia Militar (PMMG) e outros 16 da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Por nota, o MPF confirmou que ofereceu denúncia contra os dez agentes (não precisando quantos de cada corporação). Segundo a procuradoria, os agentes foram denunciados por cinco homicídios e pela "modificação deliberada da cena do crime (fraude processual)".
"Mediante criteriosa análise das provas produzidas pela PF e diretamente pelo MPF, após o relatório final, entendeu-se que as demais mortes ocorreram em contexto de legítima defesa, com o intuito de neutralizar o início do ataque de organização criminosa especializada em 'Domínio de Cidades', que era iminente. O processo segue sob sigilo judicial", concluiu o órgão de Justiça.
Em fevereiro de 2024, a reportagem de O TEMPO teve acesso ao relatório da PF que concluiu pelo indiciamento dos 32 policiais envolvidos na operação. No documento, que foi entregue ao MPF, a corporação apontava para evidências de "tortura e adulteração de provas", além de irregularidades graves como sequestro, tortura e execução de dois suspeitos que estariam em um caminhão, supostamente destinado à fuga.
A investigação federal também mencionava a "possível alteração da cena do crime" e a existência de "tiros forjados com as armas apreendidas visando simular um confronto" entre policiais e criminosos. Segundo o documento da PF, foram efetuados cerca de 500 disparos de arma de fogo pelos agentes, enquanto as armas dos suspeitos teriam realizado apenas 20 tiros, sem que nenhum policial ficasse ferido.
O relatório ainda detalhava que os suspeitos estariam "recém despertos, desorientados e em desespero sem entender o que ocorria" no momento da ação, sendo "todos alvejados". Um laudo técnico da PF ainda indicou a ausência de sinais de resistência armada e que o grande volume de armamento dos suspeitos "não estava disponível para pronto emprego no momento da ação policial".
Segundo PRF, nenhum dos envolvidos está afastado
Procurada pela reportagem após a denúncia do MPF contra dez dos policiais envolvidos na ação policial, a PRF informou que, no momento, nenhum servidor está afastado pelo envolvimento na operação, que foi considerada a mais letal da corporação.
"A Polícia Rodoviária Federal (PRF) reafirma a confiança nas instituições de justiça e seu compromisso com os princípios da presunção de inocência e os direitos de ampla defesa e contraditório, aguardando a finalização do devido processo legal", concluiu.
A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) também foi questionada por O TEMPO, mas não se posicionou até a publicação da reportagem.
Relembre a operação
A operação, que foi desencadeada às 5h da manhã de 31 de outubro de 2021, em Varginha, no Sul de Minas, tinha como objetivo desarticular um grupo que planejava um assalto a banco na modalidade "novo cangaço". As forças de segurança iniciaram a investigação do grupo em agosto de 2021. A ação conjunta entre PMMG e PRF resultou na morte de 18 suspeitos em uma chácara e outros 8 em uma segunda chácara, totalizando 26 mortos.
Na época, a operação foi celebrada pelas autoridades como um sucesso. A então porta-voz da PMMG, capitão Layla Brunnela, declarou que foi a maior operação contra o "Novo Cangaço" no país e que "muitos infratores fariam um roubo a banco, naquele dia ou no dia seguinte, e foram surpreendidos pelo serviço de inteligência da PM integrado com a PRF".
A PRF informou que um "verdadeiro arsenal de guerra" foi apreendido, incluindo fuzis, metralhadoras .50, explosivos, coletes à prova de balas e diversos "miguelitos" (objetos usados para furar pneus). As informações do inquérito da PF indicaram que os suspeitos tinham feito uma festa na noite anterior e consumido grande quantidade de bebidas e drogas, sugerindo que estariam dormindo no momento da entrada dos policiais.
O indiciamento da PF também revelou que a PF considerava frágeis alguns dados das investigações e "temendo um morticínio de inocentes acaso houvesse confronto entre policiais e criminosos, a direção regional da PF em MG registra seu posicionamento de tentar evitar o confronto na área urbana".
A PF apontou ainda que os policiais não tinham o endereço dos dois sítios inicialmente, para descobrir onde estavam os suspeitos, teriam "emboscado duas fontes para conseguir as informações que faltavam". Um dos rapazes "sequestrados" teria sido "morto com dois tiros de fuzil", enquanto o outro teria passado por "intenso sofrimento físico", classificado como tortura pela PF, antes de fornecer detalhes sobre a localização do segundo sítio.
No documento, a instituição federal apontou que, além de entrevistas com os envolvidos na operação, também foram utilizados os relatórios e inquéritos do caso, chegando a afirmar que estes foram "precocemente encerrados" pelas instituições como a PM, Polícia Civil e Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).