Planejada na década de 1950 para ligar o bairro São Gabriel, na região Nordeste de Belo Horizonte, ao Centro da capital, a avenida Cristiano Machado é a que acumula o maior número de acidentes desde 2014 em toda Minas Gerais. Mesmo que o Anel Rodoviário tenha assumido o topo de registros por ano, a partir de 2019, a Cristiano Machado ainda é líder na soma dos últimos 10 anos – com uma diferença de quase 6 mil sinistros. Na avaliação de especialistas em trânsito, a explicação está na super ocupação urbana da região Nordeste e na dinâmica da avenida, marcada por cruzamentos. A Empresa de Transportes e Trânsito da capital (BHTrans) afirmou que está ciente dos riscos na via e que possui um plano de ações para melhoria da segurança.
Os dados estão disponíveis em uma plataforma do governo de Minas, por meio da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). De 2014 até o mês de abril deste ano, foram registrados 31.385 acidentes na avenida Cristiano Machado. No mesmo período, os registros no Anel Rodoviário foram 25.581, uma diferença de 22,6% entre eles. Os dois trechos, conforme o levantamento, são os mais “perigosos” em relação a acidentes em todo o Estado e encabeçam a lista da última década – confira ranking completo AQUI. A plataforma do governo inclui todas as rodovias, inclusive as federais, mas não contabiliza registros feitos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), apenas Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e da própria Sejusp.
Cristiano Machado: corredor urbano
A incidência de batidas ou atropelamentos está ligada à exposição ao risco, segundo o especialista em trânsito Silvestre de Andrade. “A probabilidade de acontecer um acidente é maior à medida que existe maior tráfego”, explica. O pesquisador afirma que a Cristiano Machado tem uma movimentação intensa, mesmo fora dos horários de pico, e os cruzamentos são pontos de atenção. “É característico da ocupação urbana da região Nordeste da capital. Em uma mesma rodovia, são muitos cruzamentos, entradas e saídas de veículos nas garagens, travessia de pedestres. São muitos pontos de conflito que facilitam as colisões”, continua.
Andrade reforça que, na Cristiano Machado, a movimentação se mantém em ambos os sentidos: tanto para quem vai ao Centro quanto para quem busca a Cidade Administrativa. “É recorrente, o dia todo. A avenida é extensa e foi intensificada economicamente, principalmente após a criação da Cidade Administrativa. Então, criou-se ali um volume de carros, motos e ônibus nos dois sentidos, Centro e Confins, além da circulação de quem vive ou trabalha nos bairros Cidade Nova, União, etc.”, avalia.
De fato, o volume de veículos foi apontado como ponto principal que explica o pódio da Cristiano Machado no índice de acidentes pelo tenente Lehônidas Santos Souza, do Batalhão da Polícia de Trânsito. “Belo Horizonte tem, hoje, mais veículos que pessoas. Se existe um aumento de carros e motocicletas, ocorre um afunilamento na via, e se torna um gargalo”, diz. O policial usa dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Segundo o órgão, a capital tem cerca de 200 mil veículos a mais que pessoas.
Conforme o tenente, o comportamento dos condutores também está atrelado ao aumento de vítimas no trânsito. “Principalmente nos horários de pico, mas não só. Os motoristas estão ansiosos para chegar no trabalho ou em casa e perdem a atenção no volante mexendo no celular. Outras vezes, querem encontrar formas de acelerar. Isso é comportamento de risco para acidentes”, alerta.
Em alta
Desde o início da série histórica, 2024 foi o ano com mais registros de acidentes para os meses de março e abril, com 24.996 e 25.329, respectivamente. Neste ano foram registrados 93.992 acidentes em Minas Gerais entre janeiro e abril. Deles, 44.512, o equivalente a 47%, tiveram como causa presumida a falta de atenção dos envolvidos.
“O trânsito na Cristiano Machado cansa mais que o trabalho”
O dia a dia na avenida é vivido pelo gerente de marketing de uma loja de móveis na Cristiano Machado, na altura do bairro Heliópolis, Eduardo Lima. Ele se mudou para próximo do estabelecimento recentemente, mas ainda se lembra da exaustão de ter de enfrentar a via. “Eu morava em Venda Nova e tinha que vir todo dia. Vinha de carro e era muito cansativo. Cansava mais ir e voltar no trânsito do que trabalhar”, desabafa.
Mesmo agora podendo ir a pé até o serviço, Eduardo não se livrou do estresse com a Cristiano Machado. “O pessoal do trabalho atrasa praticamente todo dia. Eles são surpreendidos por acidentes no caminho, seja de carro, moto ou ônibus. Acontece direto. Na empresa, inclusive, temos câmeras de segurança e somos procurados frequentemente, de dia, de noite e até de madrugada, para entregar imagens de batidas que acontecem na porta da loja”, conta.
Trânsito intenso faz crescer número de vítimas
No primeiro quadrimestre de 2024, 27 mil pessoas foram vítimas de acidentes de trânsito em Minas, sendo que 616 morreram. A maioria das vítimas tem entre 18 a 29 anos e 70% são homens. Colisão lateral e choque de veículos lideram os tipos de acidentes registrados neste ano, embora 88% das vias tenham sido classificadas como em boa condição de tráfego.
Quando considerados os registros gerais de acidentes de trânsito com vítimas, a Cristiano Machado continua à frente do Anel Rodoviário, mas com uma margem menor. Na última década, foram 7.288 vítimas na avenida, contra 7.083 no Anel, onde ocorreram 5.533 incidentes. A diferença, segundo o especialista Silvestre de Andrade, está na gravidade dos acidentes.
“Na Cristiano Machado, a questão está na ocupação urbana. Está no número de cruzamentos, entradas e saídas, travessias. Esses pontos de conflito, mesmo em baixa velocidade, facilitam acidentes com vítimas leves. Já no Anel Rodoviário, o problema é a velocidade. No Anel, não tem cruzamento, não tem semáforo, e os motoristas aceleram, então ocorrem acidentes mais graves, com mortes”, analisa.
A plataforma do governo de Minas aponta que 21.702 pessoas morreram em decorrência de acidentes no trânsito nos últimos dez anos. O trecho com maior número de mortes foi o Anel Rodoviário, com 206 óbitos. Em seguida aparece a rodovia MGC-135 em Curvelo, com 77 vítimas.
O que diz a BHTrans?
De acordo com a diretora de dados e informações da BHTrans, Jussara Bellavinha, a BHtrans está ciente da alta de acidentes na Cristiano Machado e acompanha os indicadores como parte da rotina. Bellavinha admite que as batidas no trânsito causam “um problemão” na capital. “É um impacto horrível. Tanto para as vítimas, na vida das famílias; quanto para o Sistema Único de Saúde (SUS), que fica sobrecarregado e assume o custo das internações; e para a mobilidade urbana. Um acidente de pouca gravidade consegue travar por horas o trânsito”, diz.
A diretora afirma que a BHTrans assume a responsabilidade e está agindo a todo momento para melhorar a segurança nas vias. Segundo ela, o órgão municipal aplica planos de trabalho, atualizados ano a ano, para otimização do fluxo de veículos e redução de acidentes.
“Esses planos têm foco na fiscalização, na engenharia do trânsito e na educação. A BHtrans faz uma revisão das vias, desde a sinalização, com placas, pinturas no solo, semáforos, até o reforço na fiscalização. Quando preciso, fazemos novos projetos de engenharia. Isso, além do trabalho de educação, atendendo alunos das escolas e dando cursos em empresas”, detalha.