A cidade onde moramos é cheia de óbvios ululantes. Quem cunhou o termo foi Nelson Rodrigues, ao alegar que coisas majestosas passam despercebidas quando estão no nosso caminho constantemente. Um dia, levamos um choque ao descobri-las na nossa frente, imponentes, gigantes, sem que jamais tivéssemos dado importância em trajetos anteriores. BH tem magníficos óbvios ululantes, como a a serra do Curral, as esculturas do edifício Acaiaca, as palmeiras da praça da Liberdade, os grafites da Raul Soares, a vista incrível da rua Sapucaí.

"Quando somos turistas, fazemos passeios guiados para conhecer a história do centro das cidades que visitamos, mas, como moradores, dificilmente tiramos os olhos do celular pra olhar pra cima na Afonso Pena ou na rua da Bahia", comenta o jornalista mineiro Rafael Sette Câmara, um dos idealizadores do Movimento BH a Pé, junto da esposa Luísa Dalcin.

Quem faz

O casal de jornalistas Luísa Dalcin e Rafael Sette Câmara: um olhar diferente sobre a cidade

O casal de jornalistas, que trabalha com turismo e gastronomia há uma década e possui, desde 2020, o perfil Onde Comer e Beber e o site Onde Comer e Beber, começou a criar caminhadas culturais para os amigos de fora que visitavam BH. Luísa, apesar de mineira de coração, é gaúcha e viveu boa parte da vida em São Paulo.

Rafael é da capital mineira, estudioso da história da cidade e escritor de livros e contos que se passam por aqui. Ele tomou gosto por reproduzir esses roteiros temáticos. "Comecei a perceber que a maior parte das histórias contadas sobre a nossa origem era desconhecida até para quem mora em Belo Horizonte", explica o jornalista.

Caminhadas temáticas

Rafael Sette Câmara durante uma caminhada na praça da Liberdade

Assim nasceu o Movimento BH a Pé, caminhadas temáticas guiadas pelo centro que contextualizam temas diferentes com a história da cidade. "Nosso objetivo é criar conexões com os belo-horizontinos e os turistas de forma lúdica, com recursos audiovisuais e interativos, resgatando a cultura, a gastronomia e a história do centro", diz Luísa.

Os primeiros passeios ocorreram em dezembro de 2020, no aniversário de BH e no primeiro momento de relaxamento das medidas da pandemia devido à diminuição do contágio. Eram para grupos de apenas quatro, cinco pessoas, com máscara, álcool gel e muito distanciamento.

As rotas

A rota Minas é Muitas passa pelos mercados da capital mineira

Para Rafael, transformar seus estudos em passeios ao ar livre cumpre também uma função social desde aquela época, já que, no isolamento da pandemia, não cabiam os encontros em bares e restaurantes. "Foi uma nova forma que encontramos de socializar na nossa cidade em tempos atípicos, que foram nos deixando muito solitários", aponta.

De lá para cá, o casal já caminhou pela cidade com quase mil pessoas de todas as idades e origens, e soma quatro rotas temáticas:

Páginas Viradas: rota literária focada na BH dos anos 1920 vivida e descrita pelos escritores da época;

Nostálgicos F.C.: rota futebolística que "harmoniza" cerveja artesanal com memórias do esporte e da fundação dos times mineiros em botecos clássicos;

Minas é Muitas: passeio gastronômico cria um jogo de tabuleiro de conquista de territórios, ou melhor, de ingredientes e receitas da gastronomia do Estado nos Mercados Central e Novo;

Hilda: rota cult passa por locais que foram cenário da série "Hilda Furacão", da TV Globo ou inspiraram o livro do escritor Roberto Drummond;

Novidade: em setembro, o casal lança Esquinas do Clube, sobre, é claro, o Clube da Esquina, a rota mais pedida pelo público há anos.

Ressignificando os caminhos

A professora universitária Anita Moraes é uma dessas caminhantes. Ela e o marido, Eder, já fizeram todos os passeios do Movimento e aguardam ansiosamente o lançamento do quinto. "Isso muda a nossa forma de ver o centro porque a gente começa a enxergar tudo com mais história por trás, começa a entender os significados do que a gente vê", diz.

"Agora, toda vez que a gente passa ali, se pega imaginando como tudo aquilo aconteceu de maneira tão fantástica", complementa Eder. Para ele, o passeio ressignifica o caminho diário de quem trabalha ou estuda. "Os passeios são diferentes porque a gente percorre BH a pé, em lugares que passamos todos os dias de carro sem dar tanta importância."

A publicitária Soraya Bertoncello, de Porto Alegre, doutoranda em Comunicação, escolheu o passeio Nostálgicos F.C. em sua primeira viagem para Minas Gerais porque o futebol é seu objeto de estudo. "Foi meu primeiro contato com BH e o jeito que o casal 'harmoniza' a cerveja com a história da cidade, dos bares, dos clubes de futebol, é incrível", diz. "Me passou uma sensação afetuosa com Belo Horizonte, envolvendo temas que eu adoro com pessoas que moram, vivem e amam a cidade."

Serviço

O que: Movimento BH a Pé
Onde: Pelas ruas de BH
Quando: acontece em fins de semana alternados
Como participar: reservas pelo Instagram / Caminhadas BH ou pelo whatsapp (31)-99772-0669 (Rafael). 
Próximos passeios: Minas é Muitas (esgotada, com fila de espera. no dia 19/8). Nostálgicos F.C. (26/8), Hilda (2/9), Páginas Viradas (7/9) e a estreia de Esquinas do Clube (9/9). Preços entre R$ 80 e R$ 130.