O acender dos leds da “Festa da Luz” foi uma despedida da rua Sapucaí, no bairro Floresta, da forma com que os belo-horizontinos estão acostumados. O pontapé inicial para a transformação da rua em um espaço unicamente de lazer, sem circulação de veículos, com balanços e área gramada, foi dado nesta segunda-feira (3 de junho). Às 00h desta terça, acontece a primeira restrição de tráfego na rua que virou ponto turístico. As intervenções devem custar R$ 4,7 milhões, provenientes dos Recursos Ordinários do Tesouro (ROT), e durar até 300 dias – cerca de 10 meses. Segundo especialista, a “nova Sapucaí” marca uma BH mais focada na experiência dos pedestres.
Trabalhadores da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) estiveram no local nesta manhã, fazendo a sinalização das obras na rua Tapuias, perpendicular à Sapucaí, que receberá o canteiro de obras. O trecho será fechado a partir das 00h desta terça-feira (4 de junho), e apenas o trânsito local poderá circular. Já na quinta-feira (6), haverá a interdição do primeiro quarteirão da rua, que vai da avenida Assis Chateaubriand à rua Tabaiares.
Rua Tapuias, no encontro com a Sapucaí. Fonte: Videopress Produtora
A proposta é que as obras sejam realizadas por etapas, para minimizar o impacto no comércio local, isto é, os bares e restaurantes que marcam a rua Sapucaí vão continuar recebendo os clientes neste primeiro momento. "Faremos tudo de forma parcelada. Nos primeiros 90 dias, obras no primeiro quarteirão, depois, mais 90 dias de obras no segundo quarteirão (entre rua Tabaiares e rua Tapuias). Por último, entre Tapuias e Francisco Sales, obras de 120 dias", detalhou o subsecretário de planejamento urbano da prefeitura, Pedro Maciel.
A “nova Sapucaí” é um projeto executado pela Conata Engenharia, que venceu a licitação da prefeitura. A ideia é valorizar o corredor cultural e gastronômico que nasceu espontaneamente na rua, com destaque à vista para o mural de grafites belo-horizontinos. Para isso, o trânsito será fechado totalmente para veículos. Mudança que já foi testada pela PBH em um teste de impactos no trânsito no mês de maio.
"A rua Sapucaí se destacou como um ponto cultural, de lazer e gastronomia, ao mesmo tempo, há um conflito entre pedestres e veículos. Para que haja esse aproveitamento total da população, com segurança, o trânsito será fechado", argumentou Maciel. Segundo o subsecretário, neste início das obras, os moradores e turistas podem continuar acessando a Sapucaí. "Vamos colocar uns tapumes separando os bares, para evitar os transtornos. As obras da calçada serão as últimas a serem realizadas", disse.
Mudanças e primeiras percepções
O projeto de qualificação da rua Sapucaí prevê, além do fechamento total da rua para veículos, a instalação de equipamentos urbanos, como jardins, mesas e cadeiras, banheiros públicos, quiosques e uma arquibancada para apreciação da vista. Também está na proposta a implantação de uma ciclovia.
Projeto de revitalização na rua Sapucaí. Fonte: PBH
A perspectiva de Alfredo Lanna, sócio da pizzaria Panorama e do Botequim Sapucaí, ambos na rua de lazer, é a “melhor possível”. O empresário também é arquiteto e urbanista e enxerga a revitalização do espaço como oportunidade de apropriação do espaço público. “Na minha opinião, é um projeto que vai dar certo. Na Sapucaí, existe um volume de ocupantes da rua. São pessoas que não são só clientes, mas turistas, moradores, ciclistas, pedestres que usam o metrô. Existe essa necessidade de ampliar o espaço para as pessoas, e esse projeto vem para isso”, celebrou.
Lanna admite que se preocupa com os meses que ocorrerão as obras, mas diz acreditar que o esforço valerá a pena. “No início, lógico, temos receio, pelo tempo que a gente pode ficar parado. Não sabemos se a poeira vai atrapalhar o nosso cotidiano. Mas acredito sim que será para um bem maior”, afirmou.
Frequentadora dos bares da rua Sapucaí, a estagiária Ingridh Luci, de 22 anos, também aposta na revitalização do espaço como melhoria na sua rotina. "Eu passo aqui quase todos os dias a caminho do trabalho e da faculdade. E venho passear a noite também. Acho que a obra vai valorizar a rua", comentou.
A opinião é compartilhada pela estudante Maria Eduarda Vasconcelos, de 18 anos, que é vizinha da Sapucaí. "À noite, o trânsito já fica praticamente fechado por causa da quantidade de pessoas, então, acho que vai melhorar para todo mundo. Além disso, acho que, se transformar numa praça, vai unificar os estabelecimentos", opinou.
De fato, a maioria das avaliações de moradores da região, comerciantes, pesquisadores e movimentos sociais sobre a “nova Sapucaí” é positiva. Uma consulta pública feita pela prefeitura, em dezembro de 2022, escutou estes públicos e revelou que 81,15% dos participantes disseram “gostar muito da proposta” de transformar um trecho da rua Sapucaí em via para pedestres e bicicletas. Além disso, 61,58% respondeu ser “totalmente favorável” à criação de espaços de descanso e permanência.
Nova Sapucaí é retrato de uma mudança nas grandes capitais, diz especialista
O urbanista e mestre em ambiente e patrimônio sustentável, Sérgio Myssior, reforça que a transformação da rua Sapucaí é Belo Horizonte respondendo a uma tendência mundial. “Isso está acontecendo em todas as grandes cidades do mundo. Não apenas uma requalificação dos espaços, mas uma transformação. É uma tendência de transformar os lugares em mais potentes para a circulação e a vivência das pessoas. O foco são os pedestres”, destaca.
Não por coincidência, a inspiração da “nova Sapucaí” são as superquadras de Barcelona, na Espanha: uma em cada três quadras da região central da cidade está sendo transformada em eixos verdes que priorizam pedestres e ciclistas. O diferencial da Sapucaí, no entanto, é a relação com a cultura de rua, segundo Myssior. “A própria população veio construindo esse espaço. Houve um processo de ocupação urbana, que agregou valor paisagístico ali. A cena cultural reviveu a Sapucaí criando conexões entre a arte dos grafites, o duelo de MCs, diferentes expressões de esportes e de inovações gastronômicas”, reforça.
As intervenções fazem parte do programa Centro de Todo Mundo, lançado em 2023. A iniciativa busca promover a requalificação da região central, criando mais espaços de lazer, moradia e trabalho. Para o especialista, o importante agora é tornar o projeto duradouro para além das mudanças de governo. “Tudo que pulsa cultura é economia criativa e funciona também como produção de oportunidades. É possível transformar as cidades, mas precisam ser ações duradouras, estruturantes, que continuem apesar das mudanças no governo”.