Esta foto do arquivo do Museu Abílio Barreto que abre esta matéria esconde uma história. Triste e curiosa ao mesmo tempo e que gerou uma das lendas urbanas mais famosas de Belo Horizonte. A preta Maria Papuda, cujo nome verdadeiro ninguém sabe, foi despejada de sua casinha para a construção da nova capital e, ao ver a moradia destruída, teria rogado uma maldição contra os governadores que ocupassem o futuro prédio.
No lugar de sua casa, foi erguido um palacete eclético pela Comissão Construtora da Nova Capital. Por volta de 1898, a região onde se localiza hoje a capital mineira era conhecida como a "Terra dos Papudos" — as habitações estavam infestadas de barbeiros e, consequentemente, da doença de Chagas. Uma das consequências da enfermidade é a hipertrofia da tireoide, o que acarreta o bócio, popularmente chamado à época de “papo".
Acometida da doença, Maria virou "Papuda", hoje um fantasma. Sua lembrança é recorrente quando se narra as histórias do Palácio da Liberdade. Na próxima Sexta-Feira 13, o Receptivo e Educativo sob a gestão da APPA Arte e Cultura — que realiza atividades educativas no espaço — propõe uma visita imersiva nos mistérios e assombrações que rondam o cartão-postal mais famoso da Praça da Liberdade, mas curiosamente sem evidenciar nesse contexto a "bruxa" Maria Papuda.
Nova perspectiva
"A história da Maria Papuda, a gente não vai contar da maneira como é vista no contexto do imaginário coletivo. Ela é uma figura que foi interpretada de diversas formas dentro da história de Belo Horizonte, então decidimos desmistificar essa visão que a Maria tem. Vamos contar sua história a partir da perspectiva de uma mulher preta que tinha uma espiritualidade africana e amendrontava aquelas pessoas que vinham com a carga do catolicismo", afirma Maria Clara Martins Rocha, coordenadora do Educativo.
Em resumo: todo caráter de figura amaldiçoada que a lenda urbana retrata ficou de fora para dar espaço a uma figura que representa, de acordo com Maria Clara, uma cultura que foi apagada de certa forma durante os anos em que a história foi contada a partir de apenas uma perspectiva. Da Maria Papuda, a visita mediada traz uma carta fictícia que a ela deixa, onde faz um "acerto de contas" ou uma "reparação" com o seu passado.
Maldição
Em 2014, para trazer de volta a personagem e resgatar sua história, o Memorial MInas Gerais Vale fez a impressão em tamanho natural de uma fotografia —que abre esta matéria e foi recuperada nos arquivos do Museu Abílio Barreto — encobrindo um painel com a imagem da República no segundo piso do espaço cultural, que simbolizava o poder da época. A foto era uma homenagem ao mês da consciência negra, comemorado entre em novembro e dezembro de 2022. Também o quadrinista Celton lançou coleção de revistas inspiradas na lenda urbana.
Cincidência ou não, a maldição de Maria Papuda atingiu alguns governadores que habitaram o Palácio, como Silviano Brandão (1902), João Pinheiro (1908), Raul Soares (1924) e Olegário Maciel (1933), que morreram antes de terminar seu mandato. Juscelino Kubitschek, por exemplo, se recusou terminantemente a morar no palácio. Sua sobrinha Dodora foi uma dos familiares que revelaram o medo que o ex-presidente tinha de assombração.
"Essas histórias das mortes dos governadores, da maldição que carrega, é uma das coisas a serem exploradas", revela Maria Clara. "Aproveitando a Sexta-Feira 13, nossa equipe sugeriu realizar uma ação educativa voltada para a experiência imersiva dentro desse conceito que o palácio carrega de superstições e mistérios e casos que circulam tanto no imaginário coletivo cidade quanto dentro de um contexto histórico-político da cidade", acrescenta.
Por esse motivo, o visitante não deve se assustar com os acontecimentos estranhos que, por ventura, ocorrerem durante a visita. Não é à toa que ela acontece a partir das 17h30, ao entardecer da sexta-feira, quando as luzes do palácio dão lugar à penumbra. Bem, em tempos de "fantasmas de carne-e-osso" invadindo e causando terror em palacetes federais, quem é capaz de se assustar com esses vultos urbanos inocentes em um palacete tão belo e suntuoso?
"Ghost tours"
Não é de agora que os "ghost tours" fazem partem dos circuitos sobrenaturais em museus e cidades do mundo. No Brasil, principalmente. Em São Paulo, o Haunted Tour é um passeio noturno por lendas urbanas e tragédias que marcaram a história paulistana. Os assombrações estão em toda a parte: no cemitério da Consolação, no edifício Joelma, no Theatro Municipal, no viaduto do Chá, na praça da Sé, no Pateo co Colégio, no Palácio da Justiça e no edifício Martinelli.
No Rio de Janeiro, as histórias têm ligação com o Brasil Império: quem foi a rainha louca que morou na praça X? E os fantasmas que assombram até hoje a Biblioteca Nacional? Na capital gaúcha, o tour Porto Alegre Mal-Assombrada revela histórias reais assustadoras em monumentos do centro histórico, como a Igreja de Nossa Senhora das Dores, onde um escravo foi condenado injustamente à morte, e do Hospício São Pedro.
Edimburgo
Na Europa, Edimburgo, na Escócia, com sua arquitetura gótica, é considerado um dos lugares mais mal-assombrados do mundo. É normal os moradores narrarem fenômenos estranhos, Nas ruas, cartazes de agências oferecem "ghost tours" temáticos aos visitantes, alguns "free" (gratuitos). Tem de passeios para assustar e até para diversão. Um dos mais interessantes é o Mary King, que virou atração turística famosa e com agendamento prévio.
Durante décadas, as pontes, closes (becos) e subterrâneos da capital escocesa, assim como edifícios históricos abandonados por décadas, escondem histórias macabras, como a de dois imigrantes irlandeses que assassinaram 16 pessoas e enterraram os corpos nos "vaults (cofres) da South Bridge. Hoje, programas de TV como “Ghost Adventures” narram as histórias de pessoas que dizem terem sentido rajadas de vento, ouvido vozes e portas batendo, notado estranhos arranhões na pele, visto sombras incomuns e presenciado fechaduras se movendo.
Serviço
O que: Mistérios do Palácio: Uma Experiência Imersiva
Proponentes: Tiago Alves, Beatriz Cordeiro, Bárbara Elizei, Michelle Santos e Mariana Vilefort. Equipe de Apoio: Daniel Gonsalez, Lari Azevedo, Raquel Caixeta, Márcio Otávio, Hadassa Rodrigues e Amanda Marzano.
Quando: Dia 13/1 (sexta-feira), às 17h30.
Ingressos: Gratuitos na plataforma
Sympla.
Observação: Capacidade para 20 pessoas. Essa visita não é recomendada para idosos, pessoas com mobilidade reduzida, pessoas com problemas de coração ou Epilepsia Fotossensível, caustrofobia e nictofobia.